Lá pras bandas de 1984, o Rei Roberto Carlos, que não usa coroa mas todo mundo reconhece de longe, resolveu botar o coração pra rodar no asfalto da vida. Foi assim que nasceu "Caminhoneiro", canção é confissão sobre rodas. E veja bem, não era história de quem fugia, não. Era de quem corria ao encontro, o peito apertado de saudade, o volante firme nas mãos, e o amor da sua mulher estampado no pára-choque, desenhado em forma de coração, com o nome dela ali, feito promessa.
Todo dia, quase sempre de madrugada, ele pegava a estrada. No banco da frente, só ele, Deus, a lembrança dela e o rádio ligado tentando enganar a solidão. Se fosse de dia, acelerava. Se fosse de noite, os faróis viravam estrela pra iluminar o rumo. Mas nem por isso se atrevia a soltar o caminhão na banguela, porque amor de verdade merece chegar inteiro, sem pressa que machuque, sem descuido que custe caro.
E essa música, veja só, foi tão bem traçada que parecia que o próprio Brasil andava dentro dela: cerração, chuva, poeira, saudade, um retrato no painel e o beijo que só vinha depois do freio de mão puxado, no acostamento dos braços dela.
Nove anos se passaram. E no LP de 1993, Roberto voltou ao volante das lembranças, só que agora o que vinha era outro tempo, outro tom. Já não era mais o caminhoneiro apaixonado e moço, cheio de pressa e calor no peito. Era "O Velho Caminhoneiro" quem surgia: homem vivido, comandante das estradas, desses que carregam mais história no olhar do que carga no baú. E lá vinha ele, cruzando o Brasil com a coragem como combustível, São Cristóvão no painel e o tempo marcado não no relógio, mas nas marcas da alma.
Esse velho, que ainda abria a camisa no verão e enfrentava o barro como quem desafia o mundo, já tinha visto muito. Tanta coisa que machuca, mas o tempo, esse doutor dos dias, cicatrizava devagar. Lá numa curva qualquer, morava uma saudade antiga: da namorada que ficou, da juventude que partiu, da estrada que agora ele via com outros olhos.
Era um homem que não tinha hora de partida. Seu coração viajava carregado de emoção, e não era pouca, não. No silêncio da boleia, pensava na mulher que o esperava e nos filhos que um dia cresceram ouvindo seu motor ao longe. A cada buzina que soltava, parecia dizer: "tô vivo, tô indo, e ainda sei o caminho".
E foi nesse mesmo espírito que, em 2004, o destino cruzou três estradas num só programa. No "Especial Roberto Carlos", o Rei recebeu dois velhos conhecidos da televisão: Pedro e Bino, interpretados por Antônio Fagundes e Stênio Garcia. Eles deixaram o seriado "Carga Pesada" por uns minutos e subiram no palco da vida real pra bater um papo com quem também vive de estrada, não de caminhão, mas de emoção. E foi bonito de ver: três veteranos da longa estrada brasileira, cada um do seu ofício, dividindo o mesmo acostamento de memórias.
E se "Carga Pesada" marcou época, foi por mérito justo. O seriado estreou em 22 de maio de 1979, com texto de gente graúda: Dias Gomes, Walter George Durst, Carlos Queiroz Telles e Gianfrancesco Guarnieri. Até os próprios Fagundes e Stênio meteram a mão nos roteiros, porque sabiam que pra falar de estrada, não bastava ler, era preciso sentir.
O programa correu até janeiro de 1981, parou, mas não viu seu fim. Em abril de 2003, a Rede Globo tirou o caminhão da garagem de novo, mas em vez de repetir o passado, resolveu seguir viagem como se o tempo tivesse só feito uma pausa. Vinte e dois anos depois, Pedro e Bino retomaram a marcha, mais velhos, mais sábios, e tão brasileiros quanto antes.
No fim das contas, "O Velho Caminhoneiro" era um espelho desses homens. Uma homenagem não só a Pedro e Bino, mas a todos os que vivem da estrada, da coragem e da fé. E ali, no volante das palavras de Roberto e Erasmo, estava o retrato fiel dessa gente que carrega o Brasil nas costas e no coração.
A título de curiosidade, vale dizer que, nos filmes "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura", lançado em 1968, "Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa", de 1970, o Rei aparece pilotando avião e helicóptero. Mas ali era tudo jogo de cena. Ele não estava no comando de verdade, embora fizesse parecer que sim. Agora, quando se trata do que anda sobre rodas ou desliza pelas águas, aí a conversa é outra.
Roberto já tomou o volante de caminhões que levavam seus equipamentos de show e também dirigiu, por gosto e hábito, o seu próprio ônibus, que é, na verdade, um motorhome daqueles bem equipados. Também já assumindo o leme de barcos e do seu conhecido iate batizado de "Lady Laura". Máquinas, para ele, sempre foram mas extensões da própria personalidade.
Hoje, 5 de abril de 2025, Roberto Carlos está em São Paulo, capital, e tem apresentação marcada para esta noite no Multiplan Hall, dentro do Ribeirão Shopping, na cidade de Ribeirão Preto. A distância entre os dois pontos é de aproximadamente 315 quilômetros, um trajeto que pode ser feito em torno de três horas e meia por estrada.
Não se sabe ao certo como ele fará esse deslocamento. Pode ser que vá em seu motorhome, como já fez em tantas outras ocasiões entre Rio e São Paulo, ou talvez embarque em um jato particular. Ambas as opções são possíveis. O que se sabe é que, sempre que pode, Roberto gosta de estar ao volante.
Texto de Leandro Coutinho
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