Machado de Assis, 1839-1908,
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Ao verme.
Vai dar aí teu/nosso orgulho e vaidade. Aos vermes. Quão difícil é para o ser humano entender isso. E viver conforme o cânone dessa constatação.
"Lembra-te de que és mortal", dizia o escravo ao ouvido do general romano na Procissão da Vitória, comemoração Roma adentro, quando regressava da batalha.
Aos vermes. Na Bíblia, sempre ela, o Eclesiastes formula parecido quando diz que melhor é estar na casa onde há luto, do que na casa onde há festa.
Naquela, atina-se com o fim de todos os mortais. Fortuito. É porque o ser humano tem uma necessidade precípua de se sentir acima do outro.
Meu cachorro não tem essa necessidade. Bem, pode-se tentar justificar, nessa reles comparação, que eles disputam território ou fêmeas entre si. Mas será diferente.
Mesmo porque nós os chamamos irracionais, ao meu ver impropriamente, porque não podem ser responsabilizados pelo que fazem instintivamente.
Porém quanto a nós, brota espontânea essa, tão nossa, soberba. Dizemo-nos racionais e somos os únicos que agimos, conscientemente, ao inverso das prescrições da razão.
Humildade, uma necessidade, é consciência da própria dimensão. Até o material de que somos feitos, tão ciosos que somos de tratá-lo com requinte, aos vermes.
Aparência física, cor dos olhos, cabelos, pele, o que aparece e não aparece, mas faz parte do corpo, todo ele e tudo aos vermes. Por que, portanto, soberba?
Pode ser, talvez, por vingança. Quem mais tem e mais aparenta, por isso, meça-se e sinta-se superior. Enquanto houver fôlego e anticorpos que bloqueiem os microorganismos que circulam, mega proeza do sistema imunológico, enquanto isso assoberba-te.
Mas não te esqueças, concomitantemente, de dedicar aos vermes essa futilidade. Também lembrando que a soberba mais te inferioriza diante de todos. A sincera humidade te seria muito mais enobrecedora.
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