quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Mal traçadas linhas 94

         Não há como pressupor, em Deus, previsibilidade. Quer dizer, sim e não, ao mesmo tempo porque, em Sua "insondavisibilidade" (se é que existe esta palavra: inescrutabilidade, pronto) e em Sua soberania (esta existe), não se pode forçá-Lo a nada.

       Bem, mas falar dEle (e com Ele) pode. Aliás, a Bíblia esnoba tal possibilidade. Fala dEle todo o tempo (e o suficiente) para torná-Lo conhecido. Não fala tudo sobre Ele (pura pretensão), mas fala o suficiente.

      Como disse Lucas Evangelista que Paulo Apóstolo falou: "não é necessário que se lHe procurem tateando, para que O possam achar". Mas aqui desejo falar (dEle) uma certa capacidade provocativa de procurar amizade com o ser humano (que criou a Sua imagem e semelhança).

      Interessante. A Bíblia fala de anjos, seres celestiais também pelo Altíssimo criados que, inclusive, não partilham as limitações do homem. Mas não foram criados "à imagem e semelhança" de Deus. Estes são privilégios exclusivos do ser humano homem e mulher.

       Mas vamos ao assunto. A primeira vez que a Bíblia fala dessa gana divina por amizade é quando, já sabendo da besteira fundante de todas as outras que o casal primordial fizera, dando ouvidos à oposição, procurou-os.

     E a Bíblia diz que foi "na viração do dia", ao entardecer, supostamente a melhor parte do dia para diálogos reflexivos. Pois postas em dia as diferenças que, a partir desse diálogo, impuseram-se, anotadas as medidas emergenciais e compensatórias de todo o dano e exposto à expulsão o casal primordial, vida que segue.

      Surpreendentemente o Livro nos coloca diante de outra provocação de amizade, desta vez ao inverso, em nossa reles opinião porque, para nós, entre Abel, o justo, e Caim, o canalha, preferivelmente o Altíssimo deveria ter procurado o primeiro. Mas não. Contradição de todas, procurou o canalha.

       Confrontou esse inimigo de Deus. Aliás, não é exclusiva de Caim essa alcunha. Paulo Apóstolo, em sua teologia, esboça que todos, indistintamente, somos, por natureza, ou seja, inato é sermos inimigos de Deus (no entendimento e, como resultado, na práxis).

      Sugeriu duas coisas a Caim: que se contivesse e que dominasse, como causa, em si mesmo, o pecado, sentimento este sobre que a Bíblia tem duas coisas a dizer: habita o ser humano, também inato a ele; é sempre contra o ser humano, contra a vida, contra o outro, contra Deus.

      Caim nem aí para Deus. Esse pessoal que define um "deus de consumo" (que, definitivamente, não é o da Bíblia), esconde de todos esse texto, essa história: Abel ser assim, assim com o Altíssimo não lhe conferiu nem prosperidade, nem livrar-se do mal.

      Também contra essa "fé utilitarista" clama, da terra (ainda), o sangue de Abel. E Deus continua em Sua tentativa de amizade com o ser humano. Com Noé, fê-lo passar por profeta louco, por construir longe da praia do mar uma arca monumental: não lhe seria útil para nada e nem poderia transportá-la aos oceanos.

      Sem problemas, porque foram as águas que vieram ao encontro da arca. Ser amigo de Deus, para muitos ao redor, aliás, para a mídia, pode significar de duas uma (ou as duas): absolutamente inútil; loucura total.

       Com Abraão Deus provocou amizade para lhe testar a paciência. Para que quando, e só quando, humanamente falando, fosse impossível, só então Deus agisse. Chamou isso de fé e declarou Abraão "pai da fé". Haja paciência (de Jó).

       Aliás, falando de Jó, já dissemos, haja (nessa amizade) paciência. Com Moisés (pulando muitos outros, José seu antepassado, por exemplo - e sem mencionar mulheres, desculpem o machismo, porque Eva foi a primeira amiga, que ensinou a Enos, seu neto, os segredos dessa amizade).

       Com Moisés foi provocação total. Deus estressa primeiro, antes de se mostrar (ou já se mostrando) amigo. (Mas também, lidar com ser humano estressa qualquer um(a)). Até Moisés entender que, no caminhar com Deus, no andar no Espírito, no aceitar deixar-se modelar, em caráter, do mesmo modo que Cristo se deixou modelar pelo Pai - "o filho não pode fazer de si mesmo nada, senão aquilo que vir fazer o Pai".

           Amigo por excelência. Aqui está bem empregada esta palavra. No texto da videira, em que João Evangelista afirma que somos enxertados em Jesus e que Deus, o Pai, se torna agricultor, aperfeiçoando as varas que somos nós, nesse texto está escrito que Jesus nos torna amigos de Deus.

     Mais essa do Galileu. Muito bom começarmos a entender isso.
     

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