quinta-feira, 29 de março de 2018

Mal traçadas linhas 78

        Oração 3

        Não seja por isso. É que nem sei o número de ordem. Já falei sobre oração aqui. Aliás, essas coisas temos de falar delas. Falar significa compartilhar, refletir e insisitir em praticar, não necessariamente nesta ordem.

        Três estágios para a oração. Aquele que se refere ao tipo de oração do dia a dia. Aquela corriqueira, quase formal e reza obrigatória: quando levanta, quando sai, quando volta, quando almoça, quando deita, quando medra.

       Neemias, por exemplo, dá exemplo de dois tipos: o intensivo, quando recebeu as péssimas notícias sobre os escombros de Jerusalém, e a outra, de súbito, na hora em que o rei identificou sua tristeza estampada no rosto.

       Então orei ao Senhor, disse ele, de imediato. Uma oração ao Deus da minha vida, assim, subindo do íntimo. Essa é a oração respiração da alma, que sobe a toda a hora, no engarrafamento do trânsito, no estresse do trabalho ou no surto do inesperado.

       Outra é a do medo, essencialmente covardes que somos. Como os discípulos, que acordaram Jesus de um sono, cochilo gostoso, por causa do medo do mar. Que nem era um mar, mas era o lago da Galileia. Mas medo sempre é desproporcional: quem o nutre, nutre por qualquer.

        A Bíblia diz que quem teme, teme porque não é aperfeiçoado em amor. Mas medo do assalto, da bala perdida (ou achada), do câncer secreto, enfim, até certo ponto é natural: essa oração caracteriza a nossa fragilidade.

         Somos frágeis em todos os sentidos: estrutural, emocional e moral. Muitas vezes é esse medo que nos move a orar. Não estávamos nem aí pra Deus, vivíamos aquela rotina de reza, repetição de oração por obrigação, quando nos assustamos.

        Às vezes, nessas horas, ficamos até mais "espirituais", mais consagrados para ver se, por agrado e afago (a Seu ego segundo, no íntimo, avaliamos) Deus nos responde. Sim, em todos os sentidos frágeis, até infantis, achando que Deus trabalha na base de trocas: boas intenções de nossa parte, gerando favores da parte dEle. Tolice.

        E a oração que nos coloca diante de nossa missão. Esta precisa ser mais consciente. Necessária, precipuamente, porque igreja tem missão. E se somos igreja, temos missão. Envolva-se nela, seja em que parte do elo dessa corrente. No seu trabalho, na sua casa, em meio a sua família, enfim, onde estamos devemos ser autêntico sinal profético.

      A oração por missão clama por autenticidade. Jesus orava por sua missão. A oração que direciona os vocacionados é por missão. Ide por todo o mundo não é só para pastor, missionário, enfim, a parte "clerical" da igreja. É para toda a igreja. Todos somos profetas e apóstolos destes últimos dias. O tempo está próximo, arrependei-vos e crede no evangelho, como dizia Jesus, no começo de sua missão.

      Ore por missão. Oremos, também, quando dermos de cara com nossa fragilidade. Ela vai se manifestar remota, mediata ou imediatamente. E ore também a toda a hora. Rotina, sim, mas como é rotina a respiração: fôlego de vida.
   

quarta-feira, 28 de março de 2018

Mal traçadas linhas 77

      Monotonia.

      Quando penso no Salmo 139, reflito sobre a monotonia de Deus. Ele é o que sabe. Paulo Apóstolo afirma, com toda a certeza, que a palavra ainda não me chegou à boca e Deus já a conhece toda.

     Tu me sondas e me conheces, nesse Salmo, referindo-se ao Altíssimo revela-se, ó Pai, numa indicação dessa tremenda monotonia. Conhecer-me é deveras simples. Ainda mais para Deus.

     Sou repetitivo. Pouco inteligente. E muito deficiente em espiritualidade. De modo que, para Deus, ocupar-se comigo é experiência deveras cansativa. Sem mencionar, ainda, minha parva capacidade de aprender.

     Mais houvesse em mim lucidez, uma lógica que fosse rudimentar, ou que eu, através dos anos, compensasse essa falta com uma devoção, com uma piedade, pronto, pelo menos parecida com a de minha mãe, eu, cavaco que caiu longe do pau.

      Mas não. Portanto, para Deus é penoso. Sim, sabemos, ainda há a ajuda do Espírito que, como diz o Livro, socorre na fraqueza, que nem sabemos orar como convém. Esse Espírito que anseia que sejamos revestidos do que é definitivo.

     O mesmo Espírito que, como se expressa Tiago, nutre ciúmes por nos ver longe do pecado e mais próximos da santidade de Deus. Mas não sou robô, como pede o reCAPTCHA, do Google, que eu confirme. Então, o Espírito não nos robotiza.

     Aliás, se há quem não nos robotize é Deus. Se há quem nos reforce a identidade é o Altíssimo. Enquanto a mídia, assim como a chamada sociedade de consumo, e políticos, enfim, têm todo o interesse em nos ver manipulados, não assim o Senhor.

      Mas isso não resolve o problema da monotonia de Deus. Debruçado sobre minha vida, ouvindo minhas orações, privativo de minha lógica tortuosa. Ah, Deus. Quanta e que monotonia. Não para mim, mas para Ti. E a graça de Deus nos revela que nisso, para Deus, não há monotonia.

     Todo dádiva. Todo dom. Deus é todo amor e desejo de compartilhar conosco tudo e sempre: Sua palavra, a comunhão, Sua intimidade, amizade, enfim. Não. Nunca. Para Deus nunca é monótono dedicar-se ou aplicar-se a nós.

      Não é um Ser distante. O que conhece de nós é por experiência pessoal. Sondar-nos, para Deus, torna-se experiência gratificante. Em tudo semelhante a nós, quando se fez homem em Jesus.

      A maior experiência para Deus constituiu-se, em Seu amor por nós, fazer a Si mesmo homem. Como poderíamos imaginar que isso, para Deus, foi o máximo?! Foi tudo. Graça. Amor. Nada monótono.

domingo, 25 de março de 2018

Mal traçadas linhas 76

      Mas ora, a poesia.

      Muitas vezes mal entendida. Outras, confundida com um texto em prosa qualquer. Porque está inscrita na vida. E compreender vida é, enfim, um modo de fazer e entender poesia.

      Professor de português a vida (quase) toda quis, muitas vezes, explicar ou tentar entender, às vezes lendo, muitas tentando explicar o que é poesia. Nunca deu muito certo.

      Porque talvez nunca dê para se entender poesia. Talvez mesmo só seja possível viver poesia. Assim como se vive a vida. Altos e baixos, rasos e profundos.

     Risos e choros, raivas e mansuetude. Amor e. Não. Nunca ponha aqui o antônimo de amor. Era para que a vida nunca visse viver o ódio. Poesia não foi feita para ódios.

     Às vezes os teóricos dizem que poesia não existe para engajamento ideológico. Não serve para isso. Ora, teóricos. Poesia e vida se autoexplicam(?) Bom, se não são, que se façam entender.

     Na Bíblia, por exemplo, os Salmos. Ora, lá vem você com "Bíblia". Já sabias, leitor. Caso queiras, com todo o respeito, desembarque deste texto. Vou falar dela de novo.

      Pois nela os Salmos são poesia. Aliás, oração é uma forma de poesia. Aliás, a vida é uma forma de poesia ou a poesia é uma forma de vida? Não sei. E como disse também o poeta, até o samba é uma forma de oração.

     O samba também é poesia. Ora, não banaliza. Então, o quê? Elitiza? Quem não faz poesia, é porque a vive. E poetas apenas decodificam. Se não, há um senão. Ou senões.

     Há poesias alegres, há tristes. Há trágicas. Maldade não combina com poesia. Aliás, maldade não combina com vida. A Bíblia, de novo ela, denuncia a maldade. E chama pecado.

     Onde, pecado? Dentro de cada qual, diz o Livro, sejam eles ou elas. Mas deixa para lá, para que ninguém pense que é doutrina. Mas vamos falar de amor. A Bíblia também fala de amor.

      A Bíblia diz que Deus é amor. Não confunda. Nessa ordem. O Livro não diz que "Todo amor é Deus" ou diz "onde há a amor, há Deus". Não. Não inverta a ordem: onde há Deus, amor. Há amor.

       Nem chame de amor qualquer coisa, ou não chame qualquer coisa de amor ou ainda não chame qualquer amor de amor.

      Não chame de poesia qualquer coisa, não chame qualquer coisa de poesia ou ainda não chame qualquer poesia de poesia.

      Não confunda. Não implique comigo. O mesmo método se aplica ao Livro: nem todo mundo que o empunha ou se empenha dele entende. Nem tudo mundo entende vida ou poesia.

     Há o que é torto. Árvore parece torta, mas é poesia. E vida também. Voo de beija-flor também parece ziguezague. É. Mas também é poesia. Vida dos outros e nossa ou qualquer vida. Poesia(?)

     Pode parecer torta. E às vezes é. Já notou que somente o ser humano, às vezes, com tristeza, é capaz de não viver. De matar. De odiar. De não poesia. Triste.

      Mas não vamos acabar triste o texto. De novo, está no Livro. Alegria no Senhor é a nossa força. Sim. O livro admite que Deus existe. O Livro admite Deus.

     Se Ele existe, é amor. Alegria também. Cuidado. Nem tudo que é alegria, é amor. Nem tudo que é viver, é vida. Nem tudo que é poesia, é de verdade poesia.

     Ora, o tempo. O tempo testa tudo. Decorre. Testa se é amor. Testa se é alegria. Testa se é poesia. Amor, alegria e poesia resistem ao teste do tempo.

     Deus, dizem, se existe, é eterno. Ele resiste ao teste do tempo? Não. Dizem, é amor: criou o tempo. Não sei se criou a poesia. Pode, surpreso, ter aprendido com o homem (e a mulher).

     E ter descoberto, sem saber, que também era poeta. Ponto.

sábado, 24 de março de 2018

No Blog, sobre Marielle

        Marielle Franco, presente.

        E nem me lembro mais como chegou a mim essa notícia. Também não sei como chegou a tantos outros e seu efeito.

       A família já reclama do tempo preso à tela do smartphone. Certamente, foi através dele que tomei conhecimento.

       Sempre que, como pastor, dirijo cultos fúnebres, se assim se quiser denominar, costumo dizer que sempre há quem sofra  mais por estar mais proximo ao finado.

        O que dizer? Sim, é certo dizer, desde o assassinato de Abel, que a Bíblia diz ser o primeiro, por razões fúteis, qualquer assassinato é tão chocante quanto qualquer outro.

        Há um erro em comparar graus de importância entre eles. E como disse Deus ao assassino, o sangue do morto clama da terra. Serve para todos os assassinatos já cometidos e ainda por cometer.

      Razões fúteis, no caso de Marielle, somaram-se, de modo absurdo, a tentativas de justificativas. Algo do tipo: "Ora, ah mas, também!"

       E vinha uma relação de senões que, alinhados, evidentemente, nunca juntos justificariam o crime cometido, mas desejava-se que servissem, a um só tempo, por declaração de culpa contra a vítima e atenuante aos assassinos.

       Assim, continuou-se a matar Marielle. E ainda sem falar em sua figura pública e no que representava, sem ainda falar nos tais 46.000 votos que, na verdade, por causa de sua condição cidadã, são todos os votos do Brasil e todos os mais de 200 milhões de habitantes.

       Sem falar nesses votos, matava-se de novo a continuava-se a matar e continua-se matando, na realidade nua e crua, no discurso e na mentalidade de muitos continua-se matando mulheres, negros e negras, homoafetivos, pobres.

         Mas também são mortos e mortas mulheres brancas, ricos, capitalistas, enfim, qualquer politização simplista nessa hora somente ajuda a quem vai continuar matando.

         Próximo daquela noite fatídica, pouco antes, pouco depois, mataram um pai na frente do filho de 5 anos, no Cachambi, mataram um filho de 1 ano e 7 meses na frente do pai, no Alemão e mataram Marielle no Estácio.

         Ela defendia direitos humanos. Não sei se há hierarquia entre eles, mas liberdade é um dos primeiros. Alguém me perguntou: "Por que Deus não evitou a morte de Marielle, ou do menino, ou do pai na frente do filho?

         Não sei. Nem sei por que na Bíblia, ao invés de falar a Abel que fugisse de Caim, Deus procurou o assassino, para que não matasse. Deus quis confrontar Caim com a proposta absurda que ele engendrava.

        Foi assassinato engendrado. Marielle defendia a liberdade até de alguém escolher fazer o que fez. Homem e mulheres, negros ou de qualquer raça e cor, têm liberdade de fazer suas escolhas.

          Bom seria que nunca optassem por matar. Porque o sangue de quem morre clama da terra. O que Deus diz aos assassinos? O sangue clama diante de mim: na minha cara, na sua cara e na de todos.

          Nunca ninguém que tenha direito de escolha, de exercer sua liberdade no espaço restrito que os regimes e ideologias humanas permitem, nunca diga que Deus tem a ver com suas escolhas. Existindo Deus ou não, assuma suas escolhas.

        Marielle defendia esse direito de fazer escolhas, o máximo possível sem cerceamento de direitos. No Apocalipse, no seu final, está escrito: "Continue o injusto fazendo injustiça". Trata-se da refinada ironia bíblica.

          Que absurdo contexto é esse dessa fala acima? Três advertências o antecedem: (1) não sele o livro; (2) ele contém palavras de profecia; (3) o tempo está próximo.

           São os absurdos da Bíblia com mais os absurdos da condição hunana: 1. Deus procura sempre o assassino para confrontá-lo com a opção que escolheu; 2. O Livro também adverte faça o que bem quiser, exerça liberdade de escolha, mas dará contas a Deus.

         Perdeu. Quem exerce seu direito no império da violência sempre sai perdendo. Clama o sangue do justo Abel, diz a Bíblia. Clama o sangue da negra Marielle. Clama o sangue de tantos outros.

         Quando Deus interpelou Caim, perguntando, como se já não soubesse, "onde está Abel?", pergunta também: "Onde está Marielle?". Caim retrucou: "Não sei; sou eu guardador de meu irmão?".

         Sim, Deus responde: todos somos guardadores do irmão. Sim, Marielle responde: todos somos guardadores de nosso irmão. O sangue clama contra a cara de Deus. Clama contra a nossa cara. Clama contra a cara de todos.

       E Caim? Sumiu no mundo. Escondeu sua cara. Mas tem a marca de Deus consigo. Não se deve nunca fazer com ele o que ele fez com Abel. Assim fala Deus, assim falou Marielle.
       
         

     

sexta-feira, 23 de março de 2018

      "Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós."
                                   1 Coríntios 5:7

       Jesus é a nossa páscoa. Todo o Antigo Testamento anuncia profeticamente a vinda de Jesus. Personagens, celebrações e acontecimentos foram sinal profético inconfundível.

      A pascoa, celebração da última noite no cativeiro egípcio, reúne pelo menos três indicações muito claras que apontam que, em Jesus, ela se cumpriu profeticamente.

      Jesus é nossa páscoa porque nele reside a distinção entre salvos e não salvos, como ocorreu na noite da páscoa egípcia: quem não estava debaixo da proteção do sangue, não foi poupado do juízo de Deus.

       João Apóstolo escreveu: "Quem nele crê, não é julgado; o que não crê, já está julgado. Porque não crê. Nisto há distinção. Ninguém é condenado pela quantidade ou qualidade de pecado. Mas será se não crer no único modo de expiação: sem derramamento de sangue, não há remissão de pecado.

      Jesus é nossa páscoa também porque foi o cordeiro imolado. Para retirar o sangue, foi necessário ter matado o cordeiro. Morte que apontava para aquela de Jesus, substitutiva: quem em Cristo morre, uma vez batizado nEle pelo Espírito Santo, em Cristo ressuscita.

       E Jesus também é nossa páscoa porque, no poder de seu nome, familias se reúnem, sob a proteção do sangue, para formar a congregação dos libertos.

       Cada família, no Egito, que convidou seu vizinho, cada estrangeiro circuncidado reunido a eles, todo o grupo, todas as casas com a marca do sangue formaram a congregação do deserto.

      Também nós somos a congregação do deserto, uma vez tirada do mundo pelo poder de Jesus e ao abrigo da igreja, casa do Senhor onde estão os marcados pelo sangue de Jesus.

     O que nos torna verdadeiramente igreja, parte integrante dessa congregação, não é qualquer formalidade, herança ou direito adquirido. É o fato de termos sido lavados pelo sangue de Jesus, unidos a Ele, em sua morte e ressurreição, edificados na comunhão com Jesus como pedras que vivem.

       Jesus é a nossa páscoa.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Artigos soltos 29

       Ao contrário - final

       Pela divisão que sugiro no texto de Isaías 53, faltam três abordagens dos contraditórios, assim denominei, da lógica corriqueira.

      Assim completam-se sete, mais os quatro antes abordados, perfazendo uma quantidade simbólica. O próximo é a reclamação do profeta de que um juízo opressor arrebatou o Servo.

      Por duas razões interessante. Porque abateu-se sobre esse servo inocente a notável sina da condição humana, que é exercer domínio opressor e, outra coisa notável, Deus permaneceu indiferente.

      Ateus de plantão culpam Deus pelas mazelas humanas. Quanto maior a perversidade perpetrada e, ora, nelas a humanidade se supera a si própria, culpam Deus.

      Este não deveria ter criado o homem, duma vez por todas, ou não tê-lo feito com defeito ou ainda deveria sempre e constantemente impedir-lhes a maldade.

      Mesmo ao preço da liberdade? Direitos humanos, ora, deve incluir liberdade de escolha. Assim como responsabilidade por aquelas feitas, boas ou ruins. Deus não tem nada a ver com isso.

      Jesus foi cortado da terra dos viventes por juízo tipicamente opressor: marca corriqueira da condição humana. Assuma-se a responsabilidade. Contado com e como um malfeitor qualquer. Pois sim: discute-se exatamente hoje direitos humanos, proteger bandidos ou mocinhos?

       Aliás, quem é quem nessa diversidade? Mesmo que sejam falsos mocinhos ou verdadeiramente bandidos, perdura e prevalece seu direito humano. Quanto a Cristo, taxado como bandido foi, pelo menos depois de morto, acalentado por um rico.

      Alguém dirá: o que viu nele José de Arimateia para que o privilegiasse com uma sepultura no Jardim da Saudade (Morada da Paz, no Acre) túmulo de luxo na Judeia daquele tempo?

      Sim, contraditório que esse companheiro de marginais fosse destacado com esse privilégio da parte de um dos notáveis na sociedade. Não é comum que esse abismo entre classes seja anulado.

        Por fim, um dado de aparente contrariedade da condição amorosa do Pai. Diz o profeta que "ao Senhor agradou moê-lo". Aqui se entende a troca que Deus opera e todo o contraditório se resolve num gesto. Não acusaram Deus de indiferença, diante da maldade humana?

      Ora, acusem-no agora por indiferença ou maniqueísmo, diante da tortura à qual foi submetido o Filho. Não. Não queiram nem saber. Nunca entendam essa troca.

      O texto segue explicando que toda a maldade humana Deus fez recair sobre o Filho, para que pudesse oferecer chances iguais de perdão a todos, a qualquer um, até incluídos os que afirmam, sem nenhuma chance de confirmação, a não ser por sua própria vaidade, que Ele não existe.

      Todo o contraditório se resume nesse gesto do Pai, deixando nas mãos da humanidade confirmar sua maldade, desde que arrebatem por juízo opressor o Filho e, sem saber, operem o sacrifício que Deus aceita em lugar de todo o que crê.

      Servo sofredor. Jesus Cristo. Expiação de todo o pecado. Única oportunidade de perdão, para si próprios, os que creem, assim como para os outros e para todos, quando creem.

     Deus não é indiferente à maldade humana, escolha primária, homem/mulher, da condição humana. Exercem sua liberdade, condenam-se nela e por ela, mas em Cristo encontram o perdão. "A tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação", segundo ensina Paulo Apóstolo.

domingo, 18 de março de 2018

Artigos soltos 28

         Ao contrário.

        Há muitas coisas ditas na Bíblia que contrariam o senso comum. E aí, mesmo crentes de plantão, muitas vezes são pegos, desprevenidos, quando colocados frente a frente com o texto.

      Em Isaías 53, a famosa profecia do Cântico do Servo Sofredor, há uma lista dessas contradições que pegam fora do sobreaviso um monte de gente.

      Começa logo no primeiro versículo. Aliás, antes mesmo, a introdução à própria perícope já adverte que será assim, ao apontar o Servo como escândalo aos poderosos, que são aqueles a quem Paulo classifica os "sabe tudo" deste século.

       E vem a primeira pergunta: "Quem creu em nossa pregação?". Admira-se logo essa pergunta e a tendência inicial é dizer: "Ora, eu: se há quem não acredite em pregação, esse não sou eu".

     Mas cautela. O texto a seguir vai caracterizar de que pregação se trata. Ao final, é provável que o leitor atento identifique outra pregação que não essa que ele pensou nela ter crido.

      A segunda sentença que indica contradição ao senso comum vem logo a seguir, quando se afirma que Jesus não tinha beleza que nos atraísse: "Olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse".

     Jesus foca de início, no cara a cara conosco, o que em nós é mais odiável: o pecado. João Apóstolo afirma que os que rejeitam esse cara a cara não querem se chegar à luz, para que suas (más) obras não sejam questionadas.

     Você acha mesmo Jesus bonito? Lindo, lindo, lindo? Cuidado! Pode estar inventando para si o rosto que não é dele. A seguinte afirmação é que ele era um "ferido de Deus". É muito fácil imaginar Deus.

       O nome dessa "imaginação de deus" se chama idolatria. Não se pode construir uma imagem de Deus. Já no Deuteronômio há essa advertência: "Guardai cuidadosamente a vossa alma: nenhuma aparência vistes no dia que o Senhor vosso Deus vos falou".

      Costumamos avaliar, mesmo inconscientemente, como malditos os que julgamos carregar consigo marcas do que avaliamos, por nossa conta e risco, não ver neles a santidade que presumimos atribuir a Deus.

     Pois na lista de "malditos" só há um único. Reduza a maldito um único e pode chamar Jesus. Você acertou: fez-se maldito, ferido de Deus, oprimido para nos libertar a nós todos de nossa própria maldição. Debaixo de maldição estou eu, vocês e todos mais. A não ser que Jesus possa nos libertar.

      Abordamos aqui o quarto equívoco. Não abriu a sua boca ao suportar injustiça. Jesus não foi o ativista político que você desejou que ele fosse. Ninguém, como ele, identificou, com lucidez e coragem a injustiça em todas as suas manifestações.

      Mas a sua abordagem para a solução dela é única. Jesus a denuncia na condição humana. Se você espera agregar um grupo que se torne uma multidão que, por sua vez conquiste hordas e miríades de todos mais para consertar, assim, o mundo, iludiu-se.

      Só homens e muheres, refiro-me ao ser humano no confronto com Jesus, somente no batismo em Jesus podem eles mesmos lutar, primeiro em si mesmos contra sua injustiça inata para, então, pensar em arregimentar outros, de mesma enfermidade.

     Por isso que Jesus nunca foi e nunca será homem das massas populares. Mas sim aquele que sana toda a injustiça na raiz humana onde ela brota e tem o foco de dispersão.

     Não acredito que somente ser homem lúcido e coerente socialmente resolva. Não acredito que ser religioso, de qualquer religião que seja, oriental ou ocidental, resolva. Não creio que basta ser opressor ou oprimido para que o mal da injustiça se resolva.

      O evangelho de Jesus estabelece a necessidade de crer nele como resposta e solução para a injustiça como inerente à condição humana. Por isso Jesus não lutou todas as lutas em que você o esperava ver engajado. Lutou e venceu uma única específica que nenhum outro poderia nela se engajar para vencer.

       Mas Jesus foi o único a vencer todas quando, como afirma Paulo Apóstolo, "encerrou na carne o pecado". Denuncie estruturas, aponte injustiças sociais, junte-se a gente, muita gente, seja corajoso e até ponha-se em risco.

     Mas avise até ao ateu que, onde houver justiça, que não seja apenas um apêndice ideológico ou um aparato de propaganda enganosa, o Espírito de Cristo ali está e este ou aquele, esta ou aquela, batizado foi, batizado está em Cristo, ainda que não admita.

      E talvez, conhecendo-O pelo prisma correto, professe sua fé no Servo Sofredor.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Mal traçadas linhas 75

     Cenas certamente não vistas.

     Porque já falei antes, aqui, de coisas sobre Jesus que os Evangelhos não especificam. Mas que, certamente, podemos deduzir com segurança que ocorreram.

     Se os Evangelistas não anotaram, é porque sua relevância, a partir da constatação da ressurreição de Jesus, foi proclamar o evangelho. E o fizeram com objetividade e precisão.

      E aqui já mencionei como um Oi, melhor, um Hi ('rai', vida, no hebraico) me levou a imaginar Jesus andando a esmo pela Galileia saudando pessoas.

      Uma vizinho crente, borracheiro, surpreendeu-me com sua saudação. Hoje, um menininho, amarrado ao pai, por uma faixa, na garupa da moto, desenhou um sorriso lindo num lindo rostinho.

     Pensei, de novo, nos sorrisos e até risadas e gargalhadas de Jesus, nunca antes descritas. Tudo por causa do sorriso do menino, deliciosamente desenhado num lindo rostinho.

     Quanto vale um sorriso? Quanto vale uma vida? Que importância Jesus dava a isso? No presente século tudo isso é banal. Quanto a Jesus, isso era fundamental.

        Para Jesus, contato com pessoas era fundamental. Aliás, ainda é, para ele, fundamental. E deveria ser para nós. Uma criança ainda sabe desenhar sorrisos e dedicá-los a outros. Mesmo a estranhos.
   
     Principalmente, se estiver na garupa de uma moto, atada, com segurança, ao corpo do pai. De vez em quando, ele posava sua mão no joelho do filho, para conferir e transmitir segurança.

       Só Jesus sabe o valor de sorrir. Sorriso franco, aberto, dedicado a outrem. Deveríamos saber também. Coisa que Ele mandou aprendermos com crianças.

      Às vezes sorrimos sorriso hipócrita. Adultos aprendem a cultivar tais vícios. Por isso que Jesus afirmou que, quem não fizer a si mesmo como criança, de nenhum outro modo entra no Reino de Deus.

       E quando Jesus disse: "edificarei a minha igreja". Ser igreja de Jesus é imitá-lo. Sorrir sincero como ele e achar fundamental o contato. Certa vez, sua família o pensou enlouquecido. Foi buscá-lo. Onde estava? No contato com pessoas. Então, ele mandou dizer que sua família é onde e com quem ele estiver em contato.
     
         Sorriem as crianças na Síria? Que outras situações privam crianças de sorrir? E que importância isso tem ou há em refletir sobre isso?

     Inútil, como sorrir franco e aberto ao outro. Assim hoje comumente se pensa. Cada vez mais triste a humanidade. Cada vez mais ausentes os sorrisos francos, abertos e verdadeiros.

       Estilo Jesus.
   

quarta-feira, 14 de março de 2018

Ensino Religioso no Estado do Acre

      O Ensino Religioso, muitas vezes considerado como apêndice, ou seja, órgão sem função definida, vem recebendo por parte da SEE/AC destaque acentuado.

      O ineditismo tem sido sua marca quando, em 2014, empreendeu a jornada de Formações, e já agora em 2018, com a ideia, sugerida pelo Prof. Gilberto Camelo, de abordarmos Religiosidade Indígena na Formação.

      Dois artigos que destacam essas iniciativas, ambos escritos pelo Prof. Cid Mauro, em parceria com a Profa. Elaine Honorato, esta doutoranda em Ensino Religioso, divulgam Brasil afora essas posturas.

      O primeiro artigo já publicado nos Anais do XIII Seminário de Formação de Professores de Ensino Religioso, realizado em 2015, e o segundo, a ser escrito, sobre o ineditismo da Religiosidade Indígena na sala de aula, será apresentado na 1a Jornada Pedagógica de Ciências da Religião, de 26 a 28 de junho de 2018, em Manaus.

     A Formação realizada no CEAN, em 1o de março de 2018, embora não tenha incluído, em quantidade, a maioria das escolas, demonstrou o grau de interesse e seridade com que professores, coordenadores, inclusive do Ensino Rural, e escolas encaram o Ensino Religioso.

      O grupo foi bem representativo dessa postura, incluídos 35 participantes e 29 escolas representadas. Permaneceram participativos nos dois turnos, mantida a quantidade mínima de 30, já após as 17h, quando iniciamos a última atividade da Formação.

     O apoio da SEE/AC, fazendo valer a tradição que iniciou em 2014, valorizando o convênio com o Instituto Ecumênico Fé e Política, assim como o reconhecimento, apoio e valorização do esforço da UFAC em iniciar a Pós-Graduação em Ciências da Religião (única numa Federal em todo o Brasil), certamente garantirão um futuro promissor e bem ajustado ao Ensino Religioso no Estado do Acre.

      No Norte, o desenvolvimento do Ensino Religioso em nosso Estado pode ser equiparado ao do Pará, onde fomos representados no IV Encontro de Professores de Ensino Religioso, 15/16 de fevereiro de 2018, patrocínio da ACREPA, Associação dos Cientistas da Religião do Estado do Pará, oportunidade em que foi divulgada, pela Profa. Elaine Honorato, essa nossa 1a Formação e representado o Estado do Acre.

      Também desse encontro recebemos um modelo de Currículo para a segunda etapa do Ensino Fundamental. Lá foi também divulgada a nossa Proposta Curricular de 2002, comparada às diretrizes da Base Nacional Curricular. Seria excelente iniciativa da SEE/AC promover a definição de Orientações Curriculares para o Ensino Religioso em nosso Estado.

segunda-feira, 12 de março de 2018

      "Então disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem."

                                  Êxodo 14:15

       Há hora que não é de clamor. Há hora que é de marcha. A congregação do deserto se sentia ameaçada. Mas não foi para perecer no deserto que ela foi retirada do Egito.

       A igreja de Jesus também atravessa o deserto. Foi retirada, sacada para fora do mundo, como diz Paulo Apóstolo: "transportada do império das trevas para o reino do Filho do seu (de Deus) amor".

      Não vai clamar porque tem medo. Vai marchar. "Diga ao povo de Israel que marche". Diga à igreja de Jesus que marche, sem saudades do Egito. Alguns fatores podem amedrontar a igreja, fazê-la perder sua identidade e seu sentido de missão.

      A primeira coisa é sentir saudade do mundo. Assim está no texto que o povo de Israel agiu. Às vezes achamos que o evangelho tem de se adaptar às nossas exigências.

       Reduzimos o evangelho a um apêndice de nossa vida ou a mais um capricho da cultura mundana. É o evangelho à nossa imagem e semelhança. Perdemos identidade, somos assimilados pelo povo à nossa volta e não mais somos fiéis testemunhas.

       A segunda é quando deparamos as dificuldades e os desafios que a defesa do evangelho requer. Pode-se dar o caso da parábola da semente, sufocados pelo que o mundo oferece ou envergonhados, sentindo-nos diminuídos por defender o evangelho num mundo tão descrente.

      O despreparo do crente e o desconhecimento do valor do evangelho, a falta de conhecimento do que a fé requer de quem crê, acovarda ou revela, de uma vez por todas, que fé verdadeira nunca houve. Jesus peguntou, certa vez, aos discípulos: "Vocês também vão querer retirar-se?".

        A terceira é para que haja convicção de que toda prova, quanto maior, mais certeza haverá de que dependemos absoluta e somente do poder de Deus. No mínimo e no máximo, vamos sempre depender da vara que fende o mar à nossa frente.

      Mas o poder não está nela. O poder está em Deus. Como foi dito a Éfeso: "Lembra-te de onde caíste e  volta à prática das primeiras obras. Bastou que Deus ordenasse o primeiro frente a frente com a primeira provação, para que esquecessem o primeiro amor.

      Diga à igreja que marche, sem esquecer de onde saiu, de que ali foi alvo do primeiro amor. E também sem medo das dificuldades diante de si e sempre entendendo que depende, única e exclusivamente, do poder de Deus.

sábado, 3 de março de 2018

Missões em Campo Grande, MS - Final (Não! Quer dizer: começo. É só o começo.)

         Hospitalidade morena.

         Característica marcante desde esse primeiro momento. O rapaz do freezer desligado no boliche chamou a esposa: "Oh, querida, faça aí um suco para o nosso amigo". Vá lá, ele dizia.

         A esposa, no quarto, trocava a fralda do menino e já me foi recebendo com o mesmo sorriso. Pareciam já me conhecer há 100 anos. Iam mudar-se para Brasília. Por isso, desativaram o boliche.

        Enquanto degustava a hospitalidade, chegaram os dois, Gercino e o pai do motorista. Aprende, Cid Mauro, dizia o Espírito Santo: larga dessa fé de moleque. E eu só ouvindo. Apresentei meus novos amigos uns aos outros e engatei novo rumo à conversa.

         Quanto custam, mais ou menos, lotes aqui nesta região? O rapaz do boliche, por dentro dos escondidos do Copavila, de ponta a ponta, advertiu de que dependia do tamanho dos lotes. E quanto mais lá para cima e para dentro, mais em conta seria o preço.

        E apontou para o lugar onde hoje é o templo sede, dizendo que o patrício ali quer vender a casa. Olhei na direção, atravessamos a rua, fomos recebidos na mesma hospitalidade e começamos os tratos, sem nenhum rosco (palavra que aprendi com eles).

       Já chegamos à quase suíte ligando para o pastor Paulo Leite. Encontramos uma casa aqui. Eles querem 100 mil (mais ou menos o equivalente hoje). Cascadura tem a metade. Convenço o povo de que não dá para construir lá o templo, mas dá para comprar imóvel aqui, falei, referindo-me a Campo Grande.

        Você consegue 25 mil? Eu falo com Curicica, ainda Congregação, e pelo menos 5 mil consigo lá. O que falta, a gente cava aqui e acolá. E foi assim. Outros detalhes mais, a gente tem para contar. Viagens feitas com Paulo Leite para fechar a compra. Convencimentos nas reuniões de membros em Cascadura e Curicica.

       O acolhimento do casal Gercino e Santina. A visão dos três anjos, as tias da irmã Rosangela, que sempre nos acolheram e a todos que por aí passaram, nesse início, incluído meu pai, Cid Gonçalves de Oliveira. As tentativas até que Sandra Roger demonstrou seu critério em atender ao chamado de Deus, mas não sem que fosse legitimanente enviada por Cordovil.

      E como Piedade, na época igreja congregacional, Vicente de Carvalho e Cordovil juntaram-se a Cascadura e Curicica, demonstrando como ocorre o esforço missionário e como é gratificante obedecer ao Senhor Deus, que tem missões em Seu coração.

      Linda história. Eu e Paulo Leite saltávamos em Campo Grande, vendo no Andorinha escrito Porto Velho. O pessoal fazia baldeação, seguindo à frente mais quase 2,5 mil km. E começamos a alimentar o sonho de implantar igreja nessa capital. Mal (ou bem) sabíamos que, em agosto de 1993, numa viagem para espiar Porto Velho, esticamos mais 540 km até Rio Branco, Acre.

      E a solução para abrir em Rondônia foi que eu ficasse no lugar do pastor Nelson Rosa, para que ele mesmo desbravasse aquela cidade. Hoje já há uma igreja com pastor e eu estou aqui desde 1995. Com missões no coração. Sonhando com, pelo menos, mais 5 cidades. Uma delas, Cassilândia. Alguém decide?

       Como aprendemos com Gercino e Santina, ao Senhor pedimos obreiros. O restante, é assim, como contamos aqui. Vamos continuar escrevendo essa história. Até o dia da vinda de Jesus ou de nossa chamada. Gercino e Santina já disseram: "Presente, Jesus". E ouviram: "Bem está, servos bons e fiéis. Venham para a alegria do Senhor".

Missões em Campo Grande, MS - 4

      Providência no Copavila II.

      Gercino, por ser caminhoneiro, sono ocasional, decidiu no resto de percurso, mal amanheceu na estrada, conversar com o motorista.

     Garoto novo, havia pegado no último trecho, Bataguassu-Campo Grande. Nossa agenda, uma vez acordados naquele sábado, na quase-suíte do hotelzinho sem estrelas, era dar umas pernadas pela cidade e já antecipar os contatos possíveis.

      Levávamos, inclusive, telefone de um casal de membros da Congregacional de Bento Ribeiro, RJ, ele militar, que estavam na presbiteriana. Outra família mais antiga na cidade, da qual não me lembro o nome, tinha história entre congregacionais mas, pelo menos, essas duas visitas não avançaram em qualquer ajuda.

      Após uma cochilada na suíte, entre umas 6 e 8h30 da manhã, saímos a tempo de fazer algo que nunca eu mesmo imaginara: demos com uma escola sabatina, numa igreja adventista, ali pertinho, entramos Gercino e eu. Fazem as classes dentro do templo mesmo, sem que seja necessário mudança de lugar, e somente saem as crianças e adolescentes para os seus cantinhos específicos.

       Um almoço no restaurante da Rodoviária, no segundo andar, que nos ficaria familiar, umas pernadas pela cidade, acho que uma das duas visitas fizemos nesse dia. Também passamos pela sede da Convenção Batista e soubemos que toda a Campo Grande estava subdividida, por eles, em quadrantes onde já havia uma igreja ou congregação. Quanta organização!

      Como retornaríamos na segunda pela manhã, precisávamos aproveitar bem o domingo. E pelo menos visitar a igreja metodista à noite, pois havíamos visitado a batista pela manhã. A outra agenda era coisa do Gercino: havia combinado, no papo matinal com aquele motorista, sair com o pai do motorista para visitar a neta dele que havia nascido e que o avô precisava conhecer.

       Adivinha em que bairro fomos parar, descendo lá em cima, pela entrada do ônibus que vinha (ou ia, naquela época) do Pênfigo. Mal saltamos lá em cima, no Copavila II, o homem estancou, dizendo: "Eita, agora que eu lembrei que minha filha não mora mais aqui". Meus nervos arrebentaram. Fui irônico, mais uma vez, ignorando o pai de motorista da Providência: "Gercino, depressa que ainda quero chegar à cidade a tempo do culto na metodista, que começa às 18h".

     Ganhei o rumo da saída da Copavila, para a direção Sidrolândia, deixando aquela conversa miúda para trás, adiantando o passo. Dei com um boliche, que é como o povo da cidade morena chama uma birosca ou barzinho. Avistei "uma freezer", como denomina o acreano. Pedi refri ou água. O rapaz avisou que estava desligada. Eu ainda disse comigo: "Hoje é o dia do azar". Nada disso, aleluia! Era, sim, o dia da Providência. Veja a seguir por quê.


sexta-feira, 2 de março de 2018

Missões em Campo Grande, MS - 3

     Agir de Deus.

     Em Cascadura, na igreja, havia um presbítero de nome Arlindo Freitas. Já estão com o Pai, ele e Gercino, na comunhão e alegria eternas, tendo ouvido o "bem está, servo(s) bom(ns) e fiel(éis)".

     Ele ouvia meu desafio à igreja. Tornei público o sonho. Esperava o tempo de Deus, nessa intuição que sentimos, preparando a viagem. Invariavelmente, Gercino insistia, domingo a domingo: "Campo Grande, pastor".

     "Calma, irmão. Vem o tempo. Não desisti não". Numa oportunidade daquelas, naquele tempo ele morava com a esposa ali em Cascadura mesmo, outro lado da linha do trem, sondei a esposa sobre essa "doideira" missionária.

     Ela sorriu. Sorriso de crente é sempre muito lindo. Assim como o de Nelson Roger, herdado (por DNA e por mesma fé) pela Sandra Roger. Pois a esposa de Gercino tinha um dos sorrisos mais lindos que conheci no rosto de crentes.

       Vi no sorriso a certeza. E Arlindo nos disse: "Pastor, tenho feito viagens como guia turístico a Corumbá. A gente sai de ônibus fretado daqui e pernoita em Campo Grande. Está aqui uma sugestão de hotel".

       Providência divina. Mas ainda não sabíamos. Vamos ver como Gercino, mais tranquilo e íntimo de Deus do que eu, entendia e assimilava essas coisas. A experiência e idade dele também contavam.
     
      Nessa primeira viagem chegamos paulados. Ainda não vacinados, pelo menos eu estava moído. Andamos pouquinho, porque o hotelzinho sem estrelas, um sobradinho coladinho à rodoviária, estava à nossa espera.

    Entramos. Apenas amanhecera. Deveria ser menos do que 5h30. O homem da recepção, quando perguntei se havia quarto, nem olhou para mim. Anotando estava, anotando continuou.

    Eu, mais novo, havia ultrapassado Gercino no singelo saguão. Ouvi o não do rapaz, cruzei com ele, já chateado e aborrecido com a má recepção, dizendo: "Vamos embora, irmão: o rapaz está muito ocupado para nos atender".

    O missionário não se abalou. Com seu jeito pernambucano, aquela cara enorme e sulcada pelo tempo, consagração ao Senhor e experiência de vida, recostou cotovelo no balcão, bem diante do atendente, para dizer: "O Arlindo me mandou aqui".

     Eu, muito prático e "entendido", já à porta da rua, repeti: "Vamos, Gercino", pensando: "Arlindo, Arlindo...", repeti mentalmente: "O cara do hotel vai conhecer o Arlindo". Meu caro leitor: qual é o raciocínio?

     Providência de Deus. É claro que ele conhecia. Na hora, largou as anotações que fazia, olhou arregalado encarando Gercino e nos ofereceu a suíte possível, que era um quartinho no último andar. Arlindo, guia turístico a Corumbá, manjadíssimo no pedaço.

     Duas camas de solteiro, uma janelinha que dava para a Rodoviária (que, neste tempo, já deve estar desativada). Dormíamos ouvindo o barulho de chegada e saída dos ônibus. Mal (ou bem nem) sabíamos que Porto Velho e Rio Branco nos aguardavam.

      Dormíamos sonhando com missões.

Missões em Campo Grande, MS - 2

     Viagem.

     Tateando, descobrimos a empresa Andorinha. Mal, quer dizer, bem sabíamos quantas vezes a quantas jornadas percorreríamos, irmão Gercino e eu, nesse sonho missionário.

     Todos que, como Deus, primeiro, depois seu filho, Jesus, que sonham com missões sabem como vibram esses corações. Esse deve ser o principal sonho e a principal paixão da igreja.

     Descobrimos que seriam 1.500 km do Rio a Campo Grande, 22 h e uma hora a menos no fuso. Haveria troca de motorista em São Paulo, depois em Assis, interior de São Paulo, com uma próxima em Bataguassu, fronteira entre os dois Estados.

      Pegamos todos os "macetes" dessas viagens. Invariavelmente, algum pneu haveria de furar: muitas vezes recauchutados, mais baratos, decapavam no trajeto.

      Às vezes, da Rodoviária do Tietê, iam até à própria garagem da empresa, e tome uns 40 min, se não fosse mais de hora esperando o próximo motorista.

       Não diferente em Assis quando, várias vezes, ficamos "mofando" no ponto da parada, num daqueles lojões com tudo dentro, que você entra com um tique para, na saída, pagar o que foi anotado.

      Sumia o ônibus na garagem dos fundos, cochilávamos nos duros bancos de madeira, quando havia troca de carro. Mas se não houvesse, ficaríamos dentro do ônibus, esperavando lavar o banheiro, entre outros ajustes. Sim, bem melhor cochilar sentados ali.

      Saíamos do Rio por volta das 16 h, para chegar amanhecendo na antiga Rodoviária de Campo Grande. E na primeira viagem um detalhe muito especial nos fez nos hospedarmos num modesto hotel ali pertinho.

      Em todos esses detalhes vimos a providência de Deus. Mais uma vez, a marca de que Ele tem missões no coração e sempre guia e supre nosso caminho.
   

Missões em Campo Grande, MS - 1

         Campo Grande.

         O campo é grande ou, como diz a Bíblia, a seara é grande. Posso dizer que a vinda para o Acre, em 1995, começou com a conversa com Gercino, em 1986.

       Nós íamos de ônibus, de Cascadura para Anchieta, no Rio de Janeiro, para uma reunião da União Feminina da antiga Junta Regional da 2a Região.

     São bairros mais ou menos distantes 15 km. No ônibus, irmão Gercino trazia consigo uma revista da escola dominical, cuja capa apresentava um mapa do Brasil e, em relevo, destacados os Estados onde não havia, ainda,  trabalho missionário congregacional.

       Ele então me perguntou se eu conhecia Campo Grande. Perguntei se era Campo Grande do Rio, visto ser pernambucano o irmão Gercino e, naquela época, residia em São Gonçalo, do outro lado da baía de Guanabara.

      Ele me respondeu que não, que tratava-se da capital de Mato Grosso do Sul, mostrou-me em destaque na capa da revista. Ele havia sido caminhoneiro e, por diversas vezes, pernoitara em Campo Grande.

        Disse que já estava decidido, sentia-se chamado para lá e, inclusive, já havia combinado com sua esposa. Fiquei surpreso com essa declaração. Já pulsava dentro dele e de sua esposa o espírito missionário.

        Então disse ao irmão que, segundo diz a Bíblia, devemos rogar ao Senhor da seara que envie obreiros. Se já tínhamos o obreiro, nada mais faltava. Dinheiro, por exemplo, seria a menor preocupação.

      Chegamos a Anchieta, participamos juntos da reunião das mulheres e, a partir daquele dia, decidimos que iríamos a Campo Grande "espiar" a terra. Gercino nunca deixou de apressar essa viagem.

     Quanto a mim, enquanto acalentava esse sonho, procurava a melhor oportunidade de concretizar essa visita missionária.



     

Mal traçadas linhas 74

        Sinal.

        A linguística define. Vibrava com as aulas do velho professor da UERJ. Esqueci-me do nome. Caso lembre, até o final do texto, ponho aqui.

        Letras são sinais. Palavras são sinais. Há uma relação significado-significante. Ou seja, por detrás desses sinais há um sentido. Há uma verdade. Remetem a outra coisa.

       "Mostra um sinal", disseram certa vez, desrespeitosa e atrevidamente a Jesus, primeiro saduceus e fariseus e, noutro tempo, estes e mestres da lei entre os  judeus.

       Além de classificá-los como geração má e adúltera, denunciando-lhes a intenção do pedido, Jesus apontou-lhes o profeta Jonas como suficiente advertência. Pois bem, enigmático esse Jesus.

       Dizer que Jonas é sinal, tinha prazo de validade. Sim, porque pudesse ser que aquela geração interpretasse literalmente a experiência descrita nesse livro homônimo do Antigo Testamento.

       Mas, atualmente quem (quantos), além de mim, acreditam ter Jonas sido salvo do afogamento, no meio do mar, por um peixe qualquer, no ventre do qual coubesse, até o terceiro dia?

       Bom, resta dizer, como meio termo entre dar crédito e não dar crédito à história, que Jesus "pegou carona" nessa lenda (para quem acredita sê-lo), mas bem intencionado, para ilustrar o que desejava expressar.

      Que uma geração como aquela, ou qualquer outra desse viés, deveria crer nele sem que necessitasse de nenhum sinal. Que crentes não precisam ou, quando veem um sinal, de imediato, identificam-no e creem nele.

      Queriam que Jesus os atendesse exercendo poder sobrenatural. Como mágico ou mago. Quer dizer, então, que Jesus lhes valeria, caso a seus olhos, diante deles desse curso a um sinal que lhes satisfizesse.

       Fé signifca a não necessidade de sinais. Certa vez, para um homem que insistia que Jesus se apressasse, conversasse menos, que fosse mais diligente, pois um servo seu agonizava.

      Então, enquanto importunava Jesus, foi avisado, por um outro, de que era desnecessário, porque o servo morrera. Jesus disse acalma-te, porque verás a glória de Deus.

       Jesus iria com ele. Mas foi dvertido pelo homem de que sua casa não era digna. "Manda com uma palavra", pediu o homem. Jesus indicou essa atitude do homem como, definitivamente, fé.

      A palavra é sinal suficiente. Quem a garante é Jesus. Na Bíblia só há uma palavra. Ela é o sinal. Vá, que a tua fé te salvou.

     Como crerão, se não há quem pregue? Como pregarão, se não forem enviados. A fé vem pelo ouvir e ouvir a palavra.