sexta-feira, 30 de junho de 2023

É brincando que se aprende - Rubem Alves

 O professor Pardal gostava muito do Huguinho, do Zezinho e do Luizinho e queria fazê-los felizes. Inventou, então, brinquedos que os fariam felizes para sempre, brinquedos que davam certo sempre: uma pipa que voava sempre, um peão que rodava sempre e um taco de beisebol que acertava sempre na bola. Os três patinhos ficaram felicíssimos ao receber os presentes e se puseram logo a brincar com seus brinquedos que funcionavam sempre.


Mas a alegria durou pouco. Veio logo o enfado. Porque não existe nada mais sem graça que um brinquedo que dá certo sempre. Brinquedo, para ser brinquedo, tem de ser um desafio. Um brinquedo é um objeto que, olhando para mim, me diz: "Veja se você pode comigo!". O brinquedo me põe à prova. Testa as minhas habilidades. Qual é a graça de armar um quebra-cabeça de 24 peças? Pode ser desafio para uma criança de 3 anos, mas não para mim. Já um quebra-cabeça de 500 peças é um desafio. Eu quero juntar as suas peças! Para isso, sou capaz de gastar meus olhos, meu tempo, minha inteligência, meu sono.

Qualquer coisa pode ser um brinquedo. Não é preciso que seja comprado em lojas. Na verdade, muitos dos brinquedos que se vendem em lojas não são brinquedos precisamente por não oferecerem desafio algum.

Que desafio existe numa boneca que fala quando se aperta a sua barriga? Que desafio existe num carrinho que anda ao se apertar um botão? Como os brinquedos do professor Pardal, eles logo perdem a graça. Mas um cabo de vassoura vira um brinquedo se ele faz um desafio: "Vamos, equilibre-me em sua testa!". Quando era menino, eu e meus amigos fazíamos competições para saber quem era capaz de equilibrar um cabo de vassoura na testa por mais tempo. O mesmo acontece com uma corda no momento em que ela deixa de ser coisa para se amarrar e passa a ser coisa de se pular.

Laranjas podem ser brinquedos? Meu pai era um mestre em descascar laranjas sem arrebentar a casca e sem ferir a fruta. Para o meu pai, a laranja e o canivete eram brinquedos. Eu olhava para ele e tinha inveja. Assim, tratei de aprender. E ainda hoje, quando vou descascar uma laranja, ela vira brinquedo nas minhas mãos ao me desafiar: "Vamos ver se você é capaz de tirar a minha casca sem me ferir e sem deixar que ela arrebente".

Para um alpinista, o Aconcágua é um brinquedo: é um desafio a ser vencido. Mas um morrinho baixo não é brinquedo porque é muito fácil —não é desafio. Ao escalar o Aconcágua, ele está medindo forças com a montanha ameaçadora! Pelo desafio dos picos, os alpinistas arriscam as suas vidas, e muitos morrem. Parodiando o Riobaldo: "Brincar é muito perigoso...".

Há brinquedos que são desafios ao seu corpo, à sua força, à sua habilidade, à sua paciência. E há brinquedos que são desafios à inteligência. A inteligência gosta de brincar. Brincando, ela salta e fica mais inteligente ainda. Brinquedo é tônico para a inteligência. Mas se ela tem de fazer coisas que não são desafio, ela fica preguiçosa e emburrecida.

Todo conhecimento científico começa com um desafio: um enigma a ser decifrado! A natureza desafia: "Veja se você me decifra!". E aí os olhos e a inteligência do cientista se põem a trabalhar para decifrar o enigma. Assim aconteceu com Johannes Kepler (1571-1630), cuja inteligência brincava com o movimento dos planetas. Assim aconteceu com Galileu Galilei (1564-1642), que, ao observar a natureza, tinha a suspeita de que ela falava uma linguagem que ele não entendia. Pôs-se, então, a observar e a pensar (ciência se faz com essas duas coisas, olho e cérebro!) até que decifrou o enigma: a natureza fala a linguagem da matemática! E até hoje os cientistas continuam a brincar o mesmo brinquedo descoberto por Galileu.

Aconteceu assim também com um monge chamado Gregor Johann Mendel (1882-1962). No seu mosteiro havia uma horta onde cresciam ervilhas. Os outros monges, vendo as ervilhas, pensavam em sopa. Mas Mendel percebeu que elas escondiam um segredo. E ele tanto fez que acabou por descobrir o segredo que nos revelou o incrível mundo da genética. E não é esse mesmo jogo que faz a criança que está começando a aprender a ler? Ela olha para as letras-ervilhas e tenta decifrar a palavra que elas formam. Tudo é brinquedo!

Congressos de educação: a gente pensa logo em professores, psicólogos, "papers" científicos, filósofos... Estive em um, na Itália, diferente, em que havia muitas crianças. E havia uma oficina em que um "mestre" ensinava às crianças a arte de fazer brinquedos. Um deles era um par de pregos grandes, tortos, entrelaçados, que, se a gente fosse inteligente, conseguia separar. Gastei uns bons dez minutos lutando com os pregos, absorvido, inutilmente. De repente me perguntei: "Por que estou assim, gastando o meu tempo com um par de pregos?".

Eu lutava com os pregos pelo desafio. Eu queria provar que eu podia com eles. Repentinamente, percebi que a primeira tarefa do professor é, à semelhança dos pregos, entortar a sua "disciplina" (ô, palavra feia, imprópria para uma escola!) e transformá-la num brinquedo que desafie a inteligência do aluno. Pois não é isso que são a matemática, a física, a química, a biologia, a história, o português? Brinquedos, desafios à inteligência. Mas, para isso, é claro, é preciso que o professor saiba brincar e tenha uma cara de criança, ao ensinar. Porque cara feia não combina com brinquedo...

Saúde Mental - Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.

Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maikóvski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. van Gogh se matou. Wittgenstein se alegrou ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakóvski suicidou.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos.

Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias se comportam bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado, nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, basta fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme!), ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, que tenha a coragem de pensar o que nunca pensou. Pensar é coisa muito perigosa…

Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idiotas de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. É claro que nenhuma mamãe consciente quererá que o seu filho seja como van Gogh ou Maiakóvski. O desejável é que seja executivo de grande empresa, na pior das hipóteses funcionário do Banco do Brasil ou da CPFL. Preferível ser elefante ou tartaruga a ser borboleta ou condor. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego. Mas nunca ouvi falar de político que tivesse stress ou depressão, com excessão do Suplicy. Andam sempre fortes e certos de si mesmos, em passeatas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos.

Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas se chama hardware, literalmente coisa dura e a outra se denomina software, coisa mole. A hardware é constituída por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito. A software é constituída por entidades espirituais – símbolos, que formam os programas e são gravados nos disquetes.

Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos, o cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo espirituais, sendo que o programa mais importante é linguagem.

Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele. Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso de símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.

Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos do Drummond e o corpo fica excitado.

Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e acessórios, o software, tenha a capacidade de ouvir a música que ele toca, e de se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta, e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei, no princípio: a música que saía do seu software era tão bonita que o seu hardware não suportou.

A beleza pode fazer mal à saúde mental. Sábias, portanto, são as empresas estatais, que têm retratos dos governadores e presidentes espalhados por todos os lados: eles estão lá para exorcizar a beleza e para produzir o suave estado de insensibilidade necessário ao bom trabalho.

Dadas essas reflexões científicas sobre a saúde mental, vai aqui uma receita que, se seguida à risca, garantirá que ninguém será afetado pelas perturbações que afetaram os senhores que citei no início, evitando assim o triste fim que tiveram.

Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente perigosos. Já o roque pode ser tomado à vontade, sem contra indicações. Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do Dr. Lair Ribeiro, por que arriscar-se a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. A saúde mental é um estômago que entra em convulsão sempre que lhe é servido um prato diferente. Por isso que as pessoas de boa saúde mental têm sempre as mesmas idéias. Essa cotidiana ingestão do banal é condição necessária para a produção da dormência da inteligência ligada à saúde mental. E, aos domingos, não se esqueca do Sílvio Santos e do Gugu Liberato.

Seguindo esta receita você terá uma vida tranquila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, ao invés de ter o fim que tiveram os senhores que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já não mais saberá como eles eram.

(Rubem Alves)

terça-feira, 20 de junho de 2023

Neuróticos Anônimos - Origem

      Existem hoje no Brasil quase 5.000 “Grupos Anônimos”. Sua imensa maioria se fundamenta no programa sugerido por “Acoholics Anonymous” – o A.A., composto de 12 passos que levam o indivíduo à recuperação; 12 tradições que orientam os grupos e garantem sua unidade e o anonimato individual; 7 Lemas que norteiam o dia a dia dos participantes e 3 Legados, que assumidos garantem a continuidade dos Anônimos e a estabilidade de cada membro.

   Com autorização de A.A., seu programa têm sido adaptado para outras finalidades. Dessa forma surgiram os Neuróticos Anônimos – N/A.; os Dependentes de Amor e Sexo Anônimos – D.A.S.A.; os Narcóticos Anônimos; os Comedores Compulsivos Anônimos; Consumidores Compulsivos Anônimos e muitos outros.

O Fundamento dos Anônimos e o início de A.A.

     O A.A. nasceu em 10 de junho de 1935, quando um corretor – Bill W. e um médico – Dr. Bob – dependentes do álcool, abandonaram a bebida graças após uma série de conversas, baseadas e uma idéia simples: como um alcoólatra não têm forças para ajudar a si próprio, e que poderia entender profundamente um outro alcoólatra e, com esse entendimento profundo, ajuda-lo.

   Imagine isso em larga escala: uma alcoólatra ajudando outro alcoólatra a evitar o álcool. E sendo por ele ajudado. Uma espécie de auxílio mútuo. Há, por força da semelhança dos problemas, uma afinidade natural, uma identidade.

O nascimento de Neuróticos Anônimos

    Em 1964, Grover B., um alcoólatra recuperado em A.A., tomou consciência que sua dependência pelo álcool era fruto de graves problemas emocionais anteriores.

  Com autorização de A.A. promoveu uma adaptação do Programa sugerido, para aqueles cujas emoções descontroladas interferiam em seu comportamento, de qualquer forma e em qualquer grau, segundo elas mesmas o reconhecem.

     Hoje funcionam no Brasil, mais de 380 grupos de N.A. que auxiliaram, através da prática de seu programa, milhares de pessoas a vencerem suas emoções descontroladas, e terem vidas normais e serenas.

    Importante: Para Neuróticos Anônimos, neurótica é qualquer pessoa cujas emoções interferem em seu comportamento, de qualquer forma e em qualquer gráu, segundo ela mesma o reconheça.

   Outro grupo, Emocionais Anônimos, herdaram dos NA os mesmos 12 passos, formando-se de modo independente, em 6 de julho de 1971, em Minnesota, EUA, a partir de suas pequenas diferenças do NA.

   E solicitaram a mesma permissão aos AA para usarem os mesmos 12 passos, e oficialmente iniciaram suas atividades em 22 de julho desse mesmo ano. Podemos escolher entre uma e outra denominação, como NA ou EA.

Narcóticos Anônimos - NA

 A ORIGEM

    Narcóticos Anônimos derivou do movimento de Alcoólicos Anônimos no final dos anos 40, com suas primeiras reuniões na área da cidade de Los Angeles, Califórnia, EUA, no início dos anos 50. Por muitos anos, a associação cresceu vagarosamente, espalhando-se de Los Angeles para outras grandes cidades norte-americanas e para a Austrália no final dos anos 70. Em 1983 Narcóticos Anônimos publicou seu livro intitulado Texto Básico e as taxas de crescimento, desde então, subiram vertiginosamente. 

   Grupos se formaram rapidamente no Brasil, Colômbia, Alemanha, Índia, República da Irlanda, Japão, Nova Zelândia e Reino Unido. Nos três anos seguintes à publicação do livro Texto Básico de NA, o número de grupos de Narcóticos Anônimos quase triplicou.

ABORDAGEM - O PROGRAMA

   O primeiro folheto de NA, o ‘Livro Branco’, define NA como uma “irmandade” de homens e mulheres, sem fins lucrativos, para quem as drogas se tornaram um problema maior.

  Adictos em recuperação que se reúnem para ajudar uns aos outros a se manterem limpos.” A afiliação à Narcóticos Anônimos é aberta a qualquer adicto a drogas, independente do tipo ou combinação de drogas usadas. 

 Não existem restrições sociais, religiosas, econômicas, raciais, étnicas, de nacionalidade, gênero ou status social. A afiliação à Narcóticos Anônimos é inteiramente voluntária e a base do programa de recuperação de Narcóticos Anônimos é uma série de atividades pessoais conhecida como Doze Passos, adaptados de Alcoólicos Anônimos. 

    Esses “passos” incluem a admissão de que existe um problema, a busca de ajuda, auto avaliação, partilha em nível confidencial, reparar danos causados e trabalhar com outros adictos a drogas que queiram se recuperar. 

   O programa dá ênfase no que é chamado “despertar espiritual”, ressaltando o seu valor prático e não sua importância filosófica ou metafísica, o que facilitou a tradução do programa, mesmo considerando-se barreiras culturais. NA em si, não é um programa religioso e encoraja cada membro a cultivar um entendimento pessoal, religioso ou não, desse “despertar espiritual.”

   Narcóticos Anônimos acredita que uma das chaves do seu sucesso seja o valor terapêutico de adictos trabalhando com outros adictos.

  O principal serviço oferecido por Narcóticos Anônimos é a reunião em um grupo de NA.
As reuniões podem ser “abertas”, o que significa que qualquer um pode participar, ou ‘fechadas”, quando somente pessoas que estão lá para tratar de seu próprio problema com drogas podem participar. As reuniões são conduzidas por membros de NA e outros membros participam partilhando suas próprias experiências na recuperação da adicção às drogas.

    Apesar de não serem termos de uso muito comum, NA utiliza os termos “adicto” e “adicção” principalmente porque são termos que melhor expressam sua visão de que a adicção a drogas é uma doença que afeta o indivíduo em todas as áreas de sua vida e para evitar qualquer confusão inicial, quanto à compreensão da natureza e do propósito de NA, por parte de adictos que buscam ajuda para seu problema com drogas.

    Narcóticos Anônimos encoraja seus membros a se manterem abstinentes de qualquer droga, inclusive o álcool. A experiência de membros de NA tem mostrado que a completa e contínua abstinência é a melhor base para a recuperação e o crescimento pessoal. O NA não tem qualquer posição quanto ao uso de medicação prescrita e entende que estes são assuntos de decisão pessoal e encoraja seus membros a consultar sua própria experiência, a experiência de outros membros e profissionais de saúde qualificados, para tomar decisões sobre estes assuntos.

 

A origem dos 12 passos

    O co-fundador de Alcoólicos Anônimos, Bill W., escreveu o texto básico de A.A. nos anos 30. Havia grupos surgindo em Akron, Cleveland e New York e Bill julgou ser necessário um livro para divulgar esse movimento, com o objetivo de atingir um maior número de pessoas que apresentavam problemas com álcool.

     Bill escrevia cada capítulo, mimeografava e circulava para comentários. Com a divulgação dos capítulos, vieram a controvérsia e resistência por parte de alguns. Bill foi encorajado por membros mais próximos, a escrever exatamente como o processo de recuperação funcionava.

     Deprimido e acamado, percebeu a necessidade de escrever um novo capítulo chamado “Como Funciona”. Numa tentativa de fazer um resumo do processo, fez uma lista das etapas e enumerou-as, estabelecendo-se em 12, as etapas do processo. Surge assim os 12 passos de Alcoólicos Anônimos.

    Tal fato não foi obra do acaso, pois os passos vinham se desenvolvendo há algum tempo. Esse pequeno grupo de alcoólicos em recuperação surgiu dentro de um movimento religioso, os Grupos Oxford, que praticavam quatro princípios absolutos: pureza, honestidade, amor e falta de egocentrismo *.

    Os Grupos Oxford buscavam melhorar a qualidade de vida das pessoas e utilizavam métodos dos primeiros cristãos para esse fim. Os “cinco procedimentos” desse grupo foram posteriormente adaptados aos Doze Passos e incluíram:

(1) Rendição a Deus, (2) Ouvir a orientação de Deus, (3) Compartilhar essa orientação com outros membros, (4) Fazer reparação para as pessoas que têm prejudicado, (5) Depois de um exame cuidadoso, contar seus defeitos à outros, como uma testemunha de sua mudança ou como um método para aliviar a culpa.

     A estrutura básica de A.A. está em suas reuniões e em seus princípios. Principalmente em manter o programa num nível pessoal e simples. Um pastor Episcopal, Rev. Sam Shoemaker, muito envolvido nos Grupos Oxford, foi instrumental na ajuda do grupo incipiente para desenvolver um programa de seis passos:

1) Admitimos que estávamos derrotados, que éramos impotentes perante o álcool.
2) Fizemos um inventário moral de nossos defeitos ou pecados.
3) Confessamos ou compartilhamos nossas imperfeições com uma outra pessoa de forma confidencial.
4) Fizemos reparações a todos aqueles que tínhamos prejudicado devido à nossa bebedeira.
5) Tentamos ajudar outros alcoólicos sem buscar recompensa de dinheiro ou prestígio.
6) Pedimos a Deus, na forma em que achávamos que existia, a força para praticar esses preceitos.


     Bill Wilson sempre falava que “ninguém inventou A.A. Tudo em A.A. é emprestado de um outro lugar”. A forma original em que Bill Wilson escreveu tinha algumas diferenças, porque no início houve muita oposição aos Doze Passos. Um grupo achava que se colocara, nesses passos, demasiadamente a palavra Deus. Outros diziam “espiritualidade, sim, religião, não”. E ainda um grupo, à favor de “um livro psicológico”.

    Aos poucos foram entrando em acordo. A frase “Deus na forma em que O concebíamos” foi inserida. Porém, a maior concessão foi de denominá-los Os Doze Passos “sugeridos” e é assim que são até hoje.

     É importante reconhecer que os Doze Passos vieram de diversas fontes e que Bill W. foi inspirado na maneira que juntou essas fontes. Porém, se nós vamos nos comunicar bem com profissionais e acadêmicos para explicar e promover um A.A. baseado nos Doze Passos, os mesmos têm um fundamento histórico muito rico.

(*) Em inglês: absolute purity, honesty, love and unselfishness. É interessante notar que foi esse conceito de “absoluto” que eventualmente separou A.A. dos Grupos Oxford (The Spirituality of Imperfection – New York, Bantam, pág. 47). A idéia de perfeição era demais para os recuperandos em A.A. e, como fala um texto de um de seus livros, “pretendemos o progresso espiritual em vez da perfeição espiritual”.

As 12 Tradições de Emocionais Anônimos

 1- Nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar; a reabilitação individual depende da unidade de N/A.

2- Somente uma autoridade preside, em última análise, ao nosso propósito comum – um Deus amantíssimo que se manifesta em nossa consciência coletiva. Nossos líderes são apenas servidores de confiança; não tem poderes para governar.

3- Para ser membro de N/A, o único requisito é o desejo de recuperar-se da doença emocional.

4- Cada grupo deve ser autônomo, salvo em assuntos que digam respeito a outros grupos ou a N/A em seu conjunto.

5- Cada grupo é animado de um único propósito primordial – o de transmitir sua mensagem ao neurótico que ainda sofre.

6- Nenhum grupo de N/A deverá jamais sancionar, financiar, ou emprestar o nome de N/A a qualquer sociedade parecida ou empreendimento alheio à Irmandade, a fim de que problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos afastem do nosso objetivo primordial.

7- Todos os grupos de N/A deverão ser absolutamente auto-suficientes, rejeitando quaisquer doações de fora.

8- Neuróticos Anônimos deverá manter-se sempre não-profissional, embora nossos centros de serviço possam contratar funcionários especializados.

9- N/A jamais deverá organizar-se como tal; podemos porém, criar juntas ou comitês de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviço.

10- Neuróticos Anônimos não opina sobre questões alheias à Irmandade; portanto o nome de N/A jamais deverá aparecer em controvérsias públicas.

11- Nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da promoção; cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal na imprensa, no rádio e em filmes.

12- O anonimato é o alicerce espiritual de nossas Tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.

Os 12 Passos de Emocionais Anônimos

 1º – Admitimos que éramos impotentes perante nossas emoções – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.

2º – Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.

3º – Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.

4º – Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.

5º – Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.

6º – Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.

7º – Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.

8º – Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.

9º – Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.

10º – Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.

11º – Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade.

12º – Tendo experimentado um despertar espiritual graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos neuróticos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.

* Reprodução adaptada com permissão de Alcoholics Anonymous World Services Inc., New York, NY, USA

Os 7 Lemas de Emocionais Anônimos

1. FAZER PRIMEIRO AS COISAS PRIMEIRAS – … Muitas vezes, são tantas as coisas que temos para fazer que não sabemos nem por onde começar. É bem possível que tentemos fazer tudo ao mesmo tempo, atabalhoadamente. Ficamos então atordoados e confusos, podendo mesmo deixar-nos envolver pelo desânimo e pela frustração. Contudo, se procurarmos ter calma e examinarmos cuidadosamente, veremos que, de acordo com as circunstâncias, haverá sempre uma coisa que deverá ser feita em primeiro lugar, num dado momento, seja pela importância de que se reveste ou pela urgência requerida. Essa é a coisa primeira. As demais, é claro, deverão aguardar a sua vez, segundo a ordem de importância ou de urgência em que devem ser realizadas…


2. DEVAGAR SE VAI AO LONGE – …Precisamos tomar cuidado com a tendência neurótica de exigirmos resultados imediatos em tudo que fazemos. O apressamento poderá resultar em tensões e frustrações, e isso é precisamente o que devemos evitar….

3. VIVER E DEIXAR VIVER – …A intromissão na vida dos outros, aos quais muitos de nós procuramos impor, embora às vezes de forma inconsciente, a maneira pela qual achamos que devam agir, é mais uma das manifestações da natureza egocêntrica e prepotente do neurótico. Esquecemo-nos facilmente de que nossos semelhantes também têm, como nós, o direito de decidir de sua própria vida . Igualmente nos esquecemos de que, por mais que queiramos, não conseguiremos modificar o modo de proceder de uma pessoa, a não ser que ela mesma o deseje e decida fazer…

4. VIVER NA GRAÇA DE DEUS – …Afastados da graça de Deus, tornamo-nos presas fáceis do descontrole emocional. Sabemos por experiência própria, que nada podemos contra as emoções quando nos valemos apenas da nossa precária “força de vontade”. Somente quando nos entregamos de verdade aos cuidados de um Poder Superior a nós mesmos, ou Deus como cada um de nós O concebe, é que começamos a sentir que podemos recuperar-nos. O que antes parecia impossível torna-se, então, perfeitamente realizável…

5. ESQUECER OS PREJUÍZOS – …Este lema sugere que deixemos de ficar rememorando os prejuízos que possamos ter tido, entre os quais, naturalmente estarão os que foram causados pela nossa neurose, pois esse é um procedimento doentio que por certo nos acarretará mais prejuízo ainda. Trazer de volta à memória os prejuízos é o mesmo que sofrê-los novamente…

6. RECOMENDAR-SE A DEUS INCONDICIONALMENTE – … Se tivermos admitido nossa impotência perante as emoções e passado a crer num Poder Superior a nós mesmos, capaz de reconduzir-nos à sanidade (Primeiro e Segundo Passos), nada mais lógico do que nos entregarmos sem restrições a esse Poder Superior, ou Deus segundo a concepção de cada um, conforme é sugerido no Terceiro Passo….

7. SÓ POR HOJE – …Este Lema sugere que, ao invés de tomarmos decisões para a vida toda, limitemo-nos a fazer propósitos por um dia apenas, justamente o dia que estamos sempre vivendo: o dia de hoje. O de ontem já vivemos quando ele era hoje, e o de amanhã, quando chegar, será hoje, novamente. Se aplicarmos o que é sugerido, estaremos, por assim dizer, cortando a vida em ‘pedacinhos mastigáveis’, o que irá tornar bem mais fácil nossa caminhada através do processo de recuperação.