Falar deste imóvel, localizado na Avenida Marechal Floriano
185, centro do Rio, é falar da história da liberdade religiosa no país. Embora
belo, ele quase não é percebido pelos transeuntes. Aqui funciona a Real e
Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V, assim batizada em
homenagem ao rei português falecido em 1861. A despeito dos ótimos serviços
prestados aos carentes e à comunidade lusitana, a Sociedade D.Pedro V não é o
motivo da visita do Passeador, e sim, o prédio. Este é, simplesmente, o
primeiro templo evangélico erguido no Brasil e seu valor histórico para o
segmento protestante é incalculável.
Se os amigos desta página acharam que o prédio não
tem nada a ver com uma igreja, acertaram em cheio. A intenção era esta, mesmo!
À época da construção – 1885 –, vigia uma lei que proibia a existência de
templos “acatólicos” (sim, a definição para todas as outras crenças era esta)
com aspecto externo de construção religiosa em todo o Império do Brasil. No
entanto, a Igreja Evangélica Fluminense (IEF) obteve do governo imperial a
licença para adquirir o terreno e edificar um prédio "destinado ao
respectivo culto, e ao estabelecimento de uma escola", conforme decretos
nº 1.225/1864 e 7.907/1880". Pioneira denominação protestante com
atividade permanente e cultos em português instalada no país, a igreja foi
criada em 11 de junho de 1858 pelo médico e missionário escocês Robert Reid
Kalley. Egresso da Ilha da Madeira, onde atuou curando corpos e socorrendo
almas, Kalley (1809-1888) atendeu ao que cria ser um chamado divino para vir ao
Brasil e aqui chegou, com a mulher, Sarah, em 1855.
O calorão do Rio assustou o casal britânico, que
fixou residência em Petrópolis, na amena Serra fluminense. A igreja nasceu em
sua casa e, mais tarde, iniciou reuniões em residências da Zona Portuária da
capital. Com o crescimento do grupo, foi preciso providenciar espaço maior. O
projeto original do prédio, neoclássico, foi encomendado à Inglaterra com
linhas retas e zero referência à religiosidade. Em 1886, começaram neste imóvel
os cultos do “povo do livro”, como os protestantes eram chamados, na nova sede.
Não era fácil ser evangélico em um país que tinha como religião oficial o
catolicismo romano. Atividades proselitistas eram proibidas; havia barreiras ao
registro de casamentos realizados no rito reformado e, até na morte, os
protestantes eram discriminados – seus sepultamentos não eram feitos nos
cemitérios.
Com o tempo, Kalley, que se tornou vizinho e
interlocutor eventual de D.Pedro II (o monarca gostava de conversar com o
pastor em hebraico, imaginem!), conseguiu fazer o imperador ver que
perseguições religiosas não convinham a um reino que se queria moderno. Depois,
veio a República e as barreiras legais aos crentes caíram, embora preconceitos
sociais tenham permanecido por muito tempo. A IEF funcionou aqui até maio de
1914, quando foi inaugurado o templo definitivo – agora, sim, com jeitinho de
igreja – aqui perto, na Rua Camerino. Atualmente, ela é ligada à União das
Igrejas Congregacionais do Brasil, uma das mais tradicionais confissões
evangélicas nacionais.
Quanto a este prédio, ele foi vendido à Sociedade
Pedro V, que tratou de lhe dar um aspecto mais adequado à nova finalidade. As
reformas ficaram a cargo da prestigiada firma Antonio Jannuzzi & Irmãos,
que assina várias intervenções urbanísticas no Rio de cem anos atrás. Ali no
alto, onde antes se lia “Casa de oração da Igreja Evangélica Fluminense”, foi
gravado o nome da entidade. Mais acima, o belo relevo retrata uma mulher
amamentando uma criança, enquanto oferece flores a outro pequeno – alegoria da
solidariedade, ênfase da Caixa de Socorros. O prédio também ganhou aquelas três
esculturas no topo, representando as virtudes humanas. E pensar que, no tempo
em que aqui se reuniam os protestantes, nenhuma figura era permitida na
fachada... E nem precisava. Afinal, o culto de um devoto ao seu Deus é coisa
que prescinde de representações externas
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