quinta-feira, 5 de maio de 2016

Artigos soltos 3


       O real e o diletante.

       A realidade se impõe. Querendo ou não, aceitando ou não, o mínimo é dizer puxa, mas é isso? Sim, escolha por que meio formular ou definir, é isso que está aí. Choque de, com a, contra a realidade.

      Jesus era alguém sempre pronto, perto e atrás do fato, do real, ocupava o centro da realidade. Certa vez, descreve Marcos Evangelista, cuidado de família, mãe e irmãos foram procurá-lo.

      Deram com Jesus, tarde da noite, numa casa repleta de gente e ele atendendo a todos em tudo. Mandaram chamá-lo fora, cuidados de família, que se recolhesse cedo, cuidados com saúde, alimentação, enfim: chamem-no lá; digam que somos nós, que ele entende.

       Jesus mandou recado, para dizer:  diga lá que minha família está aqui e é esta. Doutra feita, recomendaram escolhesse melhor seu círculo de amizades: prostitutas, publicanos e pecadores, essa marginália, definitivamente, não pegava bem, arranhava imagem e prestígio, ficava ruim na fita, queimava o filme.

           Não entenderam nada. Jesus não era, nem minimamente, diletante. Jesus queria sempre estar no meio, contexto, centro do fato. Outra vez, cercado de gente, cada qual com seu interesse, sem contar os interesseiros. Um toque. Um toque de mulher. Era o fato no centro do fato.

        Quem visse de longe, assim grafaram os evangelistas contando essa história, contemplaria como se dividiam as atenções do grupo. Ora, os discípulos também não entenderam a ênfase de Jesus. Mestre, como, se todos te apertam?

      Os discípulos, embrião de igreja, precisavam aprender essa distinção. Igreja não pode ser diletante: na visão de mundo, no estabelecer prioridades, na sua distância do real. Como Jesus, visão de mundo: onde se coloca a realidade.

       Vida marginal? Onde se coloca a igreja? Oprimidos e opressores? Onde se coloca a igreja? Necessidade de milagre? Onde se coloca a igreja?

     Certa vez, num progama de rádio, à convite e desafio do locutor, uma ouvinte ligou para contar seu dilema: sofria da coluna, precisava cuidar da mãe cadeirante, tinha uma filha especial em casa sobre a cama e o filho viajaria pelo TFD - Tratamento Fora de Domicílio, já com reserva prévia de passagem aérea.

      O locutor foi diletante: tanta doença era uma casta de demônios. E dirigiu-se aos ouvintes: venham para a corrente (diletante) de oração (na igreja de mídia dele, era claro), para evitar que uma casta daquelas entrasse na casa dos ouvintes. Isso foi uma ameaça ou um convite? Pensei, cara, será que o locutor diletante terceirizou as castas?

       Como seria a realidade? Minha senhora, qual seu endereço? Vamos falar em off e vamos orientá-la. Grupo de faxina da igreja do locutor na casa da ouvinte. Contratação de, pelo menos, uma diarista para ajudar na casa da ouvinte, com escala de mutirão pelo grupo de jovens.

       Despesas com remédios? Quais poderiam ser doados, quais pegos na farmácia popular ou postos de saúde? Com passagem aérea reservada ao filho, onde hospedar-se na cidade grande e quem o acompanharia: despesas?

       Realidade. Impõe-se. Igreja e o choque do real. Milagres custam dinheiro. Milagres custam atenção. Milagres custam aproximação e comunhão. Custam  força centrifuga, do centro (das atenções e vaidades) para a periferia.

       Jesus veio derrubar barreiras. Se a igreja ergue barreiras, deixa de ser igreja e passa a ser diletante. Ao encontro do fato. Ao centro do fato. Basta um toque, para que dela saia virtude. Da igreja, talvez, ainda saiam virtudes.

         

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