segunda-feira, 16 de maio de 2016

Mal traçadas linhas 25


      Lázaro, sai para fora.

      Por detrás destas palavras é que ocorreu o milagre. A ciência deve uma explicação, de como células degeneradas se regenaram e um cadáver putrefato se ergue e se apresenta vivo.

       É certo que há quem diga que o texto não passa de uma elaborada construção teológico-literária cujo objetivo, dentro do contexto maior do Evangelho de João, é estabelecer um perfil de Jesus como capaz dos milagres descritos.

         Mas não necessariamente que os tenham exercido. No final das contas, não se trata de fatos, mas sugestão deles. Ora, impossível florear sobre esses textos, atribuindo-lhes a importância que for, negando-lhes a autenticidade dos fatos.

         Se não são factuais, sua credibilidade fica comprometida e a narrativa bíblica prejudicada. Se não é verdadeira com relação aos fatos históricos, por que seria com relação aos fatos doutrinários e metafísicos?

        Se Jesus não ressuscitou Lázaro ou, pelo menos, a filha de Jairo e o filho único da viúva, por que devo acreditar na afirmação bíblica de que vai me ressuscitar? Refiro-me às afirmações bíblicas de que se deram as aqui citadas e que se darão essas outras ressurreições prometidas.

         O fato é que há uma tremenda resistência em acreditar na possibilidade real da concretude desses sinais. Isso não se deve ao espírito do Livro, pensado e escrito para que, de fato, as histórias e respetivas argumentações decorrentes fossem encarados de modo literal.

         Essa rejeição e dissociação entre as duas vertentes, descrição de milagres X parte doutrinário-argumentativa, vem de fora para dentro do Livro, colocada como ideia dos tempos modernos, projetada para a antiguidade.

         É o homem moderno que se sente ridículo em admitir que aceita sem questionamentos as narrativas bíblicas de milagres. E caminha a partir do ponto de progressiva desmistificação dessas narativas.

        O problema é que não sabe quando parar e só mesmo se detém na ressurreição do cadáver Jesus. Na busca do "Jesus histórico" por detrás das narrativas dos Evangelhos, caramba, uma vez rejeitada a ressurreição de Jesus, detona-se a fé. Como o próprio Livro argumenta, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregacão e vã a nossa fé.

        Portanto, a desconstrução das narrativas de ressurreição, propositadamente a mais escandalosa de todas, a de Lázaro - deixada de fora aqui aquela, gozadíssima, do homem jogado na cova de Eliseu, cadáver que já ressuscita correndo -, cessa quando dá de cara com a ressurreição gérmen de todas as demais, a de Jesus.

        Logo, considero insustentável esse método e tal dissociação. Anular o milagre na Bíblia definitivamente compromete todo o seu conteúdo. A partir do texto, foi concebido, intrincadamente, o miraculoso como base argumentativa para a personalidade do Mestre e base de sua argumentação.

         Não há como dissociar da identidade de Jesus os atos descritos: ora, para provar que o Filho do Homem tem poder para perdoar pecados, Eu te mando, levanta, toma a tua cama e anda.

        E também não há como sustentar a ideia de que o Livro precisa ser lido dissociadas essas duas vertentes: aceita-se a argumentação e rejeita o maravilhoso.

         Definitivamente, é um dado posto de fora para dentro do Livro estranho, intrinsecamente, a sua metodologia, visão de modernidade projetada para a antiguidade, resultado da iconoclastia fora de controle do Renascimento.

        Como argumenta Paulo a Timóteo, aceita-se a piedade, mas nega-se a Deus o poder. É construída uma espiritualidade destituída do maravilhoso de Deus. Este é o "Deus científico", desenhado à imagem e semelhança dos parâmetros da razão em seu contexto maior de método, que são os (r)estritos limites da ciência.

          Caso ela possa descrever, explicar ou sugerir "hipóteses científicas", aceita-se. Caso não, não existem parâmetros fora destes e o que se propõe torna-se absurdo. Trata-se da nova e definida Criação: "No decurso, criou a ciêncianos ceus e a terra. Ela era sem forma e vazia, mas o espírito científico pairou sobre a face das águas."

         Se ela, a ciência, não sabe descrever como células mortas de um corpo sem vida voltam a se rejuvenescer sob o comando da voz de Jesus e um cadáver, nessas condições, volta à vida apenas com odor de seu suor, não há milagres.

        Ela dedica a nós o Jesus Histórico. Ela corrige a leiturabda Bíblia, em nosso socorro. Não deixa de ser uma redenção (e uma nova redação, ajuda-me o corretor automático de meu zap). Aceita-se e pratica-se a piedade, mas nega-se o poder.

        Espírito de uma época, acertou o autor da 2 carta a Timóteo: terá sido mesmo Paulo? Ora, mas essa é uma outra discussão.
     
        E ainda, por pura ironia, a definição bíblica de fé confere, direitinho, com a definição de método científico: certeza de coisas que se esperam - no caso da ciência, tudo o que ainda não epxlica, mas tem total certeza de fé que, um dia, explicará - e convicção de fatos que não se veem - por exemplo, a colisão do Big Bang e o bóson de Riggs como "mensageiro dos deuses".
       
             

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