sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Jornada Teológico-Natalina 5 - Final

    Uma leitura honesta e competente da Bíblia, sim, ela mesma, também conhecida como Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, escritos da tradição judaico-cristã, se assim você preferir identificar, como eu dizia, uma leitura honesta e competente dela vai revelar sua (dela) identidade (e claro, a sua própria, quer dizer, a identidade de quem lê). Para isso ela foi escrita.

     Então, começamos por reafirmar a personalidade da Bíblia. Ela não foi escrita ao gosto do freguês. Sim, vários são os gêneros literários, há, sim, linguagem figurada e simbólica, sem dúvida, mas também há linguagem literal, social, histórica, doutrinária, religiosa, enfim, como já dissemos, uma leitura criteriosa e responsável será muito produtiva. 

      Pois aqui, neste texto, vamos exatamente nos valer da narrativa primordial da criação para reafirmar um princípio bíblico, que o Livro tem o direito de estabelecer, como qualquer outra tradição escrita o tem (aliás, até tradições orais têm esse direito), independentemente, como já discutimos em textos anteriores, de sua procedência ou origem. Qual seria a personalidade desse texto? 

      Foi diretamente inspirado por Deus? Seu autor é Moisés? Quem escreveu foi um escriba ou redator anônimo? Foi tradicionado oralmente? Em que época foi fixado por escrito? Que graus de credibilidade e respostas têm essas questões aqui levantadas? Enfim, seja que conclusão se tenha a respeito da origem do texto do Gênesis, para a determinação da afirmação de que consta como "palavra de Deus", o que vale, para este texto aqui escrito é sua abordagem como texto que confere personalidade à Bíblia, ao Antigo Testamento e assim será aqui abordado. 

      No Gênesis está escrito que Deus criou homem e mulher a sua imagem e semelhança. "Homem e mulher os criou, a sua imagem os criou". Literalmente está escrito como segue: "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou". 

      O que isso significa? Que para a autoria da Bíblia, seja ela quanto incerta se desejar supor, ela admite, de modo intuitivo, se ainda assim se deseja supor, que Deus criou homem e mulher, que os abençoou para que se multiplicassem e enchessem a terra. 

      "E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra". Gênesis 1,28.    

      Do texto acima vamos destacar, em duas etapas, a questão do "ser fecundo e se multiplicar", para um comentário maior, e a do "dominar" sobre a criação, apenas como alusão. Para dizer aqui que a concepção do texto bíblico, sua cosmovisão intui que a questão de ser macho e fêmea, também aplicado ao ser humano, é para tornar possível a procriação, expansão e manutenção da espécie humana. 

      E consideramos legítimo que se derive desta afirmação bíblica sendo desse modo considerado, para uma parcela da população ou da sociedade, que assim deseja, para modelo próprio seu de conduta e propaganda, considerar casamento a união entre homem e mulher, sendo família os filhos nascidos dessa relação. É legítimo que assim entendam e que assim pratiquem e ainda que assim definam por seu modelo e ideologia. 

    O texto seguinte a ser mencionado, além de frisar a união entre homem e mulher, acrescenta um dado sobre uma característica exclusiva dessa união. "E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne". Gênesis 2, 23 e 24.

     O texto, como já havia sido indicado na citação anterior, que estabelece homem e mulher equiparados, numa relação equivalente com Deus, ambos de si mesmos criados à imagem e semelhança de Deus, aqui se unem, numa complementaridade natural, tornando-se "uma só carne".

       A reunião desses dois textos, alusivos à criação do homem e da mulher, circunscritos à economia da narrativa da criação, no Gênesis, nome da tradição grega, ou Bereshit, se for mencionada a Torah hebraica, indicam: 1. Casamento monogâmico entre homem e mulher; 2. Os filhos da relação constituem-se em família; 3. A relação pretende-se indissolúvel, pela indicação da fusão numa só carne.

      Evidentemente, e a própria narrativa indica isso, estamos falando de condições ideais. Ou seja, a própria narrativa admite esses pressupostos como propósito ideal do Criador para as suas criaturas. Porque a própria narrativa, em sua continuidade, aponta para um situação a partir da qual homem e mulher se tornam incapazes de atingir o modelo ideal proposto pelo Criador para as suas criaturas. 

     Portanto, o modelo original, além de não ser mais naturalmente atingido pelo homem e mulher criados, não se torna, tal modelo, imposto a eles pelo Criador, exatamente porque, ainda que fosse imposto, seria inatingível. Mas o modelo perdura como opção a ser alcançada, assim como perdura como o ideal original anteriormente proposto. 

     Portanto, as Escrituras, em sua identidade e proposta original afirmam que Deus existe e criou homem e mulher à Sua própria imagem e semelhança, abençoando-os e propondo para eles que se unissem e procriassem, a fim de povoar a terra, estabelecendo que sua união os tornassem um só, de modo que fosse indissolúvel.

     Portanto, união entre homem e mulher, segundo está proposto pelas Escrituras, não é aleatória e simplesmente intuitiva, biológica ou animal somente, mas está inserida num contexto de bênção intencionalmente proposta por Deus, em que homem e mulher, criados à imagem e semelhança de Deus e no contexto de uma relação entre si e com Deus, propõe povoar a terra e dela cuidar como seu lar definitivo, para si e para toda a humanidade.  

      Para ser Escrituras, para ser o Deus das Escrituras e para ser homem e mulher segundo as Escrituras essa é a proposta para o casal original e, em decorrência, para todos os demais casais e para toda a humanidade. Mas a continuidade da narrativa da própria história das Escrituras aponta para um decaimento da condição humana, em sua relação com Deus, de modo a que o padrão estabelecido não ocorra. 

     Pode-se, então, dizer-se ou fazer o que se quiser, uma vez que se diga que Deus não existe. Ou que homem e mulher, consequentemente, nunca foram criados, específica, peculiar e obviamente, porque deus não existe, à sua imagem e semelhança. E que o modelo proposto de união entre as criaturas não criadas, assim como a sexualidade dele decorrente, não terá nenhum padrão específico original, mas será aleatório, segundo concepções diversas estabelecidas por quaisquer ideologias, com escolhas, definições e terminologias próprias. 

     Uma vez removida ou desacreditada toda a história do Gênesis, nas Escrituras, tomada ao inverso a narrativa bíblica, a ela agregada, nela posta ou dela deduzidos quaisquer outros modelos que, por exemplo, invertam para um deus criado à imagem e semelhança da criatura, numa inversão que a própria Escritura de antemão já prevê, assim como proposto para homem e mulher outros modelos de união, assim como para a sexualidade outras modalidades de abordagem, que não seja somente o conjunto de características da sexualidade masculina constituído para complementaridade ao conjunto de características da sexualidade feminina e vice-versa, não haverá qualquer impedimento para isso, a não ser a notação de que as Escrituras, assim ou por qualquer outro modo concebidas, terão sido violadas.

      Ninguém é obrigado a concordar com esses modelos da tradição escriturísitica judaico-cristã. Mas também ninguém é proibido de dizer que acata e aplica a sua vida esse modelo. O que está valendo é que, quem aceita o modelo judaico-cristão das Escrituras, cuide da sua própria vida, e considere problema alheio quem não concorda em assumir essa mesma concepção.
     
     E não interessa quantas outras concepções surgirem, que ideologias as sustentem, questões terminológicas, científico-epistemológicas, enfim, cada um cuide da concepção que decidir assumir, sem importunar ou criticar o outro e, principalmente, sem trabalhar por desconstruir a concepção alheia. A segurança em admitir a sua pessoal e intransferível concepção a respeito da sexualidade deve se configurar de tal forma que não seja necessário desconstituir a do outro para, só então, confirmar a sua própria. 

     E quanto à propaganda e ao alarde de qualquer das concepções, na luta pelo direito das reafirmações, em defesa do diverso, que se respeitem esses direitos acima mencionados. Quem não segue o modelo homem/mulher criados à imagem e semelhança de Deus, abençoados pelo Criador na união indissolúvel que proporciona a procriação e o prazer sexual exclusivo entre os dois, nessa configuração restrita e exclusiva de sexualidade, bem está, os que aceitam e tentam praticar esse modelo, vivam em paz em sua concepção, cuidem de suas vidas, deixem os outros em paz também e, caso queiram fazer sua propaganda desse modelo, sem impô-lo aos outros ou declará-lo o único possível ou certo, têm esse direito, com essas ressalvas aqui estipuladas.

     Os que vão seguir outro(s) modelo(s), diverso(s) deste especificado nas Escrituras da tradição judaico-cristã, que o façam com todo o alarde, coragem e personalidade, sem achar que, para reafirmar o seu modelo, precisam desconstruir ou acusar quem não o admite, acolhe ou pratica de retrógrado, anacrônico ou politicamente-incorreto. Tantas quantas forem as variações possíveis fora do padrão delineado nas referidas Escrituras da referida tradição judaico-cristã, porque tais Escrituras, a elas se reserva o direito de estabelecer um padrão, ninguém está obrigado a se comprometer nem com ela e nem com ele. Mas também não pense em adquirir, impropriamente, qualquer direito de lhe enxovalhar, desmerecer ou inverter a seu favor os rumos da narrativa ali exposta. 

     Ressalvado o direito de lhe negar autenticidade, como negar que o Deus que ela indica exista, não passando de (mais um) deus e o modelo ali discorrido esteja absolutamente equivocado. Mas lembrando que o fato de assim entender nunca vai privar o direito dos que entendem como está escrito e de sua escolha em aplicar a sua vida como está escrito.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário