sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Necrópole - VII

     Acordaram domingo mais cedo. Tomaram o café de sempre, porém mais apressados, porque ele detestava atrasos. Iam de carro mesmo. Fusca da família. Ganhariam o rumo contrário, porque era para dentro, para o subúrbio que ficava a igreja.

     Descer a ladeira mansa e dobrar à direita, lá embaixo, era ir para o centro da cidade. Subir a caminho da vedinha de seu Carlos, dobrar à direita e depois à esquerda, bem defronte da Escola Pública Ágata da Fonseca, e descer outro ladeirão, esse mais íngreme e, lá embaixo dobrar à esquerda, era ganhar o rumo do subúrbio.

     Chegaram. O tio esperava sorrindo na calçada. Havia pequeno estacionamento no pátio da frente. Ajustaram o Fusca ali do lado dos outros carros. Não eram muitos. O tio esperava. A esposa dele, uma das filhas, que logo se enturmou com Rauana, todos sorridentes. Venha Raul, para levar o garoto também para a classe dele. Era uma escolinha de classes por idade. Vai, meu filho. 

     Havia uns seis a sete meninos e meninas. Raul chegou assuntando. Era uma professora. Olhem, gente, temos um visitante. Raul sério. Como é seu nome? Raul. Seguiu sério. O que vamos dizer para ele? Disseram. Era um versinho dizendo bem-vindo. Ela apresentou nome por nome ao menino. Ele é sobrinho, quer dizer o pai dele é sobrinho, a professora repetia, do seu Xavier, quer dizer, presbítero Xavier.

     Raul sério. Cantaram. Oraram e começaram a lição. A professora iniciou, era falar do nascimento de Jesus, o filho de Deus, ela disse. Como assim, Raul perguntou. Todos os olhos se voltaram para ele. Sabe-se lá que teologia perpassou a cabeça do menino, que lampejo de Deus foi resquício nele da conversa do picolé. Como assim?

    A professora também não sabia o que se passava, mas era sua especialidade reconhecer quando chegava ali alguém não previamente doutrinado. É que Jesus é o filho de Deus. Raul fixava os olhos nela que, com um insight, resolveu usar o método indutivo e perguntou o que ele sabia da história de Jesus?

    Nada, respondeu Raul. Meu pai me falou de Deus. Ah, bem, respondeu. Pois Jesus é filho dele. Esperou. Raul manteve os olhos fixos nela. Continuou. Porque Deus nos ama e, para nos salvar, ele enviou o seu próprio filho para morrer na cruz e nos salvar dos nossos pecados. 

    Para Raul, a ideia de pai que tinha era bastante nítida, portanto imaginou seu pai e o amor que tinha pelo filho, quer dizer, no caso ele mesmo. Mandar o filho, ele pensou seu pai o mandando morrer numa cruz. Lembrou dos crucifixos da vida, um que via na escola, na sala da Diretoria. Logo associou a imagem à história. 

     Mas como, interrompendo a professora, um pai manda seu filho morrer? A turma ia de olhos para olhos, mirando Rual e a jovem professora. Ela arregalou olhos. Acho que num instante deduziu que a relação do menino com a família era estável. Bem acolhido. Raul, foi um caso diferente, especial. Deus é Pai para nós todos. 

      Porque nos ama. Mas para isso, Jesus precisava morrer por nós, porque os nossos pecados nos afastam de Deus. Para ele ser o nosso pai, tinha de enviar seu filho para ser o nossos salvador. Pois quem acredita, ela quis dizer "acredita" no lugar de "quem crê", em Jesus, Deus também torna essa pessoa seu filho também. 

      Ficou na expectativa, avaliando a reação do menino. Ele se demorou calado, olhando para ela. Ela havia deduzido que, no caso dele, a grande sacada era explorar a relação pai-filho. Por isso esperava uma compreensão do menino nessa direção. 

    Então, é para todos terem Deus como pai? Sim, Raul. Como é entre você e teu pai, pode ser entre Deus e quem quiser ser filho dele. Mas, para isso, precisa acreditar, crer, ter fé em Jesus. Pausa. O garoto mantinha os olhos fitos nela. Você entendeu? Ele fez com a cabeça que sim.

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