Chegaram a casa. O assunto morreu no carro. Pelo menos, por hora. Era assim. Tácito entre eles. Não ficavam muito tempo discutindo a mesma coisa ou uma coisa só. Houvesse ou não houvesse polêmica, assim ensinaram aos garotos, quer dizer, à garota e ao garoto.
Foram tomar seus banhos, primeiro a mãe, Rauana no banheirinho de fora, que era de empregada, não, Raul, pode tomar o seu primeiro, que vou ver uma coisa aqui no quarto. O menino foi. Pega a toalha, pega a roupa, põe a suja no cesto, leva as coisas para não ficar pedindo. Tá bom, mãe, respondeu sonora e solenemente.
A menina foi ver nuns guardados. Achou um cartãozinho da avó Etiene, mãe do pai e irmã do tio protestante sorridente. Aqui, pai, foi mostrar. "À minha neta querida, uma lembrancinha de seus 5 aninhos: que Jesus Cristo e Nossa Senhora abençoe sua vida". Sua mãe era católica? Protestante não escreve N.Sra. Ei, minha filha linda: olha, que lindinha no retratinho! Ela sorriu. Muito lindo o sorriso de Rauana. Mas ela o economizava.
Minha filha, sua avó não era católica. A mãe dela, sua bisavó Isaurina era católica. Ela sim, fervorosa, beata como diziam. Por isso que nós aqui não temos tradição religiosa. Porque a vó Isaurina, quer dizer, minha vó, gozado, filha, era beata, mas achava que os filhos deveriam escolher a própria religião. Daí seu pai não ter nenhuma. Não ter nenhuma o quê? Vinha ela, Laura, que era uma mulher bonita, daquelas que escondem a idade, sem fazer nenhuma força.
Religião, bem. O assunto aqui é religião. Laura parada, com a ponta dos dedos na toalha secava os cabelos, jogando a lado e outro a cabeça, gesto que sempre fascinou Raul. Que assunto? Explicando para minha linda filha Rauana que eu, muito embora filho de mãe e avó católicas, nenhuma delas forçou religião para nós, eu e meus irmãos.
E você, mãe? Como foi? Minha mãe, sua vó Adália, não era muito ligada em religião também não. Na verdade, havia sido instruída pela mãe, a bisavó da menina, Idália, mas rebelara-se muito cedo, na adolescência, caso inédito para alguém da década de 1930. Mas isso a mãe não ia contar.
Mas é bom, minha filha, concluiu o pai, quer dizer, às vezes é bom religião nenhuma, para não intoxicar. A mãe fez uma careta. Ué, e essa aí que vocês estão aderindo, não é religião? O menino havia saído do banheiro. Meniiiiiiino, carregou a mãe na sílaba tônica, olha aí, patinhando o chão! Reclamou. Ele parou, olhou de olhos arregalados para mãe, posso falar um instante?
Paralisaram os três. Mas o que ele vai falar, os olhos de todos congelaram inquirindo? Mãe, disse mirando-a nos olhos e com uma naturalidade descontraída, pausa: por que a senhora, e falava gesticulando, e Rauana também, igual ao pai e eu, a gente fica unida, acreditando em Deus e em Jesus juntos?
O pai abriu um sorrisão, meu filho, você é demais, a irmã olhou mãe e pai, deu um meio sorriso e a mãe pôs ambas as mãos na cintura, fez careta repuxando os beiços e falou eu quero mesmo é saber do meu chão. O menino riu, acolhido num meio abraço no regaço do pai. Tá bem, mãe, eu seco. Deixa comigo.
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