sábado, 19 de dezembro de 2020

Haja bate-papo

 A "fé que uma vez por todas foi entregue aos santos".  Judas 3


     Caro primo: manhã e tarde maravilhosa. Estivemos alinhavando esse nosso legado. Quanta identidade existe entre nós, pelo berço comum, e que diferenças se desenham, pela história individual que traçamos. 
   
     Mas mesmo assim insisto que há mais proximidade entre nós, nessa herança comum, do que distanciamento. Durante todo 2015 trabalhei com um amigo, irmão nosso que era presbiteriano, mas precisou romper com essa sua tradição. 

      Agora se dizia candomblecista. Filho de uma mãe de santo de uma Casa, ali pelo bairro, em Rio Branco, onde residia Nelson Rosa, que me acolheu em sua casa, no alvorecer de 1995. Tinha um apelido, que também aqui vou preservar, e um dia achou que tinha que me "confessar" que era casado com um homem. 

      Achei despropositado esse tom de confissão, que ele achou que, por eu ser pastor, não deveria esconder de mim e, de certa forma, "prevenir-me" dessa sua condição. 

      Eu lhe respondi nessa linha de pensamento. Não por isso. Disse a ele que essa sua condição de vida era muito pessoal e seria um problema seu com Deus. Usei a palavra "problema" para indiciar uma questão pessoal e não no sentido lato.

     Disse a ele que não concordava em que pessoas como ele tivessem que expor essa sua condição, no sentido de buscar aprovação dos outros, que o princípio bíblico não é denúncia de "pecados", mas a oferta do amor de Deus, que avistar-se com Deus é pessoal e intransferível e que, uma vez havendo mal nessa condição a que ele se impôs, na relação com o seu companheiro, quem dera fosse esse, no mundo inteiro, o único mal e mais nenhum outro. 

      Foi o mais perto que eu estive de uma pessoa que expressou para mim sua condição homossexual. Poderia também contar a história do segundo amigo, líder entre o "pessoal da sigla" lá em Rio Branco. Visitou uma reunião do Instituto Ecumênico. E, sem que ninguém lhe pedisse, após falar das reivindicações do grupo, passou a expor o seu drama íntimo, descrevendo como, desde a tenra infância foi vítima de abusos, por parte de parentes, vizinhos, conhecidos e estranhos. 
  
       O pequeno grupo ali se solidarizou com ele, dizendo ser o Instituto Ecumênico um lugar e um grupo de acolhimento das diferenças, onde se poderia esperar fraternidade, ainda que condicionada às nossas imperfeições, mas sempre na tentativa de lidar com toda a diversidade. 

      Dessa vez, aproveitei estar ele sentado ao meu lado, para dizer que, quando me visse alhures (gosto desse termo machadiano), pensasse de mim duas coisas: 1. Minha liberdade incondicional de sempre achar estranho o relacionamento homossexual; 2. Minha prontidão em acolher qualquer representante deles que, um dia, hipoteticamente, me procure buscando ajuda para inverter sua condição. 

      Usei aquele argumento: se eu chegar no seu grupo dizendo que quero "sair do armário", no dia seguinte serei notícia de jornal, como se fosse um troféu da imprensa (que aspira a ser neutra, e nunca vai conseguir). Mas se um membro do seu grupo me procurar, para inverter sua história, serei acusado de partidário da "cura gay" pela mesma imprensa.

       Disse a ele, na presença de todos, naquele dia: guarde meu nome e marque minha cara. Lei nenhuma que se aprove vai me obrigar a mudar esse meu posicionamento: estranhar a relação íntima de dois homens ou de duas mulheres, no comum, para ficar nessas duas únicas modalidades-símbolo, assim como me coibir de atender quem queira inverter sua condição de homossexual. Essa estrada é via de mão dupla, para se entrar ou sair, na hora em que se quiser. 

      Ficamos ontem analisando onde estaria o limite entre a fé e a não fé. Porque sem fé, é impossível agradar a Deus. Assim como quem e quais seriam verdadeiros/falsos cristãos. Não sabemos esse limite. O refinamento da maldade humana, assim como as maiores carências que Cristo veio suprir a gente nem de perto supõe.

      Somente sabemos que esse limite está fora da nossa ou de qualquer ortodoxia. Quando ontem, juntos, surfamos, ainda que tímida ou ousadamente pelos limites ou apenas na praia desse oceano da graça de Deus, apenas imaginando a agonia dEle de propor a homens e mulheres (generalizando, como supus, essa fórmula binária que, como eu disse ontem, acaba por enfeixar toda a discussão de gênero) acolher o Seu amor, eu acho que apenas arranhamos, de leve, o que Paulo chama de "sentimento de Cristo" que disse devemos ter em nós. 

       Loucura desse Deus em, definitivamente, conceder-nos essa fé santíssima para dela sermos portadores. Como ser veículo dela e interlocutor para que seja proposta? Este meio longo texto foi somente para dizer com que prazer conversamos. E falta ainda falar ainda mais da denominação de nosso amor. O Altíssimo está ansioso por essa nova conversa.  

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