sexta-feira, 12 de abril de 2019

Avante um pouco aos 20 anos - 6

Pastor, afinal

       Transcorreu em toda a sua previsibilidade a formatura, na Igreja Evangélica Fluminense. Sempre em fins de dezembro. Sorrisão de minha mãe na foto em que entrou comigo. Eu, de um modo, aliviado, final de uma fase muito boa, excelente, por um lado, mas eu meio esquivo, por outro.

         Era 1981. No ano seguinte, em função do convite feito para as aulas de Hebraico, seguindo a coerência, segundo determinei para mim, procedi ao vestibular para Português-Hebraico, UERJ, licenciatura plena. E arrastei comigo o Paulo Leite: bacharéis, para dar aulas no curso de teologia, pelo menos uma graduação era necessário cursar. Assim posto, assim feito.

         E até tirei o primeiro lugar no vestibular para esse curso. Nenhuma vantagem: quem se preparava para dsputar, no vestibular unificado da Cesgranrio, engenharia, em torno de 6.000 pontos, tirar primeiro em Português-Hebraico foi sopa. 15 vagas, com 90% dos candidatos querendo fazer do curso trampolim provável, mas nunca disponível, para outros cursos.

        Nesse meio tempo, certa noite, em Cascadura, na igreja, onde o coral sentava por detrás do culto, avistei dois inseparáveis irmãos e amigos lá da Congregação de Curicica e tremi na base. Vinham buscar a resposta. Qual? Da proposta feita uma semana atrás. 

      Havia sido convidado a pregar na Congregação. Melhor, mais exato, eles haviam me convidado a ser pastor em Curicica. Eu disse que precisava conhecer o trabalho lá. Ora, isso é "pp", procedimento padrão para quem recebe esse tipo de convite, porém sem conhecer a igreja que convida. Curicica era sobejamente conhecida por mim.

       Cascadura enviara para lá cerca de 10 irmãos que, voluntariamente, sensibilizados pelo desafio, resolveram abraçar a causa de um sofrido e penoso trabalho. Tratava-se de um loteamento na Estrada do Guerenguê, um dos diversos caminhos de acesso pelos meandros de Jacarepaguá, a partir da Taquara .

       Acesso por velhos coletivos, 260/261, acabados de velhos, por ruas e estradas de terra, dentro e fora do loteamento, caso chovesse, lama nos pés e respingos já dentro dos ônibus, de janelas quebradas: você puxava para si, desguarnecia o outro passageiro. E se não chovesse, pela mesma fresta de janela entraria a poeirada doida.

      Só muito obstinados assumiriam essa tarefa. Era o caso deles. Tão antiga Congregação, da Rua Aralia 3, fora igreja em tempos (muito) idos. Para se ter uma ideia, há uma pastor de 82 anos, aliás foi o reitor de meu tempo de Seminário, que estagiou lá quando seminarista. Supondo que ele tivesse em torno de uns 20 anos, esse trabalho tem minha idade. 

       Fechou duas vezes. Por problemas distintos, mas ambos do tipo que muito traumatiza os membros. Varias igrejas rejeitaram reabri-lo. Pode-se dizer que, malandramente, empurraram-no a Cascadura. Ela herdou. Eu conheci. Tinha ido diversas vezes. Agora me chamavam a pastorear. E me saí com essa desculpa: tenho de conhecer. 

        Meus amigos entreolharam-se, incrédulos. Não eram bobos. Mas admitiram. Fui, num desses domingos. Preguei e, ao final, perguntaram, enfim, a decisão. Ora, disse eu, tem de orar. Afinal, como pode ser, assim, sem oração? Essa "espiritualizada" na coisa não tinha contra-argumento. 

      Puro despiste. Foi por isso que, no domingo seguinte, sentado no coral, por detrás do púlpito, cara a cara com a congregação em Cascadura, avistei a dupla Gerson e Valdemir entrando pelo portão. Disse comigo, pronto, caramba, esses caras  nem esquecem e nem desgrudam. Sorri amarelo, ao recebê-los lá fora. Nem adiantava perguntar por quê. Mas esperei. Sabe-se lá se a conversa seria outra...

      Não era. Então, o irmão já tem uma resposta para nós? Tinha. Racionalizei em instantes: Curicica, ambiente doméstico, cuido de lá, ora, conheço todos eles, emancipo como igreja e pronto: caio no ostracismo e na obscuridade com essa história de pastor. Esse meu 'sim", estilo Jonas, estilo abismo, estilo fuga. 

      Era 1982. O avô de minha esposa, na época, achou coerente pedir minha oordenação ao ministério. Fui me permitindo. Tal ordenação se deu em 2 de janeiro de 1983. E eu nem sabia que, junto com a tranquilidade da Congregação, em meio à homogeneidade, maturidade e fraternidade tocante daqueles irmãos, uma carga muito maior de responsabilidade desabaria sobre um cara de 25 anos em fuga.

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