quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Mal traçadas jornadas


   Tira a sandália dos teus pés

    Fim de jornada. Início de jornada. Capricho do calendário. Hora de tirar e repor sandálias. No Êxodo, diz que Deus pediu a Moisés que retirasse as sandálias dos pés. Para logo mais ele repor.

   Aquele homem já estava reduzido de filho da filha de Faraó ao desterro. Sobrava-lhe surrão, cajado e sandálias. Tirar sandálias significava ficar ainda menor do que já se sentia.

   Ficar do tamanho. Para continuar a jornada é melhor saber qual é o nosso tamanho. Com o que vamos ficar se tirarmos as sandálias. A razão dada por Deus era que a terra era santa.

  Uso como pisante. Uso como proteção. Para que o caminho não me machuque e eu não me suje. Caso eu tire minhas sandálias vou me expor. O que de santo pode haver nesse rude chão que eu piso?

   Valor. Tirar as sandálias mede o nosso valor. Para continuar a jornada sem saber também o tamanho dela é melhor saber o quanto valemos. Deus pediu a Moisés que avaliasse seu tamanho e real valor. Estava disposto a usá-lo.

  Deus está disposto a usá-lo. Para tanto, temos de, pelo menos, conhecer nosso tamanho e valor. Tirar as sandálias dos pés também é reconhecer que não dá para continuar a jornada sozinho.

  Olhe a seu lado. Seu tamanho, valor e cuidado dependem de quem está perto. Dependem do próximo. Nem Deus caminha sozinho. Na parábola que Jesus contou, o religioso não quis enxergar o próximo.

  Nem o aprendiz de religioso também. Então Jesus disse que o mais discriminado de todos foi quem enxergou o próximo. Ele soube que não dava para continuar a jornada sem pensar as feridas do próximo.

  Jesus, então, ensinou ao doutor da lei que não dá para continuar a jornada ignorando o próximo. Valor e tamanho se medem, diante de Deus, pelo valor dado ao outro. Deus queria usar Moisés em benefício de outros.

  Tiremos de nossos pés as sandálias. A jornada vai prosseguir. Mas não podemos caminhar sozinhos.

sábado, 24 de dezembro de 2016

Mal traçadas linhas 38


   Natal

   Frei Beto falou do menino chamado Lucas. Ele propõe três soluções, relacionadas a problemas cruciais da condição humana. Logo, a primeira lição que nos ensina, é que possui sensibilidade para reconhecer questões cruciais da condição humana.

  Quando nos tornamos adultos, perdemos essa sensibilidade. E o pior, estragamos nas demais crianças essa capacidade. A escola que inventamos, dizendo ser lugar para ensinar, deveria ser lugar de se aprender com elas.

   Jesus mesmo dissse, a nosso respeito e a respeito delas: não atrapalhem o caminho delas em direção a mim, porque elas têm, mais aguçado nelas, a sensibilidade de atinar com o Reino de Deus.

  Lucas, (1) com relação à escatologia, propõe que não nasça e nem morra mais ninguém. Olhar à volta, é mesmo constatar que, no final das contas, só vai mesmo ter jeito com intervenção divina: o fim da história humana e a instauração literal, histórica e forçada do Reino.

  O menino (2) sugeriu que Caim não mataria Abel, se dormissem em quartos separados. Pretendeu solucionar o problema do ódio, na condição humana. Socialmente falando, ódio é amor falsificado. Torna-se explícito de várias formas, em hipocrisia seletiva, cuja expressão máxima é o assassinato por causas fortuitas: praticamos isso toda a hora, abortando, em nosso íntimo, relações e detonando, com a língua, a reputação alheia.

  Ele (3) também sugeriu enviar sua capa (como chamam aqui agasalho) ao menino Jesus, por causa do frio, quando o viu desnudo no Presépio. Pretendeu, assim, resolver o problema da miséria humana, panos pra manga no dia do juízo, quando será cobrado o descaso da humanidade, incluída a própria, assim denominada, igreja de Cristo, pela responsabilidade com esse câncer social: mal emprego de recursos financeiros.

  Amanhã, na chácara, vamos reunir nossas crianças e propor que avaliem, mais uma vez, o que esperam do nosso espaço ali. Também vamos propor a elas que exponham motivos de oração. Talvez todas as soluções não venham ao nosso encontro, mas vamos ouvi-las e pensar numa ação conjunta.

  Reino de Deus é uma opção e invenção do Autor, que decidiu limitar-se, junto conosco, aos limites da condição humana. Talvez a inocência, sensibilidade e percepção da criança seja a melhor expressão disso. Quem sabe fique mais fácil a busca e o compartilhamento das decisões.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Pastorais em Filipenses


  Se há.

  Em Filipenses cap. 2, Paulo usa de refinada ironia, argumentando se aqueles crentes identificam, em Cristo, ponto de partida para o que se refere à igreja.

  Somos capazes de estabelecer convivência em grupo, apta para experimentar e pôr em prática qualquer harmonia de propósitos. Porque minha origem é o Rio de Janeiro, gosto de usar como imagem as Escolas de Samba.

   Como se esforça aquela gente. Já se decantou até em samba como o esforço de todo um ano aparece com brilho supremo no Carnaval: são 36 juízes para 9 quesitos. Tudo muito lindo, mas essa harmonia não é igreja.

   Para ser igreja, parte, provém de Jesus. Paulo relaciona: a partir de Cristo, para ser igreja, provém (1) exortação, (2) consolação de amor, (3) comunhão do Espírito e (4) entranhados afetos e misericórdias.

  Somente então será possível que, agora sim, esse distintivo de grupo, apresente: (1) pensar a mesma coisa, (2) ter o mesmo amor, (3) ser unido de alma, (4) ter o mesmo sentimento (que houve também em Cristo Jesus), (5) nada fazer por partidarismo ou vanglória, (6) considerar o outro superior a si mesmo e last, but not least, (7) não ter em vista o que é propriamente seu.

   Cada elemento desses provém de Jesus. Torna-se engenharia do Espírito, em amor, entranhado em nós por afetos e misericórdias. E aparece o que, no conjunto todo, pode-se chamar comunhão.

   Acho que, nesse texto, Paulo pormenoriza os elementos do que seja comunhão e seu resultado prático na igreja. Escola de Samba é um espectáculo bonito. Tem marcas da arte e da genialidade humana, bem brasileira.

   Mas igreja, comunhão, somente com a marca de Cristo, proveniente dEle, promovida pelo Espírito, em amor, em nosso meio.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

     
        O jovem Daniel

        A postura assumida por Daniel, expressa no seu livro, ensina-nos duas coisas: (1) a pressão que o mundo exerce sobre nós e (2) a reação possível.
       Nabucodonosor, soberano do Império Babilônico, que dominou o mundo no alvorecer do séc. VI a. C., decidiu convocar jovens de elite, entre os povos conquistados, para que fossem aculturados e servissem no Palácio Real.
        Seu perfil incluía: (1) nenhum defeito físico e boa aparência; (2) nível intelectual de doutorado; (3) habilidade em etiqueta para servir no Palácio. Durante três anos: (1) aprenderiam a cultura e língua dos caldeus; (2) até mesmo sua dieta alimentar seria mudada; (3) e os nomes trocados segundo os deuses daquele povo.
        A pressão cultural sobre a igreja de Jesus muitas vezes é imperceptível. Vamos sendo aculturados sem perceber. Nossa dieta de escolhas é mudada, não mais falamos a língua do Reino de Deus e, sem perceber, cultuamos deuses e valores deste século.
       Jesus ensinou que o ministério da igreja é estar no mundo, porém não ser mundo, Jo 17:15-17. Estar no mundo como Jesus esteve, porém não ser mundo como Ele nunca foi. O jovem Daniel, por meio de sua postura frente ao deafio que enfrentou, ensina-nos como enfrentar e vencer esse dilema existencial.
     

Alguns sermões

Três exortações em Filipenses:
1. Ter o sentimento de Cristo Jesus:
2. Acautelar-se da falsa conversão;
3. Ter em si a busca pela perfeição.
   
   1.    O sentimento de Cristo tem três características:
A. Amplitude: Jesus o punha em tudo o que realizava. Andava por toda a parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos do diabo impulsionado, em tudo o que fazia, por esse sentimento. Seria o amor?
B. Originalidade: somente em Jesus existe esse sentimento. Só em Jesus existe e tem sua origem. Por sua vez, está em Deus que, antes mesmo que houvesse mundo, trazia consigo esse sentimento.
C. Finalidade: existe para ser compartilhado. Nada que Deus tenha consigo e, por sua vez, concedeu ao Filho existe para ser retido. Tudo o que o Pai tem, é meu, disse Jesus. E disso o Espírito Santo recebe, para que possa compartilhar. E pela graça e de graça.

2.     A conversão é perda total, troca de qualquer outra coisa pela sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus;

- costumamos, de modo disfarçado, é claro, ter nojo do outro, repugnância ativa. É um disparate. Imagina a gente de avaliando superior ao outro. Absurdo que, se não fosse trágico, seria ridículo. Deus se esvaziou de Si (o que teria para perder?) a fim de se identificar conosco.

3. O Espírito Santo pôs em nós esse anelo, do mortal ser absorvido pela vida, de ter a vida de  Cristo oculta em Deus revelada no dia a dia.

- Paulo coloca como limite ser imitadores se Deus. É retórico? É impossível? Mas Ele opera em nós e o que, de nossa parte, é necessário na busca dessa perfeição? Vida piedosa. Vida com Deus, vida com a Bíblia, vida em comunidade, vida de oração, situações de amor ao outro, principalmente: amor é o cumprimento do ministério ou o cumprimento do ministério é o exercício do amor.

Artigos soltos 16


    O pesadelo de Abraão.

    Depois da guerra, Gênesis 14, o pesadelo, Gênesis 15: vai ver que uma coisa combina com a outra. Talvez, a psicologia explique.

    Quem já não teve um, ou vários? Pior, quando é acordado. Abrão, porque Deus não lhe mudara ainda o nome, teve o seu, pelo menos esse que foi descrito.

    Talvez mal acostumado, por ter sido inflacionado por Deus com tantas promessas, ele cobrava de Deus, efetivamente, seu cumprimento. Nada mais humano e tão mesquinho.

    Mas somos mesmo assim tão frágeis. Imaginem o eterno frente ao fugaz, nós diante de Deus. Não poderia ser outra a pergunta do homem: "O que me haverás de dar?".

     E o espanto reside no fato de que Deus respondeu. O Altíssimo se detém, para ganhar tempo ocupando-se conosco, com toda a nossa fragilidade. É certo que a preocupação de Abrão era com o filho.

    Deus confirmou. Pediu a Abrão que saísse e olhasse o céu. O céu que Abrão tinha diante dos olhos era o tamanho do universo. Eram todas as estrelas. Deus lhe pediu que contasse.

    As estrelas, Abrão, são a medida da tua bênção. Sair e olhar as estrelas mede o tamanho da bênção. Significa dizer, Abrão, "conta as bênçãos, dize quantas são: vem dizê-las, todas, de uma vez e verás, surpreso, quanto Deus já fez" (e continua a fazer).

   Abrão dispôs o sacrifício a oferecer, preparou-o e, daí para o anoitecer, não o ofereceu ainda, até que dormiu, até que enxotava aves que desciam sobre as ofertas dispostas e já recortadas para o ritual.

    Fez-se noite. Abrão exauriu-se de espantar as aves que vinham descarnar as rezes, recortadas para a oferenda. Dormiu, e "grande escuridão e grande espanto caiu sobre ele."

    Inflacionado de tantas promessas do Altíssimo, "te farei grande, te farei nação, te bendirei, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem", enfim, parecia que Abrão esquecia sua fragilidade e esquecia o que, na verdade, significa ser grande diante de Deus.

    Nada como um bom susto. Um bom pesadelo. Tochas de fogo desenhavam-se no feitio do corte das partes ordenadas para a oferta: "escuridão, fumaça e fogo". Nossa fragilidade nos dá medo.

    O que depara o futuro? Afinal, bênçãos de Deus se medem por nossa moeda de troca, atendem o que avaliamos como urgente ou, simplesmente, o quê? Talvez a resposta venha na forma de pesadelo.

    Mas depois, Deus pormenoriza e detalha as bênçãos e faz aliança conosco. Feita a aliança, nem precisa pormenorizar as bênçãos. O susto e o terror nos deixam mais lúcidos. Avivam os olhos da fé, que só olham adiante, como se vissem "Aquele que é invisível".

     Meçamos, diante de Deus, o que significa grandeza. Vamos assumir nossa fragilidade. Pormenorizemos, detalhe a detalhe, as bênçãos. E vamos seguir sem sustos, olhando em frente, como que vendo, diante de nós, Aquele que é invisível.

Artigos soltos 15


    A vida que pedi a Deus.

    Engano. Não pediu e não foi essa a vida que Deus quis dar. Perder mãe com câncer, avião cair com time inteiro e divórcio de casal não é, definitivamente, vida que se pediu a Deus.

   Entre um esgarçar e outro de preguiça matinal, me incomodaram esses três aspectos da existência, agrupados, nesse torpor, em minha mente, talvez, quem sabe, por pressão de uma agenda qualquer do calendário.

   Não foi a vida que se pediu a Deus. Essas coisas são consequências da escolha humana. Não entraram na agenda de Deus, uma vez suposto que avaliou tudo quanto fez, e eis que era muito bom.

  Acredita-se Deus assistir a tudo isso incólume. Pretende-se atribuir a ele responsabilidade por tudo. Onde fica, então, a tão reclamada liberdade de escolha? Ora, a decantada liberdade, não sabe, desconhece o homem como exercê-la.

  Livre arbítrio. Outra terminologia tão desgastada pelo uso. Mal sabe o homem exercer. Aliás, no meu improvável discurso, costumo afirmar que o homem não possui e não exerce o livre arbítrio: é prisioneiro de si mesmo.

  Quando aparecem os malfeitos, põe a culpa em Deus. Listei três deles. Queda de avião, é checar que princípio da física foi contrariado. Câncer, meandros da ciência médica, em suas disposições e limitações. Quanto a divórcios, caprichos da escolha humana.

  Não era para cair avião, não era para dar câncer em gente (nem em bicho) e não era para casais se separarem. Diz o mito da Criação, no Gênesis, que Deus viu tudo quanto fizera e eis que era muito bom. Houve tarde, manhã, sucessão de dias e a reviravolta pós queda. Mas recai, exclusivamente, sobre o homem essa responsabilidade.

    Escolhas suas. Poderá ser, alguém diria, das três, não dá para pôr câncer no rol das escolhas humanas. É involuntário aperceber-se com esse mal. Seria, então, mais atribuível a Deus essa responsabilidade. Terá posto o Altíssimo, na condição humana, esse desvio de finalidade?

   Ora, realmente, caso a razão esteja com os ateus, para o câncer há explicação científica, embutido entre todos os fenômenos de entropia existentes. Mas se a razão estiver com os deístas, a probabilidade de Deus ser acusado por indiferença, diante da presença dessa moléstia entre nós é grande.

   Trata-se da profunda insatisfação humana e a vontade de sempre responsabilizar os outros por suas próprias mazelas. O menor, mais brando, autêntico e inocente dos cânceres é esse, o biológico.

   Cânceres sociais são piores, escandalosamente notáveis, acentuadamente danosos e de flagrante responsabilidade do gênero humano. Nem por isso são mais concorridos ou denunciados como causados pelo Altíssimo. Seria ridículo responsabilizá-lo, porque são descaradamente urdidos por deliberações humanas.

   Essa é a vida que pedi a Deus. Não foi. Trata-se da escolha feita. Se há Deus, não ponha nele a culpa que cabe a todos nós. Se não existe Deus, descaradamente é nossa própria responsabilidade. Afinal, não deixa de ser nossa exclusiva responsabilidade.

sábado, 17 de dezembro de 2016

Artigos soltos 14


  A vitrine da miséria.

  Miséria humana. Mas onde reside, mesmo, a miséria humana? Onde a constatamos, mesmo, pelas estatísticas, no mínimo IDH, fotografado, ou no lado oposto, dos indiferentes, que dizem nada a ver com isso?

   Nos dois extremos, nos dois opostos. Alguém inventou as vitrines. Ora, o que mostrar nas vitrines, límpidos cristais, translúcidos e transparentes, escritas SALE, para inglês ver?

  Vitrines da miséria humana. Que tal invadirmos nossos shoppings, pondo os miseráveis nas vitrines? Passaríamos ao largo, vendo, com distância e nojo, toda essa imagem.

  É melhor não, porque a miséria é feia. É melhor que fique longe dos nossos olhos. Dentro das vitrines, estão nossos objetos de culto. Os shoppings são nosso templo e nossa religião.

  "Onde está o nosso tesouro, aí estará o nosso coração" (atribuída a Jesus). Nosso coração está distante da miséria humana. Ela deve ser culpa de Deus. Afinal, por que Deus não faz alguma coisa pela miséria humana?

  Não dá para repartir. Como ajudar 40% de crianças e adolescentes de países menos desenvolvidos com menos de 1 dólar/dia? A parte rica do mundo não tem com que ajudar. Já ajuda. "Cachorros comem das migalhas que caem da mesa dos filhos (de Deus)".

  Vai ver que os miseráveis não são filhos de Deus. Aliás, o Jesus dos pobres, do Joãozinho 30, foi mesmo censurado. Então, está provado. Jesus não é para os miseráveis.

  Não combina com Jesus. O rosto, o cheiro, a visão. A teologia é outra. Mudou a moda. Cada teologia a sua imagem e semelhança. Passou o tempo: "passou a sega, findou o verão e não estamos salvos".

  Talvez seja mesmo de Deus a culpa. Não é nossa. Vai ver que é dos miseráveis. Isso. Miséria? É castigo. A culpa da miséria, caso não seja de Deus, é dos miseráveis.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

 Tende em vós o mesmo sentimento.

     Bobagem. Má fé ou má informação de alguns. A gente, que lida com o texto bíblico, identificando nele valores, aqui e ali deleitando-se com suas histórias, evidentemente bem entendidas, é claro, se aborrece quando ouve besteiras sobre o texto.

    Alguns versículos da Bíblia podem ser considerados como síntese do livro todo. E também como teste, para identificar os mal ou bem intencionados sobre a mensagem do livro, como um todo.

    Esse de Filipenses é um caso: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus". Tomado como sua personagem essencial, Cristo, o apóstolo sugere que Ele seja protótipo de um sentimento original que somente nEle existe.

  Pura pretensão. O quê? Que só em Cristo exista esse sentimento? Ou que seja possível transferi-lo aos demais mortais? Ou as duas coisas?

  Ser cristão ou aproveitar o Livro, se é que se torna possível esse proveito, é ter em si esse sentimento. Ter em nós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus é a síntese do livro. Síntese da missão de Cristo, síntese do que é ser cristão.

   Controle de qualidade do livro, sua finalidade e utilidade, e da possibilidade de lhe valer a mensagem que proclama. Prova final é saber dessa possibilidade, de ter em si esse sentimento.

   O que é sentimento? Que sentimento é esse? E da possibilidade de termos em nós? Será necessário deslumbrar-se com a personalidade de Cristo, tentar enxergar o mundo, principalmente os outros, incluída a oportunidade dessa breve vida, pela ótica do Mestre.

   Esse exercício requer mais do que somente reflexão, será necessária comunhão. A Bíblia prescreve essa natureza de comunhão, estabelecendo uma conversão radical a Deus, do mesmo modelo de relação que Cristo teve com Ele, a quem chamava Pai.

   No caso de Cristo, a filiação é autêntica, no nosso caso, baseia-se nessa conversão, que significa morte e ressurreição da própria personalidade, somente assim, nessa ressurreição, o sentimento tem chance de passar a ser natural em nós.

   Esse tipo de morte é mais radical em relação à morte física, determinista e irredutível. Sem alternativa. Assim como não há como escapar da morte física, é melhor experimentar essa outra. A existência somente tem essa opção: é melhor escolher uma como antídoto da outra.

   Igual a semente. O sentimento só brota se houver morte. Caso não ocorra, ele não surge, nem artificialmente.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Mal traçadas linhas 37

Amigo da mulher, de Pagola.
 
    Jesus resgata o valor da mulher na cultura patriarcal de seu tempo. Iguala ambos os sexos na relação com o Pai, resgatando o sentido de ser "homem e mulher" criados à imagem de Deus.

    O sentindo prático dessa revelação da práxis de Jesus, que transparece em suas atitudes, nos textos dos evangelhos, é que o trato com as mulheres, especificamente na relação conjugal, deve se tornar revolucionário.

   E não será no sentido de se avaliar que a elas deve ser dada chance e oportunidade de que se destaquem, do modo como o próprio Jesus as destacou, porém no sentido de sua definitiva emancipação.

    A avaliação delas, sempre sensível,  é que será o indicador de que nós, homens, palavras do próprio Paulo, aos Efésios, estamos cuidando delas como Cristo cuida de sua esposa, a igreja.

  Aliás, esta deve ser a pergunta-padrão do marido a sua esposa: na sua opinião, tenho cuidado de você do mesmo modo que Cristo cuida de sua igreja, dispondo-me a dar corpo e vida por você?

   Nesse mister, o homem se cala, e a mulher, com toda a sua sensibilidade, deve falar e o marido somente ouvir. A proposta de Jesus sempre foi que as mulheres tivessem voz, o que se torna difícil, mesmo para nós, com todos esses séculos de peso sobre nós e sobre elas.

    Aliás, torna-se difícil, mesmo para elas, dizer. O que vão dizer? Se há tanto tempo ficaram (e sofreram) caladas. E nós não achamos que tenham algo a dizer. Em nossa abalizada avaliação, julgamos que estejam bem, muito bem, cada vez melhores, contanto que continuem no seu lugar.

   Não equivalemos as duas sentenças aos Efésios, enfatizando apenas aquela da submissão, esquecendo propositalmente a que diz que devemos amá-las como Cristo ama Sua igreja. Cometemos alguns erros, muito provavelmente propositais, quando lemos também o Gênesis.

   "A imagem de Deus os criou, homem e mulher os criou", neste trecho não lemos homem E MULHER ambos criados à imagem e semelhança de Deus. Seguimos achando que Deus tem a nossa (de homem) cara.

   E no trecho da queda, lemos "a vontade da mulher vai pertencer ao homem" como regra e não no contexto do que na verdade se postula, que é a queda. Essa declaração é uma advertência aos dois, homem e mulher, para que não pratiquem essa subordinação.

  É muito fácil para o homem praticar,  postular e ler o texto bíblico de uma forma a sempre achar que sua interpretação é patrimônio nosso (masculino), e mesmo quando diz algo sobre mulheres, deve ser entendido pela ótica machista reducionista.

   Perguntem à mulher. O que você tem a dizer sobre mim? Talvez, se ela disser, possamos ouvir e compreender que, muito do que elas têm a dizer vai nos incomodar e se inscrever, pelo menos, em três modalidades.

   (1) O que não percebemos, pois são sentimentos delas que passam despercebidos por nós, incluída a avaliação que, o tempo todo, fazem a nosso respeito. Interessante que costumamos idolatrar a memória de nossa mãe, porém violar a vontade de nossa esposa.

  (2) O que, então, elas poderão externar, já que foi dada a chance e, muito provavelmente, os papéis vão se inverter, porque isso está explícito no texto aos Efésios: quem ama, muitas vezes se submete. Nós homens temos muito que ouvir delas e seguir, sensíveis, as orientações que nos transmitirem.

  (3) Há coisas que elas nem mais serão capazes de descobrir e identificar, tão acostumadas já estão a essa opressão. Somente juntos, homem e mulher, como Deus, um dia, romanticamente imaginou, poderão descobrir juntos. Dessa parceria deve surgir a libertação tão esperada. Pelos dois: quando aprisionamos nossas esposas, também perdemos nossa liberdade.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016


     Orações de Paulo.

     Supondo, mesmo, que Deus ouça orações feitas pelos mortais, torna-se uma pausa onde parece que o infinito se detém, diante do efêmero e frágil, a fim de ouvir.

    Como se já não soubesse o que vai ser dito. E Paulo, em três orações que registra, Filipenses 1:3-11, Efésios 1:15-23 e 3:14-21 e Colossenses 1:9-12, formula suas suposições.

    Creio haver três tipos básicos de oração: (1) anterior e primeira entre todas, aquela da conversão; (2) logo após, quando percebemos que devemos orar por tudo; e (3) alcançada a maturidade, aquelas que avaliamos serem essenciais.

   Essas que Paulo delineia nas "Cartas da Prisão" são do tipo essenciais. Entre todas as demais orações, seu conteúdo define o que é ser cristão e, portanto, torna-nos todos participantes do que é solicitado.

    Pedem três aspectos indissociáveis da vida cristã: (1) crescer em amor; (2) o viver de modo digno de evangelho; (3) dar fruto. Os textos acima citados, uma vez comparados, são autoexplicativos e se interpretam mutuamente.

   Amor está sempre associado à percepção, à capacidade de escolher o que, aos olhos de Deus, é excelente. Escapa ao nosso entendimento e, como "sentimento de Cristo", não nos compete enumerar uma lista de preferências, porém, como Jesus, incluir todos nessa relação.

    Quanto a ser sincero para o dia de Cristo (Filipenses), que se compara ao viver de modo digno do evangelho (Colossenses), define a marca de caráter dos que foram regenerados e, então, aparecem no mundo como sinal profético do Reino de Deus: sal da terra e luz do mundo, missão da igreja.

   E quanto a dar fruto, igreja, no mundo, é presença e ação, sem que uma se dissocie da outra. Como diz Tiago, não dá para mostrar uma fé sem obras. Fruto, pelo que Jesus falou, na metáfora da videira, é para o que fomos designados.

   Por essa causa me ponho de joelhos diante do Pai. Essas orações escritas por Paulo definem, com clareza, elementos permanentes e constituintes do que é ser igreja: conhecer o amor de Cristo, que exede todo entendimento, para que sejamos tomados de toda a plenitude de Deus.

   Para que o mortal seja absorvido pela vida (Coríntios 2). O apóstolo não faz por menos.