terça-feira, 23 de agosto de 2016

Minidevocionais 3 - Efésios cap. 1 - O Salmo de Paulo


        O Salmo de Paulo.
(1)

        Costumo chamar o capítulo 1 da carta aos Efésios de salmo. Entendo que afina-se com esse gênero literário desde a introdução.

        Paulo, por meio de uma belíssima expressão, discorre uma palavra de exaltação a Deus, usando de um pleonasmo (redundância, repetição para reforço) que se constrói mais ou menos assim:

       "Bendito o Deus de bênçãos que nos abençoa com todas as bênçãos".

        É da natureza de Deus abençoar. E Paulo passa a enumerar os itens e natureza dessas bênçãos. A primeira (1) é que Deus, antecipadamente, predestinou o ser humano para ser alvo de Seu amor.

        Falar de Deus é falar de amor. Falar de amor é falar de Deus. Isso desde que João, por meio de seu aforismo, decidiu escrever "aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor".

        A primeira bênção é dizer que, em Sua solidão, desde a eternidade, Deus não tinha outra coisa com que se ocupar, senão com o amor, senão com amar e senão com o colocar o ser humano, homem e mulher, como alvo prioritário, por que não dizer único, desse amor.

         Esta é a primeira bênção. Talvez devamos dizer que é a bênção origem de todas as demais. A história de Deus é amor e a nossa história com Deus começa pelo e por amor, perdura e se plenifica em amor.

        Há várias definições bíblicas para o que significa ser crente. Uma delas está em Ef 5:1, ser "imitador de Deus". Pois que seja aprendendo e praticando, continuamente, o amor.


        O Salmo de Paulo.
(2)

        Na Sua escolha em amor, Paulo destaca que Deus (2) nos quer perante Si santos e irrepreensíveis. Aqui, de novo, um apóstolo nos socorre ajudando a entender o que isso significa.

        É Pedro que, em sua carta, 2 Pe 1:3-4, indica o modo como Deus nos quer tornar, nada mais, nada menos do que coparticipantes de Sua natureza. Só assim entendemos o que significa afirmar que Deus nos elegeu para sermos, diante dele, santos e irrepreensíveis.

         O que Deus intentou realizar no Gênesis, e de fato realizou, que foi criar o homem e a mulher a sua imagem e semelhança, Gn 1:27, Ele levou a efeito e realizou.

         Mas houve ruptura quando da queda: morte, na Bíblia, é mais e pior do que morte física, é ausência total de comunhão com Deus, perda total de identidade humana e a consequente deformidade do pecado, Dt 32:4-5.

         E a ação restauradora de Deus, em amor, para conosco não consiste num kit de benesses, como muitos avaliam, julgando que bênçãos são dispositivos de farta distribuição de itens que escolhemos.

         Mas, como João de novo afirma, em Jo 10:10, Deus deseja para nós vida plena em Cristo, este a quem Pedro denomina "autor da vida", At 3:15. Salvação é ser alcançado e lavado pelo sangue de Cristo, para viver em santidade diante dEle.
     
        Deus não deseja para nós somente uma vitrine de bênçãos ou shopping de opções de consumo, porém muito mais: vida plena em Jesus, como coparticipantes da natureza divina, santos e irrepreensíveis perante Ele.

        Uma vez que assim se entenda, bem, então, muito bem, sob a égide das genuínas bênçãos. Não compreendido dessa forma, pura idolatria, projeção contemporânea de um Deus criado a nossa própria imagem e semelhança.


    O Salmo de Paulo.
(3)

       "E nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo", Ef 1:5a. Em Cristo, tornamo-nos (3) autênticos filhos de Deus, pois desde o batismo do Espírito em Cristo, temos o DNA do sangue de Jesus e o antídoto contra o pecado
     
        João aborda essa mesma temática, 1 Jo 3:1-2 e, em relação a Paulo, avança ainda mais: (1) ser filho de Deus é uma concessão de amor; (2) mesmo como filhos de Deus, não se manifestou ainda o que seremos e, (3) quando Deus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque haveremos de vê-lo como ele é.

         De inimigos de Deus, Rm 5:10, somos chamados a ser amigos de Deus, Jo 15:15, no caso aqui mais do que simplesmente servos. Deus não tem limites quando seu objetivo é aproximar-se de nós: Ele estabelece comunhão, Jo 17:21.

        De inimigos no entendimento, por causa de obras malignas, Ef 2:3, passamos a servos, mais que isso, a amigos de Deus, filhos autênticos e, como afirma João, não se manifestou ainda o que haveremos de ser.

        Bendito o Deus de bênçãos, que não se contenta em nos tornar, de inimigos, servos; de servos, amigos; mais do que isso, somos filhos, sem que se tenha ainda se manifestado tudo, então: este é o sentido de ser igreja.
 

     O Salmo de Paulo.
(4)

         Assim denominamos Ef 1:3-14. Numeramos as bênçãos que o apóstolo passa a descrever. Esta (4) é a redenção pelo sangue de Jesus e a consequente remissão dos pecados, v.7.

        Redenção está associado a resgate. Como escravos do pecado, como ocorria na antiguidade, estávamos acorrentados em praça pública, expostos a venda, destituídos de liberdade.

        E o pecado que nos mantinha escravos não era um peso de alta tonelagem sobre nós, mas atitudes engendradas por nossa mente e coração doentios, com nossa assinatura e autoria.

       De dentro para fora, na origem do pecado que, como diz Jesus, procede "de dentro, do coração do homem", Mc 7:21, é que fomos redimidos. Deus foi na origem do problema, resolvê-lo, Ele mesmo se fazendo homem e, pelo Seu sangue, remindo-nos, batizando-nos em Cristo, pelo Espírito.

        Remissão dos pecados significa retirada, abolição da culpa e pagamento do preço da dívida. Jesus nos retirou da escravidão, conquistando-nos para Si, como diz Paulo a Tito, "educando-nos, para renegarmos as paixões mundanas", Tt 2:11-12.

        Como diz o autor de Hebreus 13:13, somos pecadores redimidos, carregando a vergonha de Cristo, sim, mas não nos envergonhando do evangelho, Rm 1:16.

       Deixemos de lado a vaidade pessoal e mostremos ao mundo que agora temos a marca do sangue, a marca da redenção, sim, mas ainda com as cicatrizes do pecado.

       E não deixemos o pecado se insinuar, novamente, em nossas vidas. Porque estamos livres do poder do pecado sobre nossas vidas, mas não da presença do pecado. E lutar contra e vencer se chama santificação.


         O Salmo de Paulo.
(5)

         A graça (5) de Deus, palavra grega que não tem tradução literal em português, refere-se a tudo o que Deus pode dispor, em Sua bondade, e conceder a cada um de nós.

        A matemática de Deus é diferente da nossa. A oferta e sacrifício de Jesus é a marca principal de Sua graça.

        Mas essa mesma graça não é repartida como dom infinito, numa conta de dividir que inclua a humanidade inteira: é concedida toda, por meio de Cristo, a cada um que crê.

        Por meio dela, obtivemos: (a) redenção e remissão de pecados; (b) a dádiva da própria graça, em toda a sabedoria e prudência; e (c) o mistério da revelação de Sua vontade.

          Pela graça somos salvos, mediante a fé, Ef 2:8, e também, por ela, temos acesso à justificação pela fé, Rm 5:1-2. E também nos é concedido o Espírito Santo, At 2:38, por meio de quem conhecemos os mistérios da vontade de Deus, 1 Co 2:9-10.

         Mistério, no Novo Testamento, significa o contrário do que no sentido corriqueiro: trata-se do conhecimento da vontade de Deus a nosso respeito. Como está escrito em Jo 6:40, a primeira vontade de Deus é a salvação de todo aquele que crer.

        E o principal mistério escondido, que anjos e profetas do Antigo Testamento desejavam, antecipadamente, conhecer, como indica Pedro 1:10-12, diz respeito à salvação e o modo como ela se revelou em Cristo Jesus.

        Somos resultado vivo da graça de Deus. Como igreja, cabe a nós mostrar ao mundo, a cada um, sua vital importância. E fazer entender o valor da mensagem do evangelho, que encerra em si tudo o que Deus tem a oferecer como dom precisoso, fruto de Sua graça.


      O Salmo de Paulo.
(6)

       Há bênçãos anotadas por Paulo que você ainda pode enumerar. Vamos parar nesta (6) que aponta Cristo como aquele que (1) reúne em Si todas as bênçãos e (2) por meio de quem Deus distribui todas as bênçãos.

       Não há dádiva e bênção maior do que Jesus. Por seu sangue, obtivemos redenção e tornou-se possível que o Espírito Santo habitasse em nós, santificando-nos até o dia do nosso resgate, propiedade de Cristo que agora somos, Ef 1:14.

        Também por meio de Cristo fomos criados à imagem e semelhança de Deus, Cl 1:14-16, e em Cristo somos batizados no Espírito Santo, para que sejamos igreja de Deus, Ef 2:20-22.

        Jesus é a bênção maior, para quem todas as demais convergem e a partir de quem todas as demais são concedidas. Neste versículo, Ef 1:10, Paulo deseja exatamente explicar isso.

         Deus concentra em Jesus todas as bênçãos. Quanto a nós, devemos educarmo-nos para compreender o que é essencial. Por exemplo, a oração que Jesus ensinou em Mt 6:9-13, o "Pai Nosso", pede o essencial.

         Quando João cita, em 14:13, que tudo o que pedirmos, obteremos, quer dizer que Deus concede o essencial para vivermos segundo Sua vontade e buscarmos, em primeiro lugar, Seu reino e Sua justiça, Mt 6:33-34.

        O Salmo de bênçãos de Paulo nos indica que todas são (1) concedidas em Cristo Jesus e por meio dEle, (2) que elas são formadoras da nossa identidade como igreja e (3) que devemos proclamá-las como privilégio da graça de Deus aos que creem.

         Cabe a nós educarmo-nos para entender que nos são concedidas como prioridade para o cumprimento de nosso ministério e crescimento no Reino de Deus.

     
                                    Cid Mauro Oliveira.

     

   

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

               Ferreira Gullar