quarta-feira, 29 de junho de 2016

Artigos soltos 11


     Salmo 123
     O próprio número desse cântico de romagem anônimo, shir hamahalot, no hebraico, significando cantar enquanto caminha, enquanto peregrina, indica começo de cartilha.
     E o salmo, em si, apresenta o tema talvez o mais sensível, na Bíblia, para indicar a personalidade da personagem principal dela, que é Jesus, e o que se requer de nós: serviço.
      O pequeno cântico, esse corinho do saltério destaca a sensibilidade que deveria ser, para leitores atentos da Bíblia aquilo que, na vida desses leitores deveria ser o destaque: pôr a si mesmos ao serviço do pastor Jesus.
      Olhos atentos, diz o salmo, homens e mulheres, na mão do Senhor: o que Ele quer, de que Ele precisa? É justo o inverso da ótica mais frequente e atual, pela qual Deus está lá, nas alturas, para nos prestar serviço.
      Trata-se do contrário, diz o autor anônimo desse shir, desse cântico: ponho os olhos nas mãos de meu Deus, que se compadece de nós. Deus se compadece de todos e coloca uns a serviço dos outros.
      Deus tem tarefas a realizar e nos empenha nesse serviço. Não é servidão, é serviço. Tudo o que fazemos e não somente assuntos diretamente relacionados a igreja, deve ser culto dedicado ao Senhor.
     Aparecem outras palavras no salmo, principalmente "desprezo", "escárnio" e "soberba". Por que desprezo? Será da parte de quem avalia que servir a Deus é perda?
    Por que escárnio? Será porque há quem deseja que seu trabalho não seja reconhecido como legítimo? Por que soberba? Diz Habacuque que o soberbo não tem reta a sua alma e que não vive por fé.
      Sem fé é impossível caminhar com Deus. Pôr os olhos nas mãos do Senhor e colocar-se a Sua inteira disposição, considerar e valorizar-se a partir desse serviço são passos de fé, assim como não se assentar à roda de escarnecedores: eles desejam ver o seu fracasso e não julgam prioridade neste século dar a Deus espaço de ação.
      Ponha seus olhos e fique atento ao que Deus deseja fazer. Ele precisa do teu serviço.

Artigos soltos 11


     Salmo 123
     O próprio número desse cântico de romagem anônimo, shir hamahalot, no hebraico, significando cantar enquanto caminha, enquanto peregrina, indica começo de cartilha.
     E o salmo, em si, apresenta o tema talvez o mais sensível, na Bíblia, para indicar a personalidade da personagem principal dela, que é Jesus, e o que se requer de nós: serviço.
      O pequeno cântico, esse corinho do saltério destaca a sensibilidade que deveria ser, para leitores atentos da Bíblia aquilo que, na vida desses leitores deveria ser o destaque: pôr a si mesmos ao serviço do pastor Jesus.
      Olhos atentos, diz o salmo, homens e mulheres, na mão do Senhor: o que Ele quer, de que Ele precisa? É justo o inverso da ótica mais frequente e atual, pela qual Deus está lá, nas alturas, para nos prestar serviço.
      Trata-se do contrário, diz o autor anônimo desse shir, desse cântico: ponho os olhos nas mãos de meu Deus, que se compadece de nós. Deus se compadece de todos e coloca uns a serviço dos outros.
      Deus tem tarefas a realizar e nos empenha nesse serviço. Não é servidão, é serviço. Tudo o que fazemos e não somente assuntos diretamente relacionados a igreja, deve ser culto dedicado ao Senhor.
     Aparecem outras palavras no salmo, principalmente "desprezo", "escárnio" e "soberba". Por que desprezo? Será da parte de quem avalia que servir a Deus é perda?
    Por que escárnio? Será porque há quem deseja que seu trabalho não seja reconhecido como legítimo? Por que soberba? Diz Habacuque que o soberbo não tem reta a sua alma e que não vive por fé.
      Sem fé é impossível caminhar com Deus. Pôr os olhos nas mãos do Senhor e colocar-se a Sua inteira disposição, considerar e valorizar-se a partir desse serviço são passos de fé, assim como não se assentar à roda de escarnecedores: eles desejam ver o seu fracasso e não julgam prioridade neste século dar a Deus espaço de ação.
      Ponha seus olhos e fique atento ao que Deus deseja fazer. Ele precisa do teu serviço.

domingo, 19 de junho de 2016

Artigos soltos 10


       Salmo 16.
       Em meio às possibiliddes variadas de abordagem, três destaques possíveis: (1) a primeira declaração, "Tu és o meu Senhor, outro bem não possuo"; (2) Ele é a porção da minha herança, sustenta a minha sorte, é de delícias e formoso o lugar de meus limites"; (3) Tenho posto diante de mim o Senhor que até de noite me ensina, jamais vacilarei."
       Sintetizando, o Senhor é o maior bem, cerca de zelo e cuidado minha vida e me sustenta e instrui. Considerar Deus o bem maior, implica opção consciente. Uma escolha dessas transparece na vida de quem a faz.
       Olhando à volta, na caminhada da própria vida, se foi feita essa escolha de prioridade, as demais escolhas têm a marca dessa principal opção. Certamente não haverá sobressaltos e o resultado, a olhos vistos, será belo.
      E todo o conjunto de opções e marcas desse cuidado pode ser reconhecido e descrito em palavras, encomendado como opção a outros. Nesse mundo atual tão secularizado, no qual o que se refere a Deus é definitivamente posto de lado, indicar tal escolha como prioridade constitui-se numa escolha corajosa.
       Deus, em sua comunhão conosco, revela-se a maior opção e o maior bem, em Sua providência revela-se como quem nos supre em todas as circunstâncias e necessidades, e também fonte inteligente de minha confissão e testemunho.
     

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Mal traçadas linhas 32


        Vigília
         Grão de mostarda. A fé deve ser algo enorme, muito grande mesmo, de enorme potência. Curioso, muito curioso Jesus compará-la a esse grão, que a parábola mesma afirma ser o menor entre as sementes de hortaliças.
          Contraditório, bem ao estilo Jesus. Gosta de tirar as coisas pelo seu contrário. Amar, é sentimento que se devota, antes de mais nada, a inimigos: agora, age assim.
         Quer ganhar a vida? Como é mesmo, prosperidade? É perda total. Se alguém tentar ao contrário, entra no ganha e perde: ganha a vida, perde Jesus.
          Oração: não é pelo muito falar que vai ser ouvido. Quer aparecer? Perdeu: entra no teu quarto, ora em secreto, Deus vê a verdade no íntimo, vai te responder.
          Vai falar muito? Vai insistir? Vai repetir? Filtra: cuidado com as vãs repetições. Raciocina, seja inteligente, aliste prioridades.
          Todas as vigílias, todos os jejuns, todas as orações numa só: um grão de mostarda. Uma só perda, total, num só gesto, num só batismo, ganho definitivo.
          Há certas ironias no crer. Sempre significando o contrário das expectativas humanas. Paroxismo. Jesus praticava o inverso daquilo que o homem, humanidade, valoriza.
         Tudo num só gesto. Certa vez, esqueci o nome, ouvi falar de um filósofo que sintetizava a humanidade num só traço, caracterizada numa prática que ela mesma era incapaz de abandonar: a violência.
         Portanto, num só e extremo gesto de violência, como diz Pedro em seu sermão, matastes o autor da vida (e da fé): num só gesto, numa cruz, uma síntese.
        Toda a fé, todas as orações e vigílias num só gesto, num grão de mostarda, numa só entrega, num só batismo. Vida por vida. Perde e ganha. Gesto de amor.
        Agora, age assim.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Dorcas - por um dos amados sobrinhos



MENSAGEM

"Tia Maninha" e ou Dorcas: um depoimento como sobrinho em três dimensões da sua vida:

1. Maternal. O nome "maninha" já traduz o modo como ela era apropriada no contexto familiar, uma intimidade próxima e carinhosa. Lembro de não poucas cenas da infância e da adolescência com os natais em família, os almoços dominicais, os hinos para acordar pra ir pra escola dominical, o chá para gripe, os presentes inesperados, o talento na cozinha, a dança quando chegou chuva no sítio em Itaguaí depois de um período longo de estiagem. A outra mãe das irmãs e dos sobrinhos, visitadora, carinhosa, face cálida e sorriso simples como a mãe Eunice, trazia todos para junto de si, juntava e agregava. Assim como Jesus queria fazer com Jerusalém na metáfora da galinha que reúne os pintinhos debaixo das suas asas. Confissão: um sentimento de pertencimento e de propriedade da Tia Maninha ("minha Tia Maninha").

2. Evangélica. Dorcas: nome bíblico, nome da avó, liderança na denominação (quase uma entidade, uma instituição), escritora de vida cristã, presidente da COUAF; um nome que reúne força, cuidado e zelo, como a Dorcas em Atos 12, operosa e preocupada com os mais pobres e os mais simples. Nisso ela tão somente imitou ao Senhor Jesus nas palavras de Pedro: "andou por toda a parte fazendo o bem" (num sentido mais poético e profundo pra definir o ser evangélico: andou ou peregrinou, por toda parte ou lugares e ambientes possíveis de suas relações, fazendo o bem). Não foi desse jeito que Deus se fez gente para estar com as gentes e cuidar delas! Deus não se fez árvore, montanha, templo, um espírito, não se fez judaísmo e nem cristianismo, fez-se humano acessível aos empobrecidos, aos enfermos, às mulheres, às crianças. Dorcas foi um nome para a ação caridosa em favor do que sofre, humana é simples. Mulher múltipla como em Pv 31, mas não perfeita. Carregava distintos mundos em sua mente: da família, do filho, dos netos, da igreja, da COUAF, das Revista Vida Cristã, dos missionários.

3. Geracional. Uma geração que se vai (não se esvai como vento sem sentido) como testemunho do Deus que se revela de geração em geração. Deus é o Deus de geração em geração (Sl 90.1; 119.90): não de estruturas religiosas e eclesiásticas, não de dogmatismos intolerantes, não de moralismos e códigos de conduta, muito menos de fundamentalismos baseados em ameaças e culpas. Deus é o Deus de pessoas, Ele aparece a pessoas em suas relações, em seus dramas, seus dilemas, suas histórias de vida, em suas dúvidas e incredulidades. Deus é um Deus biográfico: de Abraão, de Isaque e de Jacó. O mesmo Deus de Rufina Matos, de Dorcas Lima, de Eunice Lima e de Dorcas Oliveira. Uma sequência de gerações de evangélicas, uma santa linhagem feminina em quatro gerações, marcada pela simplicidade e pelo compromisso com o Evangelho na sua integralidade, construtora de comunhão porque agregava pessoas em torno da graça e da Cruz.
   
Pr. Lyndon de Araujo Santos.




































"Tia Maninha" e ou Dorcas: um depoimento como sobrinho em três dimensões da sua vida:

1. Maternal. O nome "maninha" já traduz o modo como ela era apropriada no contexto familiar, uma intimidade próxima e carinhosa. Lembro de não poucas cenas da infância e da adolescência com os natais em família, os almoços dominicais, os hinos para acordar pra ir pra escola dominical, o chá para gripe, os presentes inesperados, o talento na cozinha, a dança quando chegou chuva no sítio em Itaguaí depois de um período longo de estiagem. A outra mãe das irmãs e dos sobrinhos, visitadora, carinhosa, face cálida e sorriso simples como a mãe Eunice, trazia todos para junto de si, juntava e agregava. Assim como Jesus queria fazer com Jerusalém na metáfora da galinha que reúne os pintinhos debaixo das suas asas. Confissão: um sentimento de pertencimento e de propriedade da Tia Maninha ("minha Tia Maninha").

2. Evangélica. Dorcas: nome bíblico, nome da avó, liderança na denominação (quase uma entidade, uma instituição), escritora de vida cristã, presidente da COUAF; um nome que reúne força, cuidado e zelo, como a Dorcas em Atos 12, operosa e preocupada com os mais pobres e os mais simples. Nisso ela tão somente imitou ao Senhor Jesus nas palavras de Pedro: "andou por toda a parte fazendo o bem" (num sentido mais poético e profundo pra definir o ser evangélico: andou ou peregrinou, por toda parte ou lugares e ambientes possíveis de suas relações, fazendo o bem). Não foi desse jeito que Deus se fez gente para estar com as gentes e cuidar delas! Deus não se fez árvore, montanha, templo, um espírito, não se fez judaísmo e nem cristianismo, fez-se humano acessível aos empobrecidos, aos enfermos, às mulheres, às crianças. Dorcas foi um nome para a ação caridosa em favor do que sofre, humana é simples. Mulher múltipla como em Pv 31, mas não perfeita. Carregava distintos mundos em sua mente: da família, do filho, dos netos, da igreja, da COUAF, das Revista Vida Cristã, dos missionários.

3. Geracional. Uma geração que se vai (não se esvai como vento sem sentido) como testemunho do Deus que se revela de geração em geração. Deus é o Deus de geração em geração (Sl 90.1; 119.90): não de estruturas religiosas e eclesiásticas, não de dogmatismos intolerantes, não de moralismos e códigos de conduta, muito menos de fundamentalismos baseados em ameaças e culpas. Deus é o Deus de pessoas, Ele aparece a pessoas em suas relações, em seus dramas, seus dilemas, suas histórias de vida, em suas dúvidas e incredulidades. Deus é um Deus biográfico: de Abraão, de Isaque e de Jacó. O mesmo Deus de Rufina Matos, de Dorcas Lima, de Eunice Lima e de Dorcas Oliveira. Uma sequência de gerações de evangélicas, uma santa linhagem feminina em quatro gerações, marcada pela simplicidade e pelo compromisso com o Evangelho na sua integralidade, construtora de comunhão porque agregava pessoas em torno da graça e da Cruz.























segunda-feira, 6 de junho de 2016

Artigos soltos 9


   Traição  da palavra.
   Palavra é versão. Sem desespero, por favor. Embora a linguagem seja o traço distintivo e diferenciador para os racionais e, muito embora, os racionais, eventual e frequentemente ajam como irracionais, há limite para a palavra.
   Palavra trai porque, de imediato proferida, já é versão. Deixou em seu lugar o que descreve e trouxe consigo a versão. E mais: quem produziu a palavra viu, de um modo, que pensou ter transmitido, carreado na forma que deu ao texto, porém quem lê (ou quem ouve), lerá diferente e outra versão surgirá: a versão não mais do autor, porém a versão do leitor.
     Já temos aí três possibilidades: o que, em si, foi veiculado por meio da linguagem, carreado pela linguagem como conteúdo, a versão do autor e a versão do leitor. O texto, portanto, será o que o autor pensou ter visto e a versão do leitor o que este pensou ter lido ou, definitivamente, a leitura que fez.
      Não há como fugir dessa leitura de mundo. Sem desesperos, porque temos chegado, como humanidade, até aqui, sem saber, nitidamente, aonde vamos, mas já somos esse monumento que aí está. Seja, portanto, descrito.
      Porém, pelo menos, entendamos e sejamos humildes em função dessa mera relatividade. Nos corredores do HFCF presenciei uma aula. Já é um exercício de humildade ouvir, com proveito, aulas. E o professor ensinou duas coisas fundamentais nesse mesmo inesquecível dia:
     A primeira, não há limites para as perguntas. Pergunte sempre. E, quando achar que tem todas as respostas, alerte-se, porque emburreceu - coitado do burro, um dos mais inteligentes entre os equinos -, presumiu-se ou ensoberbeceu-se.
     A segunda, nunca seja apressado. Embora vivamos no tempo on line, whatsapp, instagram, cadencie sua vida e seu senso de observação. O professor era um cirurgião modelo, experiente e famoso, no contexto de outros mais famosos ainda, e ministrava aula a acadêmicos de medicina.
     ' Taí ' um bom exemplo de como a palavra trai: o aprendizado, pesquisa, ensino e transmissão de uma ciência tão complexa como a medicina. Seu objetivo último: a partir da compreensão das funções dos organismos vivos, mantê-los funcionando de modo perfeito, contra qualquer bad fuction interna ou malefícios externos invasivos.
      Precisão da palavra. Exatidão da palavra. No mundo das ciências exatas, diagnósticos e prescrições, a palavra não trai. Apenas quando não mais é possível devolver ao corpo sua estabilidade. Então, tudo o que já se sabe não mais adianta. Fecha-se o livro, desliga-se a luz e fecha-se a porta.
      Não é que a palavra, de novo, traiu. É que tudo o que já foi dito até ali ou tudo o que se sabe, tornou-se inútil. Não resolveu aquele drama específico. Saiamos, de novo, ao encalço da palavra, sendo humildes diante do objeto em si, nunca deixando de fazer as perguntas acertadas e muita, mas muita paciência, cadência e senso de observação.

sábado, 4 de junho de 2016

Mal traçadas linhas 31

 
     Sarça
     Lembram dela? Planta de regiões desérticas, com aspecto de cabeleira black power, lembram delas?
     Inclusive, dei uma olhadela no Google, curiosidade, dizem serem duas. Estava lá seu, das duas, nome científico: uma, "espinheira da família das fabáceas", hospedeira da outra, Loranthus acaciae.
     A parasita tem cor avermelhada, destacando-se a partir dos contornos de sua hospedeira, dando a impressão de uma chama em forma de leque.
      Assim se explica. Mas, nas Escrituras do Antigo Testamento, é mesmo a planta que Deus usou para chamar a atenção de Moisés, a qual queimava sem se consumir, simbolizando providência, aflição ou fatalismo, três coisas que subsistem, enquanto existir o ser humano.
       Fatalismo, porque basta que esteja nas mãos dos homens, na dependência de seus desígnios, para que finde dando em má história. Há uma sina da qual a humanidade não se livra, de que sempre dará curso a sua história para um final fatal, injusto e infeliz.
       Aflição, porque não há experiência humana sem que o sofrimento se avizinhe e atropele a história, seja ela individual ou coletiva.
       Providência porque, acima do que a humanidade engendra e do sofrimento que depara, destaca-se a ação de Deus. Mesmo que tudo pareça e, além disso, o próprio  homem formule sua não existência, Deus age. Deus é um que age.
      Neste contexto, justo na história da sarça reside, para a opinião vigente, imponderabilidade. O povo do Egito, celeiro do mundo na época, acolheu em Gosem, às margens do Mar Vermelho, um clã de atividade agropastoril egresso da fome que grassou na Palestina daqueles idos. Foi mantido um distanciamento coerente, pelo choque cultural plausível. Isso é factível, pois há antecedentes históricos.
       Mudar no Egito a dinastia e subir ao trono um déspota, puxa, aí sim, submeter os povos outrora abrigados da fome, tornando-os escravos que edificassem um Império, aí sim, mais rotineiro do que isso, na história, não existe: também, mais ainda, plenamente factível.
       Agora, despertar Deus um libertador, fazendo com que veja, do meio de um fogo que não consumia a sarça, um anjo, para fazer com que a atenção se voltasse à palavra de Deus, designando-o profeta aos escravos cativos no Egito, jamais: isso não é plausível e muito menos factível.
      Plausibilidade não há. Se há Deus, não será assim que agirá. É necessário inventá-Lo ou submetê-Lo à lógica humana. O homem é capaz de engendrar sofrimento, além daquele que a própria existência já traz consigo.
      Nunca será capaz de prover solução para a exploração, para o despotismo ou para a injustiça social. E quanto a Deus, suprime-se a possibilidade de que exista e possa agir em favor da humanidade. Ao contrário, não é factível, não é plausível.
      Aliás, cita-se mesmo que Deus foi inventado precipuamente em função de e como resposta ao sofrimento humano. Por não suportar sua própria história, com toda a sua rudeza, é que a humanidade provê um consolo abstrato, imponderável e fictício.
       Sarça: consumição. A humanidade arde e não se consome, em seu fatalismo e sofrimento. Mas sobre ela também arde a chama da providência de Deus em seu socorro. Não há, para ela, saída, pois já demonstrou que não tem capacidade de ser diferente, para melhor.
       Caso tenha inventado Deus, pobre humanidade, arde a chama de sua desdita, perdida em meio ao que não pode e nem pôde controlar. Caso Deus exista, arde a chama de Sua providência.
       Então, se é assim, tira a sandália dos teus pés, porque o lugar onde pisas é terra santa.

Artigos soltos 8


     Trindade.
     Deu vontade de falar dessa trinca. Aliás, Trindade é o maior antídoto que existe à ortodoxia. Se há uma trinca heterodoxa, são esses Três.
     A começar pelo número: se fosse um só, era uma solidão louca e o risco do equívoco seria muito maior. Se fossem dois, poderia dar empate e, no acre(i)anês, empate é impasse, já dizia Chico Mendes.
     A coisa não ia andar, ia desandar, sem um terceiro para voto Minerva. E olha que impassividade entre pessoas divinas não é fácil. Assim, o Espírito se tornou, desde a eternidade, o contrapeso da Dupla.
     Fico imaginando, de novo, desde a eternidade, o debate entre os três. Eternidade a fio, papeando, prosa pura, antes da ideia. Alguém já disse que  ideia é o arcabouço de todas as coisas. Pois a melhor definição de Trindade é mesmo: o Trio anterior à ideia.
      No princípio, foi a ideia. Aliás, o próprio sábio em Provérbios fala de como a sabedoria instigou o Criador. Coisas do Espírito, a quem Paulo Apóstolo chama de "perscrutador do Altíssimo".
      Por isso é impossível dissociar-se da ideia de que o que mais faziam os três, na eternidade, antes de inventar o tempo (e o espaço, segundo Kant) era prosear: a Trindade vivia trocando ideia.
      E foi por isso, resultado disso que surgiu isso que está aí, uma bruta concessão de amor. Não há outra explicação ou um outro sentimento mais nobre ou bonito, senão pura paixão trinitária.
      Fora do papear da Trindade, da sua liberdade total em prosear, em pensar, sonhar, projetar de Si e, finalmente, criar, fora dessa liberdade, só mesmo a ortodoxia, palavra muito parecida com asfixia, prisão, engaiolamento de Deus, inventado pelo homem, como absurda criação.
      Está proclamada a liberdade, desde a eternidade. Três nunca dá empate, já dizia Chico Mendes. Quem diria, havia teologia mesmo desde Xapuri.
   

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Mal traçadas linhas 30


      Altares de Abraão.
      Por que a Bíblia relata, destacando, altares que Abraão ia edificando, à medida que avançava em sua jornada na terra da promessa?
     Era média que fazia, com Deus, "jogando pra galera", hipocritamente, em função do que o Altíssimo lhe havia prometido?
     Era coisa demais: te engrandecerei o nome; abençoarei quem te abençoar e amaldiçoarei quem te amaldiçoar; em ti serão benditas todas as familias da terra, enfim.
     Seria sincero a cada altar erguido ou tratava-se de pura formalidade? Para que se erguem altares? Que atitudes, hoje, equivalem a caminhar erguendo altares?
      Altar erguido é estar certo de que a vida é culto vivo e permamente ao Senhor. Não se trata de lugar ou lugares de culto, mas ser culto ao Senhor.
      Se assim não for, absoluta incoerência. Deus precisa nos aceitar primeiro, antes de aceitar qualquer manifestação de culto, como foi no caso de Abel. Deus rejeitou Caim e, consequentemente, sua oferta.
      Não é que rejeitou, mas a Bíblia registra que houve proposta direta de Deus a ele que se convertesse ao Senhor, prontamente rejeitada. E quanto a Abraão, considerado o pai da fé, mesmo erguendo altares, mostra-se vacilante em algumas circunstâncias.
      Vacilação, medo, mentira, carnalidade, covardia e até mesmo dúvida, vejam só, enfim, pecado fazia parte integrante da vida do Patriarca.
     Por isso altares eram erguidos com pedras toscas, sobre as quais sangue escorria e fogo consumia o redenho da oferta. Pedras toscas simbolizavam a vida do ofertante, o sangue da vítima sem mácula, a necessidade de remissão dos pecados e a queima total, o holocausto de fogo era porque a vida toda se consome na oferta assim como na remissão.
      Quem ergue sua vida em altar permanente ao Senhor carrega consigo, pelo menos, essa tríplice consciência: segue sendo tosco e falho, como foi Abraão, traz consigo também a marca do sangue da vítima derramado pelo pecado, garantindo a remissão da culpa e, assim como foi dada vida por vida, a vida de Cristo pela vida do pecador, a queima total da vida de quem se oferece oferta viva a Deus no altar.
       Trata-se de perda total, como bem entendeu Paulo em sua carta aos Filipenses: o que para mim, algum dia, foi ganho, isso considero como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, em nome de quem perdi todas as coisas e as considero como refugo, lixo, para ganhar Cristo, sem ter em mim mesmo justiça própria.
       Somos pedras toscas, cujo amontoado se ergue em altar ambulante ao Senhor, na medida em que, lavadas pelo sangue de Jesus derramado na cruz se tornam edifício dedicado ao Senhor, para presença e habitação dEle, permanentes.
      Somos altar ambulante, somos corpo de culto permanente, somos marca e presença de Deus por onde vamos, sempre, em nome de Deus falando reconciliem-se com Deus. Tempo da oportunidade, o agora da salvação, tempo sobremodo oportuno, tempo da salvação.
       Deus quer caminhar nas tuas pegadas.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Artigos soltos 7


      Esquecimento.
      Distração, descaso ou esquecimento. Certas coisas da vida só ganham valor diante de seu inverso.
       Melhor, essas coisas continuam tendo seu valor, passando despercebidas ao homem, talvez por causa da pressa dele. Por isso não atina com elas.
       O sol. Diante do frio, procurei uma réstia dele. Contemplei, então, uma cobertura sobrevivente de mata, que o colhia de cheio. Invejei todas as árvores que o tinham e o esperavam ansiosamente, naquela manhã.
      Cada folha, todas as folhas, de que só Deus sabe a conta exata, louvavam, em silêncio, a dádiva do sol. Pensei na distração, burrice mesmo, diária, de tantos homens, talvez a grande maioria deles, que não dizem, bestamente, "bom dia, sol".
      A friagem me fez procurar a réstia de sol. Senti no conforto do calor a falta que ele faria e pensei, caramba, quantos dias já se foram sem que eu dissesse ou, que nem dissesse bom dia, mas que valorizasse o sol.
     Vem o frio, valorizamos o calor. Vem a doença, valorizamos a saúde. Vem a morte, não a nossa, ainda, valorizamos a vida.
     Para logo esquecermos, distrairmo-nos, tratar com descaso, por exemplo, o sol, a saúde, a vida. Pobre homem. Tanta correria. Para quê? A gota de água, o sabor de cada alimento, cada sorriso que, desavisadamente, bom dias, alhures,  provocariam.
      Que valor há em dar um bom dia a estranhos, no cruzar com eles, nos corredores da vida? Só quem fosse muito simplório veria, nesse gesto, algum valor.
       Calor do sol numa friagem, o valor da saúde, diante da perda dela. O valor da vida, diante da morte, não a sua, ainda: quem dera, ainda, resgatássemos tais valores, o quanto antes, antes ainda da nossa morte.