terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Rumo ao Juruá 4

     As pessoas são o alvo principal de Deus. Desde que procurou o primeiro homem no Éden, nunca mais deixou de fazê-lo. E deu como missão à igreja procurá-los em Seu nome.

    A viagem a Cruzeiro do Sul teve como intenção pessoas. Onde elas estão, como são, sobre o modo como Deus as procura e o que cabe à igreja nessa tarefa.

   A família Mamed encontrou-se, em Vitória, com José Loureiro. Nem ele soube, mas fomos levados a crer que foi providência de Deus. Foi coincidência ter nascido em São Gonçalo, domicílio dos Mamed, assim como ter um cliente em Tarauacá, meio caminho da jornada empreendida.

     Mas deve ser providência de Deus que essa coincidência martele na consciência de Loureiro o encontro com a família. E avante, a família Memed também encontrou a minha. Mas tudo muito rápido, em função da agenda abrupta da viagem.

     Logo se fez uma aldeia no carro de Gecer. Porque é assim quem percorre a BR 364, 670 km adiante, ida e volta, sacolejando em alguns trechos, avistando paisagem de floresta, o esgarçar eloquente de árvores enormes, o curso da estrada contra as teimosias do solo e do relevo e as vilas que brotam a cada ponto de referência.

    Cidades de barranco são essas que se nomeiam no Estado, visto que os rios eram as estradas pioneiras e o escoamento da produção de borracha era a prioridade. Dois ciclos definem o surgimento do Acre. Aquele que lhe deu, propriamente, a origem, na virada do século XIX para o XX.

    E o que revisitou o ciclo inicial, em função do esforço de guerra, na metade do século passado. Por isso, a gente que vem de fora se amálgama com ribeirinhos, caboclos amazônicos e indígenas.

     Há pontos de parada definidos na rodovia, como o almoço em Feijó, no Hotel e Restaurante Açaí, assim como eventuais para esticar canelas ou idas ao toilette, como em Sena, 140 km após Rio Branco, e no Liberdade, 120 km antes de Cruzeiro.

     Gente encontramos em todo o canto. As crianças que pediram ajuda para alimentação em casa, mas reveladas como artifício manipulado pelos próprios pais. O dependente químico escorraçado por estar perturbando os frequentes nos lanches da ponta do calçadão, em Cruzeiro.

    A cortezia da recepção em todo o canto, tanto no comércio, quanto a dos atendentes, na cidade, o mesmo preço e gosto depurado na praça e no restaurante, o apego declarado e assumido ao açaí e a hospitalidade e acolhida em cada casa. Detalhem-se os nomes. E se abrem as portas das vilas e cidades.

      Vila Assis Brasil, casa de d. Lenita, mãe de nosso motorista Gecer, ou Shelzinho, como ela mesmo o chama. E casa de Getúlio, mesmo jeito e mesmo modo da mesma mãe. Guajará, uma passagem relâmpago, mas uma dívida configurada.

    Todas as vilas, todas as cidades, povoados, tribos, curso do Moa acima, até a Serra do Divisor, encaixam-se na mesma visão. "Tenho povo meu nessa cidade", diz o Altíssimo. E o clamor de urgência está embutido na mensagem mesma do evangelho, segundo pregou Jesus, seu primeiro divulgador.

    "O tempo está cumprido, o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no evangelho". Em Mâncio Lima estivemos em casa de d. Célia e Eric, mãe e irmã de Evile. Menina que nasceu ali, migrou para Rio Branco, voltou a Cruzeiro para um teste profissional. Venceu. Acolhidos. Muito bem acolhidos. 

   Conhecemos o núcleo da Sec. de Educação do Estado - SEE. Modelo de trato respeitoso para com os alunos. Ali se tem chance de desenhar para o futuro de todas as crianças uma expectativa de autonomia. Os Mamed deram um mergulho calculado e lúcido pelo circuito da educação em escolas indígenas. Enquanto isso, visitamos uma escola religiosa conveniada com o governo, que busca sua retomada de excelência no grau de seu rendimento no IDEB.

     Um giro pela cidade revisita sua história, e mais uma ida ao mercado depara o potencial do fluxo que gente que por ali, diariamente, flui. Quando se vê gente, imagina-se em que lugares Jesus daria preferência estar. A igreja, definitivamente, precisa redescobrir seu lugar.
    "Recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e sereis minhas testemunhas". Para a igreja, não há outra vocação. O Espírito não tem outra habilitação a conceder. E a igreja não tem outra identidade. Mas, certamente, tem uma missão.



sábado, 12 de fevereiro de 2022

Rumo ao Juruá 3

     Não dá para continuar nenhuma narrativa sem se deter no seu Zeca.  De nome mesmo Antônio Ramos da Silva, filho de José Ramos da Silva e Angélica Ribeiro da Silva, sua mãe, de quem cuidou até seus derradeiros dias, com 97 anos.

    Conhecia bem a história e método de como, após o circuito pela mata, colhendo seringa no corte calculado e medido com ciência, em sua profundidade, nas seringueiras, como era iniciada a defumação, mas aquela bem feita, sem barro ou palha de bananeira largada de propósito, na pela, para roubar no peso.

     Para seu Zeca, a falsificação do início da defumação foi uma das causas da falência da  borracha no Acre e no Amazonas. Perdeu-se a credibilidade nos comerciantes em todas as praças. E isso com mais a biopirataria de Henry Wickham que, bem no início do século passado, consequentemente marcando o fim do 1o ciclo da borracha, roubou 70 mil sementes de seringueira em 50 cestos.

    As colônias inglesas na Ásia desbancaram, definitivamente, a Amazônia, na produção do látex. Seu Zeca conheceu todos os municípios do Acre, seja no Vale do Juruá, Envira ou rio Acre, até Boca do Acre, AM. Trabalhava num seringal no Riozinho das Minas, em Guajará, também AM.

    O circuito pela estrada de seringa, que compreendia a rota natural de disposição, em sequência aleatória, das seringueiras, começa às 1h da madrugada. Faz-se o corte, fixa-se a caneca de metal, completa-se o ciclo e retorna-se, esvaziando o leite na lata maior que o seringueiro carrega consigo.

     Munido de espingarda, com a luz da poronga, que é uma lamparina com espelho, uma aba de metal por detrás do foco da chama, projetando luz para a frente do caminho. Ouvidos atentos e todo destemor, para reconhecer os ruídos da mata e não sair por aí dando tiros a esmo. A gente se realizou em meio a tantas pistas e perguntas sobre Cruzeiro, sua história e o traço seringueiro de sua cultura.


     Seu Zeca explicou como, na volta à colocação, que é uma cabana rústica, de três cômodos, com cozinha e o espaço para defumação num anexo, é o lugar onde um eixo de madeira será posto transversal a uma fogueira, num quadrado esculpido no chão, para dali subir a fumaça que defuma o látex, até virar o pacote negro de borracha denominado pela (com /é/).


     Aí que mora o perigo, ensina-nos seu Zeca. Para dar início ao processo que vai gerar uma pela pura, com 100% de látex, para um peso exato que, numa quantidade brutal de estoque, ao final, gramas ou quilos surrupiados vão gerar diferença, era necessário usar palha de banana ou mesmo regar com látex novo o começo do processo.

     O girar do eixo de madeira, por sobre o qual se derrama o leite, exposto ao vapor que o fixa e dá forma, vai gerar a pela de borracha que, porém, não pode manter em seu interior, quando o eixo lhe for retirado, restos da palha de banana. Por isso, ou se inicia a defumação com látex novo e de preparo específico, ou se for com a palha da banana, terá de ser retirada ao final, para não condenar a pela como corrompida.


     Muito bem entregue aos cuidados de seu Zeca o acervo do Museu do Fórum. Ele é um zeloso cuidador e arquivo vivo de sua história, daquela do próprio Fórum e de traços vivos da história de Cruzeiro do Sul. Vale muito a pena prosear com ele. Siga, pelo link abaixo, no You Tube, voz e testemunho dele.




sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Rumo ao Juruá 2

     O primeiro dia  Cruzeiro deve ser descrito com muito cuidado. Começa pelo café da manhã, bem nutrido, no hotel do pernoite, e com a leitura em Atos: "Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade". Atos 18:9,10.

     Se o nosso objetivo era mais uma vez sondar a cidade quanto ao seu potencial, aliás, o potencial permanente de toda a cidade (e toda cidade), a preocupação com a agenda, a ser ao máximo aproveitada, transformou-se em oração. Plenamente atendida em todo o arco de nossa jornada.

    A gente se dirigiu ao que eu decidi chamar de 'acrópole de Cruzeiro', sua parte elevada bem próxima à Catedral e ao antigo porto, prédio do antigo Fórum da cidade. Ali encontramos seu Zeca, um arquivo vivo, tanto da história do Fórum, quanto da história da própria cidade.

     Representante típico do ciclo da borracha, desde seus 9 anos "cortava seringa" com o seu pai. Recordou-nos desde o ciclo completo do leite branco no tronco da seringueira, no lote escolhido para corte no tronco, chamado palma, até o detalhe de como se começa, na colocação, a defumação e formação final da pela da borracha.

     Uma verdadeira aula. E causos sobre os desembargadores que ocuparam as instalações do que hoje se constitui num Museu. Prédio imponente, erguido no início do século passado, que guarda o modelo resistente de seu madeiramento, acervo de documentos e fotos da história de Cruzeiro do Sul.

      Dali passeamos pela orla do porto. Outro mergulho, dessa vez na cultura do povo que por ali transita, no fervilhar do comércio de seus mercados, destacando-se os de peixe, carne e de farinha. Descobrimos que os açudes de Cruzeiro enviam peixe para Eirunepé, AM. seguem Juruá abaixo, 4 a 5 dias, mas com a carga bem acondicionada em gelo.

    A gama de gente que por ali passa, sua origem, estada na cidade, suas demandas e diligências bem caracterizam a cidade. O porto de Cruzeiro e todo o comércio que ali floresce são fundamentais na definição e compreensão da cidade e de seu povo. Sem dúvida, Jesus passaria ali uma coleção de seu tempo.

     Nosso almoço foi à beira da floresta, num ponto na saída da cidade, restaurante Ponto do Sabor, na variante. Para depois rodarmos pela esplanada da parte alta, onde está o 61⁰ BIS, o antigo Seminário, onde fizemos já duas formações com professores e as respectivas saídas para Guajará e Mâncio Lima, que desejávamos alcançar no dia seguinte.

     Foi quando visitamos Evile no SEST/SENAT,  conhecendo alguns detalhes de sua finalidade e, como não poderia, nunca poderia deixar de ser, fomos dar nas margens do Juruá em Guajará, AM. Não vive quem nunca na vida houver visto uma vista dessas.

      A impressão que se tem é que a vila acompanha a curva do rio. E que a vida do rio é a vida da vila. Deparei, logo de saída, três adolescentes, duas lindas meninas e um rapaz com elas. Minha expressão foi de surpresa e saí-me com essa: "Vocês moram aqui!?".

     O cara emburrou o olhar para mim. Mas eu logo emendei a minha intenção, que é verdadeira, dizendo: "Que lugar lindo!". Ganhei dois lindos sorrisos. Mas o cara continuou emburrado. Linda vila. Linda gente. Dádiva do rio. Acompanhamos o azáfama do porto em descarregar cargas.

     Com a praça atrás. O calçadão debruçado sobre o rio. O ar de vida tranquila e remota. Uma gente certamente amena e pronta para toda conversa e compartilhamento. A mata estendida do outro lado do rio estimula a todo mistério. Dá vontade de lá viver ou lá veranear.

    
     No link abaixo um instantâneo desse Portal do Paraíso chamado Guajará:



    
    

Rumo ao Juruá - 1

     Toda expectativa. Viagens sempre me deixam tenso nos dias imediatos que as precedem. Ainda que eu já tenha calculado em 150.000 km rodados as 15 vezes de ida e volta Rio Branco-Rio de Janeiro, entre 1995 e 2014, ainda não me acostumei a relaxar.

    Seriam mais uma vez 680 + 680 km, ida e volta a Cruzeiro do Sul, a partir da capital do estado. Essa rota já percorri, com esta vez, quatro vezes, por carro, e uma por avião, esta ainda no tempo da Varig.

    Posso me considerar, portanto, semiveterano. Gecer nos levaria, como ocorreu, na sua L200, eu e mais a família Mamed, pai, mãe e filha, suma responsabilidade. Tínhamos informações sobre a estrada, de seus setores mais esburacados, cálculo que, ao final da jornada de ida e volta, ficaram estipulados em cerca de 150 km.

     Seções no trecho entre Sena Madureira e Manoel Urbano e, a seguir, entre a entrada para esta cidade e Tarauacá, com Feijó no meio do caminho. São multivariados e diversificados, com esboço de reforma em alguns setores, postagem de advertências em outros e total abandono à própria sorte no restante.

     Parada em Sena, cálculo do almoço em Feijó, cerca de 360 km percorridos, mais ou menos a metade da jornada, e a reta final Tarauacá-Cruzeiro, 260 km, devida e previamente chaqualhados. A experiência da jornada por essa via da BR 364 nos ensina a prever as estações.

    Pois essa viagem me fez calcular todo o percurso tomando a primeira jornada, Rio Branco-Sena, de 140 km, como padrão. Relativamente rápida, cerca de 2h para percorrer, sem paradas, podemos usá-la como padrão de aferição e cálculo.

    Serão mais 220 km seguintes até Feijó, menos do que o dobro da medida anterior (mas os buracos quebram qualquer cálculo comparativo de tempo). Percorre-se cerca de 90 km até a entrada de Manoel Urbano, mas se passa adiante, para almoçar 130 km depois em Feijó.

     Vão restar cerca dos últimos 50 km até Tarauacá agora, tomada a jornada inicial como essa unidade-padrão sugerida, vai um pouco acima do dobro. Assim, juntando 140 + 220 + 50 + 260 vamos a 670, o total até Cruzeiro.

    É psicológico. Cada um que faça esse estirão, deve ter consigo um procedimento distinto de adaptação. O que eu sugiro, é essa medição por turnos, tendo a primeira estirada Rio Branco-Sena como medida. Pode não significar muito esse método, mas para mim, que desejo próxima essa cidade, está ótimo.

    Paisagem de floresta à volta, fazendas desenhadas há tempo, pontes sobre os grandes rios, como Caetés, Purus, Envira, Tarauacá e, lá adiante, já a 120 km próximo a Cruzeiro, o Liberdade. Vilas, maiores ou menores, na beira da rodovia, principalmente próximas a igarapés, e uma sequência de aldeamentos indígenas já após o Liberdade, no estirão final até Cruzeiro do Sul.

     O que fica na dívida é uma viagem em que a estrada seja o alvo, no sentido de percorrê-la mais a tempo, com paradas programadas. Atenção extra para as bueiras, que são galerias sob a rodovia que, em função do fluxo de água, aumentado na estação das chuvas, pode fazê-la desmoronar.

    Nesses trechos se passa serpenteando, às vezes por um desvio ao lado, para isso com toda a cautela. Há lugares onde a passagem continuada de caminhões e até mesmo ônibus vão contribuir, se não houver manutenção, para uma possível interdição.

     Parada rápida em Sena, almoço em Feijó, abastecimento em Tarauacá e susto com um quebra-molas invertido, improvisado pelo desleixo, no Liberdade. Após umas 10h de rumo aos sonhos, chegamos a Cruzeiro, cruzando sua ponte a tateando atrás de um bom hotel, senão o melhor, o mais estratégico.

     Uma primeira e breve refeição na praça, churrasquinhos variados e sopas muito elogiadas, de deliciosas, e vamos para a primeira noite no Hotel Mandari na Princesa do Juruá.


    

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

BNCC - competências e habilidades

 Competência e habilidade são termos muito citados atualmente por conta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que chega às escolas da rede pública e particular de todo o Brasil em 2020.

Leia + A formação de professores à luz da BNCC

O documento de caráter normativo define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver ao longo das etapas da Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Mas ainda existe uma confusão sobre o significado de cada um dos termos e a diferença entre eles.

A formação humana integral e a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva foram norteadoras para a BNCC definir um conjunto de dez competências gerais que devem ser desenvolvidas de forma integrada aos componentes curriculares.

Mas você sabe o que são competências? A professora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, Denise Rampazzo, explica que o termo surge na psicologia em meados dos anos 50, com os estudos sobre linguística do norte-americano Noam Chomsky.

A partir dos anos 70, a palavra passou a ser associada à qualificação profissional e utilizada na educação apontando a necessidade de a escola desenvolver uma matriz de avaliação mais efetiva. “Nos anos 2000, essa concepção começa a aparecer no Brasil por meio das grandes avaliações, como o ENEM”, explica a especialista.

No texto da BNCC, a definição de competência aparece como “a mobilização de conceitos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. É, portanto, a capacidade de mobilizar recursos, conhecimentos ou vivências para resolver questões da vida real, como pensamento crítico e empatia.

Já as habilidades indicam o que aprendemos a fazer e são sempre associadas a verbos de ação, como identificar, classificar, descrever e planejar. No contexto escolar, ler e interpretar um texto, apresentar um trabalho para os colegas e realizar operações matemáticas são exemplos de habilidades que os estudantes desenvolvem ao longo da evolução escolar.

Conceitos complementares

O desenvolvimento de competências passa pela articulação de várias habilidades, que são organizadas na BNCC de maneira progressiva, ou seja, das mais simples para as mais complexas.

Para exemplificar: a competência geral referente à Cultura Digital prevê que o estudante compreenda e utilize as tecnologias digitais e a comunicação de forma crítica, reflexiva e ética. Para isso, ele precisará desenvolver diversas habilidades, como interpretar e compreender texto e contexto, utilizar ferramentas tecnologias e pesquisar diversas fontes.

“As competências só serão alcançadas plenamente se as habilidades forem sendo desenvolvidas em todos os anos, por todos os componentes curriculares. Vale dizer que muitas habilidades demoram muito tempo para serem adquiridas”, ressalta Denise Rampazzo.

Confira os infográficos abaixo para entender melhor o que cabe a cada um dos termos, dentro da esfera da BNCC.

*Reportagem publicada originalmente no site da Fundação Telefônica.

Desafios para o ano letivo

 Acolhimento, recuperação do currículo, déficit de aprendizagem, evasão escolar, participação da família e tecnologias educacionais estão entre os pontos de atenção das escolas em todo o país no retorno das aulas presenciais

O início de um novo ano escolar é sempre cercado de desafios. Conhecer os estudantes, entender suas realidades, suas dificuldades e facilidades, como aprendem, interagem...são muitos os pontos de atenção dos educadores para garantir que nenhum aluno ficará para trás ao longo do percurso.

A especialista em educação integral e analista de projetos educacionais, Cilvia Moraes Ribeiro dos Santos, destacou alguns dos desafios que tradicionalmente precisam ser superados pelos professores:

  • Cronograma apertado para dar conta do conteúdo e sanar as lacunas de aprendizagem de todos os alunos.  
  • Pouco tempo disponível para atividades de integração dos estudantes, especialmente os que vêm de outras instituições e têm hábitos de estudo diversos.
  • Pouco tempo para produção de material/conteúdo.
  • Dificuldade em envolver a família no processo ensino-aprendizagem.  

 

Entretanto, para além dos desafios já conhecidos pelos profissionais da educação, somam-se a eles novos obstáculos que precisarão ser superados devido aos últimos anos com a interrupção da rotina presencial escolar por conta da pandemia de covid-19.

“Algumas crianças em idade escolar nunca sequer foram para a escola. Os alunos que já frequentavam tiveram sua rotina interrompida abruptamente. Muitos perderam familiares, viveram o impacto financeiro com a perda de renda dos pais, deixaram de conviver com amigos e nem sempre puderam ter o suporte que precisavam para aprender em casa”, alerta a especialista.

Cilvia destaca que há muito mais disparidade no aprendizado, já que muitos alunos que não tiveram acesso ao conteúdo. “Essa diversidade exige que os professores tenham mais materiais, os planos de aula devem prever mais situações. Além do plano B é preciso um plano C, sempre tendo em vista que será preciso retomar muitas das aulas. O tempo afastado da escola deixou os alunos com a sensação de que a rotina é dispensável. Em se tratando de estudos, ela é fundamental, agora, mais do que em qualquer tempo”, completa.

A parceria com a família passa a ser ainda mais fundamental porque, de acordo com a especialista, a ruptura ocasionada pela pandemia vai surtir efeito por muitos anos letivos. “Somado a tudo isso, existe a falta de maturidade no uso das tecnologias. Elas têm sido a tábua de salvação nos últimos anos e, a partir de agora, farão parte das salas de aula. A escola terá que encontrar um equilíbrio para o uso saudável do celular, por exemplo, durante as aulas presenciais”, acrescenta.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

O SURGIMENTO DA CIÊNCIA/FILOSOFIA MODERNA

      A denominada Revolução Científica do século XVII constitui-se em um marco histórico caracterizado pela mudança, ocorrida na Europa Ocidental, na maneira de se pensar, analisar e representar o mundo natural. Essa Revolução foi descrita e explicada de muitas formas, visto que há inúmeras discussões historiográficas que alimentam controvérsias no que se refere ao período, às origens, às causas e aos resultados por ela alcançados.

   Partindo desse pressuposto, Koyré (2001) argumenta que, para alguns historiadores, a substituição do mundo geocêntrico (ou mesmo antropocêntrico) medieval pelo universo heliocêntrico desempenhou um papel fundamental para o surgimento da Ciência Moderna; outrossim, outros historiadores acreditam que a suposta conversão do espírito humano da teoria para a práxis transformou o homem de espectador em proprietário e senhor da Natureza; alguns, por sua vez, levam em consideração a substituição do modelo teleológico e organicista do pensamento e da explicação pelo modelo mecânico e causal, que culminou na “mecanização da concepção do mundo”; outro grupo de historiadores descreve simplesmente o desespero e a confusão trazidos  pela “nova filosofia” a um mundo do qual havia desaparecido toda coerência; isso porque Deus já não podia ser a explicação para a realidade. 

    Daí, pois, a validade de tratarmos aqui da historiografia, pois a mesma nos permite, por meio daqueles que a escreveram, entender os elementos que  constituem esse período. Segundo Silva e Silva (2013), a historiografia é uma forma de perceber que todo historiador sofre pressões ideológicas, políticas e institucionais; comete erros e tem preconceitos. Ou seja, toda palavra utilizada para caracterizar um dado período é carregada de significado, já que representa o momento em que foi escrita. 
      
      A palavra Revolução, por exemplo, pode ser considerada um tanto quanto exagerada para alguns “medievalistas” que não concordam com a conceituação da Idade Média como sendo um período de estagnação científica. Esse “milênio obscurantista”, atribuído à Idade Média, configura-se em uma ideologia, que Rossi (2001) chama de mito, construído pela cultura dos  humanistas e pelos pais fundadores da Modernidade. Baschet (2006), também  afirma que foram os humanistas italianos, da segunda metade do século XV, que começaram, como forma de glorificar o seu próprio tempo, associar a Idade Média às ideias de barbárie, de obscurantismo, de intolerância, de regressão econômica e de desorganização política. 

     E é, assim, que se forma a visão de “Idade das Trevas”, que perdura até os nossos dias. Nossa intenção não é defender a Idade Média como uma época “luminosa”, de grandes progressos. A questão aqui não é a sua reabilitação; o que queremos mostrar é que a Revolução Científica merece esse título não pela má reputação da época anterior, mas pelos grandes feitos que se realizaram a partir de então. Para Henry (1998), a ciência formulada a partir do século XVII foi revolucionária porque, ao contrário da estabelecida durante a Idade Média, assemelhou-se à nossa. A Idade Média é, para nós, segundo Baschet (2006), um antimundo, anterior à Modernidade; um mundo rural anterior à industrialização; um mundo da todo-poderosa Igreja, anterior, pois, à laicização; um mundo anterior ao reinado do mercado; em resumo, um mundo totalmente oposto ao nosso.