segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Aforismos 1

            Pensando sobre a existência de Deus ou mais propriamente se o que escreveram na Bíblia merece crédito. O fato é que o Deus que ali vem expresso tomou algumas atitudes bem interessantes e próximas e perto do homem que o Livro diz ter Ele criado.

             A primeira delas, é que é dito que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Ora, em outros trechos do Livro, está escrito que o rosto de Deus ninguém jamais viu. Logo, imagem e semelhança não significa imagem fisionômica.

           Mas o que vai mesmo se especular aqui não é o tipo de imagem e semelhança a que o texto se refere, senão que é mencionado que o modelo que Deus escolheu com parecença ou matriz para forjar o ser humano foi Ele mesmo.

            Lá adiante, nas páginas do mesmo Livro, vai se dizer que Deus se fez homem. Na linguagem do Evangelista João, que se atreveu a voar assim tão alto, ele diz que o Verbo se fez carne e habitou, tabernaculou, diz uma versão antiga da Bíblia, entre nós. Deus quis morar em tendas, acampado improvisadamente, desde uma manjedoura, entre nós.

              Depois de identificar a expressão Verbo, logos, no grego, com o próprio Deus, João diz que esse Deus se fez carne. Está aí de novo a busca, por Deus, de uma identidade ou identificação humana, pelo que a Bíblia descreve.

           Se cairmos na cilada de que o Deus da Bíblia é uma invenção humana, resultado de esmerada ginástica literária, nau em que muitos autores embarcaram, a ponto de formarem o mosaico que é o texto bíblico, então somente teremos que elogiar essa turma, pela projeção de raciocínio que faz ao longo do Livro, desenhando esse arco, que começa lá no inatingível céu onde habita o Criador para, posteriormente, fazê-lo chegar ao mundo que criou, tornando-se homem, desta feita à imagem e semelhança da Sua própria criatura.

            Não deixa de ser uma história muito interessante, mesmo que inventada, traços de genialidade. Então Deus, que foi-é-sempre-será, e nunca deixará de ser, criou o homem. Então o homem resolveu deixar de ser, mesmo porque, caso essa criatura quisesse, essa poderia ser uma opção dela.

           Uma vez o homem deixando de ser, Deus veio em socorro dele, Ele mesmo fez-se homem, à imagem e semelhança de Si mesmo, e, como homem, nunca deixou de ser ou de sê-lo. Deus poderia tudo ou até qualquer coisa admitir, mas jamais que o homem decidisse deixar de ser.

            Uma vez assim decidido, haveria divórcio inconciliável entre Deus e sua criatura. Para isso e por isso Deus veio depressa, hurry, hurry, ao encontro do homem, a fim de convencê-lo de que, agora deixando de ser, pudesse recuperar sua existência original, homem, sim, feito livre, porém com identidade à imagem e semelhança de Deus.

           Mas o homem decidiu que desejava decidir até mesmo se queria ser a imagem e semelhança de Deus e, caso não quisesse, não seria, ou seja, não voltaria a ser, escolheria morrer. E a morte do homem não foi imediata, mas foi paulatina, um morrer progressivo, sintomático, verificável, que transparecia, patente e latente, ao longo de sua existência.

          E mataram o Homem que Deus decidiu ser. O que significa dizer que o homem radicalizou sua escolha, definitivamente, com esse gesto, decidiu não ser, ele mesmo, além de, implicitamente, decidir não ser à imagem e semelhança de Deus, decidiu matar Deus. Isso mesmo, Deus está morto. Acho que pensou, definitivamente, acabar com essa pretensão de Deus, qual seja, de ser e ainda querer que o homem, definitivamente, também fosse. Liberdade. O homem chamou isso de liberdade.

          O homem quis a liberdade até para não ser à imagem e semelhança de Deus. Para não ter Deus colado no seu pé.  Para o homem, ser à imagem e semelhança de Deus constituiu-se numa prisão da qual quis ser liberto. Deus escolheu a Si para ser modelo para o homem e, adiante, Deus escolheu o homem para ser modelo para Si. Mas o homem, definitivamente, escolheu não querer para si Deus como modelo.

           Deus não se conformou com essa escolha, evidentemente, por isso escolheu Ele mesmo ser homem e, desse modo, ficou instaurada profunda divisão, cisão, rachadura mesmo no seio da humanidade, entre os homens que desejam ter de volta a condição original, ver em si mesmos imagem e semelhança com o Altíssimo, e aqueles que, absolutamente, não desejam isso.

           Seguirão divorciados de Deus, por não se submeterem a Ele, ao Seu modelo. Afinal, se Deus abrisse mão dessa exigência, que parece, para uns, tão singela, mas, para outros, tão mesquinha, qual seja, de querer ter para Si o homem à sua imagem e semelhança, Ele mesmo deixaria de ser Deus, tal e qual seja o comprometimento dEle com a criatura de Seu amor, que somos nós, os homens (e as mulheres, é claro, falamos aqui de humanidade).

           Uma vez escolhendo ser, de novo, imagem e semelhança de Deus, soavam estranhas uma série de coisas que, anteriormente, antes do homem decidir deixar de ser, eram naturais no modo humano de ser. Então, pareceram exigências descabidas de Deus, normas absurdas ou mesmo que roubavam a liberdade de ser do homem. Foi mesmo necessária toda uma reeducação, para a qual muitos, ainda, no meio do caminho, resolviam abandonar a empreitada.

             Empenho de Deus. Quis e fez homem e e mulher à sua imagem e semelhança. Quando se tornou necessário, porque homem e mulher se perderam, no meio do caminho, Ele, então, se fez homem. E a maior prova de que o homem (e as mulheres também) desejaram mais não mais ser do que desejar ser, foi que assassinaram o Homem que Deus se fez.

               Mas, inesperadamente, esse Homem ressuscitou, porque Jesus, o nome dele, nunca quis deixar de ser e nem deixar de ser à imagem e semelhança de seu Pai. Uma vez ele mesmo disse, que um filho nada faz de si mesmo, senão somente aquilo que vê o Pai fazer. E ele imitou, em tudo, o Pai. Só morrem os que desejaram deixar de ser e mostram isso, de uma vez só, com sua escolha e com as demais escolhas da vida.

             Na verdade, esses se tornam prisioneiros de suas escolhas. Liberdade é não ser prisioneiro das escolhas que se faz. Mas houve quem chorou quando viu Cristo morto. Porque julgaram ser o fim de tudo. Mas Jesus não poderia ficar morto, assassinado pelos que não queriam  mais ser. Então Deus o trouxe, de novo, à existência, e nisso não houve trapaça, porque o que prende à morte é o não ser, é a opção por não ser à imagem e semelhança de Deus, e isso Jesus nunca deixou de ser.

              A partir de então, todos os que choram, arrependidos, sinceramente desejando ser e chorando porque reconhecem que haviam optado deixar de ser, Deus decide que serão refeitos, criados em Cristo Jesus, de novo, restaurados à sua imagem e semelhança. Esses deixam Deus operar em sua vontade e suas escolhas passam a ser segundo o modelo de Deus. E não mais se sentem prisioneiros de suas escolhas. E quem não é prisioneiro de suas escolhas, é livre.

                                                                      Cid Mauro Araujo de Oliveira.

      

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Profeta Jonas

                                              Profeta Jonas
      
        19 de agosto de 2014. Há exatos 159 anos, nesse dia, a esposa do médico e pastor escocês Robert Kalley, D. Sara Kalley, a mulher por detrás do homem, começava uma escola dominical em sua casa, Gerheim - "Lar muito amado" - em Petrópolis, RJ. Nossa família, aqui em casa, 19/08/2014, reuniu-se para ler no livro do profeta Jonas, isso porque foi essa a primeira história bíblica contada por D. Sara, para um grupo de 5 crianças, na Escola Dominical nascente.

       Ora, ora, ora, que ironia, pois vivemos tempos em que Bíblia e Escola Dominical estão muito mal cotados, junto com a onda pós-moderna, considerados ultrapassados, a Escola e o Livro. Corre-se o risco de ser considerado fundamentalista que não se sintoniza com a nova visão hermenêutico-exegética do Livro e radicalmente ultrapassado quem postula virtudes para a decadente Escola Dominical. Aliás, basta mencionar a palavra 'escola', para que uma carga negativa paire sobre cabeças (não)pensantes.

       E olha só, dupla ironia, agora, porque logo com relação à história de Jonas, com aquela onda, e que onda!, do peixe, caramba, se você admite que tudo foi histórico, que houve viagem a Tarsis, navio que saía de Jope e, principal e  precipuamente, peixe que engoliu profeta, lascou-se, você é, certamente (mais um) fundamentalista. Patrulhamento de plantão, alô, alô-ô, acorda, estamos pós-século das luzes.

       Lembrei-me de Jack Miles, Deus, uma biografia, que sugeriu que alguém que escrevesse Bíblia, caso dos textos chegados até nós, e fosse uma fraude como autor, seria um gênio, que passou oculto pela história, fazendo com que todos que leram essas histórias entendendo-as como literais, tenham sido ludibriados, de muito boa fé, mas não entenderam como convinha que se entendesse.

       Pois aqui em casa recordamos  a história de Jonas, lendo 1:1-3, para orarmos pela UIECB, a qual consideramos um grupo herdeiro dessa escola dominical de 159 anos atrás, Denominação da qual fazemos parte, como Congregação que aqui em casa se reúne, vinculados como membros à centenária Igreja Evangélica Fluminense, a primeira fundada pelo Dr. Kalley, vamos assim chamá-lo, em julho de 1858 e que acaba por ser a primeira do Brasil inteiro.

       Consideramos, em nossa meditação em grupo, que Jonas, premeditadamente, fugiu, como vai esclarecer, posteriormente, no seu diálogo com Deus, porque avaliou, diante do chamado e tratando-se do Altíssimo que, se houvesse arrependimento em Nínive, Deus não exterminaria os odiáveis ninivitas. E ele, Jonas, particularmente, odiava os odiáveis ninivitas que, por sua vez, odiavam todo mundo e vinham demonstrando, na prática, essa sua (deles) postura.

         Comentamos em família que, geralmente, os profetas autênticos, avaliando o que significa ser investido por Deus de qualquer responsabilidade, assustam-se e desejam fugir ao chamado, como ocorreu com Moisés, hospedado na estalagem e teimando com Deus, nos limites de Sua divina paciência (Êxodo 4:24-25). Posteriormente Isaías, que tremeu ao constatar que não poderia ser incumbido dessa responsabilidade, por causa de seus antecedentes e cumplicidade (Isaías 6:5) especificamente com o povo a quem haveria de proclamar a mensagem (Isaías 6:9-10), ao inverso, de conversão, quando pareceu que o Altíssimo não desejava isso. Lembramos, aqui, de Atos 16:6-9, quando pareceu que o Espírito Santo não desejava que os missionários anunciassem o Reino.

            E o que dizer de Amós, contemporâneo de Isaías, que, no diálogo com o profeta profissional Amazias (Amós 7:14-15), admite que não é profeta por opção sua, vaidade ou oportunismo, mas por autêntica vocação. Demonstra que não correu atrás dessa investidura, ao contrário, nunca a haveria de experimentar, se não fosse o caso de ter confirmado, para si, o chamado de Deus. Mais uma vez o jogo de aceitação-rejeição pelo qual passam os autenticamente vocacionados. Não que seja somente covardia ou medo, mas pesa o peso da responsabilidade.

        E sobre Jeremias, mais de 100 anos depois desses dois, também afetado pela síndrome da rejeição de chamado divino, quis argumentar, no contexto de seu próprio chamado, que era por demais tenro, imaturo, jovem, nahar (Jeremias 1:6), no hebraico, pura desculpa, diante da qual Deus o repreende com veemência (Jeremias 1:7), "Não digas 'não passo de uma criança', porque a todos a quem eu te enviar, irás, e tudo quanto eu te mandar, falarás". E não adiantava contra-argumentar que era timidez ou gagueira, como dizia Moisés, porque se preciso fosse ele seria mais um cara-dura, como foi  com Ezequiel (Ezequiel 3:9).

            Em nosso culto doméstico paramos nessas observações, quanto a esses quatro profetas, para compará-los a Jonas, mas destacamos, também, que Jonas foi mais longe: ele não se converteu, ele não apenas titubeou, por causa do tamanho da responsabilidade, mas ele foi adiante, como diz o texto, Dispôs-se, sim, mas para fugir (definitiva e decididamente) da presença do Senhor. Jonas levou longe demais, mais longe do que os colegas aqui citados, essa sintomática loucura toda.

            Jonas cobriu etapas que poderia ter cancelado a qualquer momento, arcando com todo o prejuízo, como o profeta anônimo, homem de Deus, sugeriu a Amazias (2 Crônicas 25:9). Mas Jonas não abortou, legitimamente, sua missão ao inverso. Cumpriu todas as etapas: (1) desceu a Jope, (2) procurou - e achou - o navio para Tarsis, (3) pagou o preço da passagem, (4) embarcou, enfim, poderia ter, a qualquer momento, convertido-se ao Senhor, e morrer no prejuízo do preço pago. Mas foi criança igual ao casal primordial (Gênesis 3:8), ridículos, pensando poder esconder-se por entre as árvores do Jardim. O pecado nos ridiculariza. E Jonas pensou que, no porão do navio, estaria longe, longe, longe da presença do Altíssimo.

           Jonas teimava consigo que poderia fugir da presença do Senhor, isolando-se naquele porão, perdia sua identidade. Afundou-se na sua depressão, nem nela ou dela se foge da presença do Senhor. Pensou em suicidar-se. Tornou-se pior do que aqueles que não têm para quem orar (Jonas 1:5-6), porque os que não sabiam orar ao único Deus a quem se pode orar, pediam a Jonas que invocasse o Deus de quem tentava fugir. Continuava ridículo, porque mesmo os que não tinham um Deus a quem orar, tinham seu desespero e sua muda súplica, tinham por que orar - quem sabe Deus deixa após Si uma bênção (Joel 2:14) - e não estavam mergulhados na alienação e indiferença de Jonas.
            
            E Jonas, ao ser jogado no mar, quando pensava que havia chegado ao fim e ao mais fundo, Deus tinha como fazê-lo ir além e mais dentro de si, dentro do mar, conduzir ao abismo, mas com âncora da alma, segura e firme, e que penetra além do véu (Hebreus 6:19). Até onde vai um homem que deseja seguir adiante privando-se do amor. Jonas queria ou pensava que o amor de Deus era exclusivo para si, para ele, Jonas, e jamais alcançaria os ninivitas a quem tanto odiava. Queria Deus cúmplice dele em seu ódio. Não é assim, porque quem se quer amado por Deus, terá de amar todos e quaisquer, porque é assim que Deus ama: ama ninivitas (ou nazistas), não pelo que são, mas pelo tanto que Deus espera que sejam, ainda que se neguem a ser.

             Conversão é ser lançado para dentro de si mais fundo do que alguém pensa ou avalia seja possível. Por isso que Jesus compara a experiência da conversão, o sinal de Jonas (Mateus 12:40), à experiência da morte e ressurreição em Cristo, porque é esse o mergulho (batismo) que converte (Romanos 6:3-7), que nos faz soerguer-se salvo em Cristo Jesus. Mergulhar com Cristo dentro do inferno pessoal é sair dele convertido. A experiência de Jonas é o mergulho do egoísta, que pensa que o amor de Deus é exclusividade seu. Há pessoas que pensam e vivem assim, cheios de direitos adquiridos, legitimamente religiosos, e cuidando para não tê-los contestados. Mas não experimentaram o amor, pois amor é compartilhamento,  porque nem Deus guarda para Si mesmo o amor que tem (e é o único que tem no estado real, puro e verdadeiro, aliás, Deus não tem amor: Ele é amor - 1 João 4:8). Se assim não fosse, não seria Deus. 

             Um livro como esse de Jonas tem um gênio como autor. Terá forjado a história? Fraudador genial. Terá discorrido por fatos históricos? Ora, terá sido, então, a própria sequência dos fatos que deixaram transparecer o dilema do profeta, que decidiu não retornar do medo, da fuga, e decidiu pagar para ver, ao contrário de Amazias, para checar até onde se vai com teimosia no enfrentamento com Deus. Fico com esta opção, da historicidade, sim, mas e a modernidade, a ciência da visão do 'século das luzes', o que ela tem quando joga seu foco nesse livrinho, vai me dar nota zero nesse quesito.

               Deus ou Darwin: deixa a ciência descobrir, fica ao encargo dela, como pôde o profeta respirar em regiões abissais do mar, dentro do ventre daquele peixe. Que peixe? Com a palavra, Darwin, de novo. Pelo que se sabe, ficamos mergulhados em 'água' no ventre de nossa mãe até que, na 34ª ou 35ª semana, o pulmão esteja pronto para receber o ar que respiramos. Jonas retornou, não ao ventre de sua mãe, mas entrou no ventre do peixe. Ele não esperava que fosse assim. Esperava o suicídio. Mas o mesmo Deus que realiza, em Cristo, a nossa conversão, é capaz desse outro milagre, muito mais simples e menos absurdo de compreender, que foi fazer Jonas respirar por três dias e três noites.

             Será Deus capaz de assim proceder? O Deus dos autores da Bíblia, quem sabe, seja. O Deus do século das luzes, quem sabe, não. Que Deus queremos? Mais absurdo é reconhecer o mergulho que converte o homem, para que este mesmo tenha Deus nele habitando. Este é o absurdo maior a ser ou não confirmado. No mais, o Deus que isso pode, por menos, deparou esse peixe que engoliu Jonas. O que interessa é deixar-se mergulhar com Deus, o nome disto é batismo, até onde nos conduz, para de lá sairmos, para sempre, com Ele e a Ele ligados, o nome disto é conversão, em absoluta e eterna comunhão, o nome disto é igreja.

                     Cid Mauro Oliveira e família.