Para falar de Escola Paraná, tenho de me ver dentro dela. Pátio, hall de entrada, com aquela escada enorme, de acesso ao segundo piso, típicas da arquitetura dos prédios da época, salas acima e abaixo, e o pátio dos fundos, local da já mencionada Festa Junina, da qual participei na Quadrilha, muito provavelmente no mesmo ano dos fatos abaixo indicados.
Fase muito boa. Legal foi, em 1965, numa concessão da Redentora de 1964, havia eleição para governador no Estado da Guanabara, lembram? Negrão de Lima, Flexa Ribeiro e Amaral Netto – mais tarde, Amaral Netto, o Repórter. Pastor Helio Martins, da Congregacional do Encantado, trabalhou como fotógrafo na equipe dele. Mas isso foi a partir de 1968.
A professora, na sala de aula da Paraná, fez uma enquete entre os alunos, para saber quem preferia quem, entre a polarização Flexa Ribeiro (UDN) X Negrão de Lima (PTB/PSD). Amaral Netto (PL) correndo por fora. Fez mesmo uma simulação, pedindo aos alunos que escrevessem num papelzinho sua preferência. Olhem, muito legal e avançado para uma professora da 3ª série, nessa época.
Sei lá quem venceu em sala de aula mas, na Guanabara de verdade, deu Negrão de Lima, com manchetes do tipo: "1965: Oposição heroicamente vence a ditadura militar nas eleições para governadores". E eu, sozinho, quando a professora abriu os votos, denunciei que fui o único a escolher Amaral Netto. Ela perguntou por quê. Eu disse que era simpatia. Os colegas riram, refletindo minha alienação, porque traziam de casa a polarização da campanha. Guanabara nunca fechava com Brasília nas preferências.
Chegando a casa, meu pai me fez entender a reação da turma. Também outra experiência com voto, mais rudimentar em relação a esta, foi para a escolha da dupla que representaria, com as demais turmas, os monitores, para uma tarefa extra, que era pegar, numa sala específica da escola, o Material Áudio-Visual.
Pois bem. A professora, em apenas uma cédula, leu dois nomes: de um colega e o meu. Dirigiu-se à turma, perguntando, diante dos dois nomes, quem votou em quem. Eu levantei o dedo e respondi: "Eu, professora". Mas você o quê, ela perguntou? Reiterei que votara no colega e que conferisse o nome pequenininho, no rodapé do voto: era para identificar que era mesmo o meu. Riram alguns mais inteligentes na sala. Ela riu, aos outros, por concessão, a mim, delicadamente, fazendo-me entender que, no caso da cédula, não era necessário pôr o nome Cid Mauro. Foi assim que aprendi que voto é secreto.
E Íamos, monitores eleitos, certa vez fui um deles, sala a sala, logo no começo das atividades do dia, para perguntar ao professor(a), geralmente, na época, mais elas: "Vai querer algum material do Áudio-Visual?". Gente, para aquele tempo, anos 1960, aquela sala era um must. Tinha uma brutal variedade de novidades, recursos didático-pedagógicos, bem verdade, muito diferentes em sofisticação dos atuais. Mas ali expostos, preparados para uso, capitalizavam nossa atenção. Lembro da coleção plastificada de notas antigas, novíssimas, despertando a curiosidade, fosse pelo valor implícito, como papel-moeda, fossem os detalhes não reparados com calma, no uso corrente do dinheiro sujo e desgastado.
Outro material de que lembro, no qual detinha mais atenção e, quando solicitado, deixava a gente empolgado em atender, era uma simulação de vulcão, adaptado por uma latinha encrustada numa massa de papelão, colorida ao modo de lava escorrente. Acho que nunca vi funcionando, enchido por um resto de pólvora, ou que o valha, imitando erupção. Mas legal mesmo era o extra fora de sala, ora, que aluno que não gosta, preenchendo o caderninho de pedidos, idas e vindas às salas, retorno ao Áudio-Visual e atenção aos pedidos.
Achávamos muito chato quando ninguém pedia nada. Como era legal ficar dentro daquela sala, imerso em meio àquela variedade de curiosidades. Mais um extra de contentamento para aluno que, invariavelmente, já gosta de novidade. Era uma sala mística, um mergulho num mundo mágico de recursos, formas e cores, sem linguagem digital, mas com um cheirinho típico de novo, coisa cuidadosamente guardada, reserva de um mundo a descobrir.
Receitas de aprendizado, ainda sem internet, power point, pen drive, buscas no google. Álbuns seriados, mapas-múndi com moldurinha de madeira, tripés, ora, nem ainda transparências e seus retroprojetores, avós do data show, havia. Mas o mimeógrafo "cachacinha" havia. E ficávamos esquecidos, beliscando material a material, um tempinho a mais, mesmo porque tínhamos que entender o que foi solicitado e localizar, em meio àquele mundo mágico de opções. Às vezes tínhamos de assuntar alhures, para entender do que se tratava.
Outra hora benfazeja era a da merenda. Dorcas dizia que se admirava de minha aceitação. Não que fosse fresco de ficar escolhendo comida mas, na época, muitas vezes deixava 1/4 de prato, afastando com a mão. Ela perguntava: "E hoje, qual foi a merenda?". Ora, se ela aqui estivesse, lembraria mais do que eu o menu, que variava: macarronada e, às vezes, uma canjinha; quando arroz, misturado a salsicha ou sardinha em lata, esta para além do nosso orçamento, curiosidade e desejo satisfeitos com a merenda escolar.
Idas e vindas à Escola Paraná, atravessando a esquina da Pe. Manso, veja a ironia do nome, com Ernani Cardoso, para não ficar somente aos cuidados da amiga, vizinha portuguesa, Maria Luíza, Dorcas tentou duas acompanhantes para o seu menino: Ismênia, moça da Congregacional de Nilópolis, e Miriam, sua irmã, minha tia legítima. O característico de Ismênia era sempre estar "nos trinques", maquiadíssima, elegantérrima, mulata arretada. Ficava até parecendo que, por estar tão sempre assim, era com descuido que cuidava do garoto. Nada disso, mera impressão. Cumpria muito bem com sua obrigação. É que sua prioridade era antecipar o casamento, preocupada com o tempo que discorria. Alcançou seu objetivo mas, nessa época, não mais era secretária em Cascadura.
Já Miriam, com o mesmo DNA do sobrinho, o jeito era mais, como dizia meu pai com relação à irmã dela, mais expansivo. Miriam era elétrica, cuidava de tudo ao mesmo tempo, tanto é que sua especialidade era atrasar-se, esquecida de buscar o garoto na escola. Ficava eu ali, no pátio imenso, procurando avistar, por cima do muro não muito alto, a silhueta inconfundível de minha tia, não tão perequeté, como se dizia na época, mas minha igual. Esta lembrança das esperas no pátio da frente me fez lembrar de uma árvore que, infelizmente, não mais existe.
Mas em torno dela havia um banco de cimento, arredondado, acompanhando o desenho do tronco, que belíssima e ecológica ideia. E não menos ecológico era que, todos os dias, na hora do recreio, era possível ver a mãe imensa de um de nossos colegas, também amulatada e, relativamente acima do peso, amamentando o filho. Era interessantíssimo ver o menino encaminhar-se a sua merenda exclusiva, direto do produtor ao consumidor. Cada uma da Escola Paraná! Vejam a próxima crônica, mas não sem antes ler este epílogo.
Ainda, mais esta, o maior susto que dei à tia Miriam. Às pressas, sempre, para o colégio. Miriam atarefadíssima, tocava-me a toque de caixa, vamos, menino, Cid Mauro, vai se atrasar, menino, era sua ênfase, mão fechada, como a ameaçar socar minha cabeça, só de "h". Nunca me encostou um dedo. E eu, já almoçado, já uniformizado (fardado, se fosse no Acre), arranjei de pegar, no soalho da sala, um naco de palha de aço, lembrem-se, e não confundam com Bom Bril. Era mais grossa, servia para lixar os tacos do soalho antigo, de madeira, já que camada sobre camada de cera sobrecarregava o brilho e a enceradeira. E lá em casa Dorcas pediu que alguém assim o fizesse.
Cid Mauro, para ajudar Miriam, resolveu, precisamente na hora da saída para a Escola Paraná, ora vejam, arrebentar, no dedo, um pedaço da palha de aço. Ora, para quê? Não, ele não sabia. Devia ser algo na área de iniciação científica, mais exatamente na área de primeiros socorros. Sim, porque essa palha não arrebenta, não como Bom Bril, já dissemos. Um traço de sangue, bem vermelho, abundante, brotou de um corte profundo, bem na dobra do dedo médio, do meio, do pai-de-todos, maior-de-todos, o que você quiser, bem na primeira dobra, entrou com vontade no corte a palha de aço.
Imaginem a figura de Miriam, talvez a mais tranquila entre as irmãs, tentando resolver (e resolveu). Nem faltei a escola, nem houve desespero maior. Segui com um curativo imenso no dedo, marca que carrego comigo até hoje, muito assimilada à própria dobradura, onde mesmo se fez a alavanca da referida experiência, marca quase sumida. O relatório, à noite, não repercutiu desfavoravelmente, à chegada do Cid, aquele conhecido no mitiê familiar como quem criava o Cid Mauro "pelos livros". Todos sobrevivemos para contar esta história.
Já Miriam, com o mesmo DNA do sobrinho, o jeito era mais, como dizia meu pai com relação à irmã dela, mais expansivo. Miriam era elétrica, cuidava de tudo ao mesmo tempo, tanto é que sua especialidade era atrasar-se, esquecida de buscar o garoto na escola. Ficava eu ali, no pátio imenso, procurando avistar, por cima do muro não muito alto, a silhueta inconfundível de minha tia, não tão perequeté, como se dizia na época, mas minha igual. Esta lembrança das esperas no pátio da frente me fez lembrar de uma árvore que, infelizmente, não mais existe.
Mas em torno dela havia um banco de cimento, arredondado, acompanhando o desenho do tronco, que belíssima e ecológica ideia. E não menos ecológico era que, todos os dias, na hora do recreio, era possível ver a mãe imensa de um de nossos colegas, também amulatada e, relativamente acima do peso, amamentando o filho. Era interessantíssimo ver o menino encaminhar-se a sua merenda exclusiva, direto do produtor ao consumidor. Cada uma da Escola Paraná! Vejam a próxima crônica, mas não sem antes ler este epílogo.
Ainda, mais esta, o maior susto que dei à tia Miriam. Às pressas, sempre, para o colégio. Miriam atarefadíssima, tocava-me a toque de caixa, vamos, menino, Cid Mauro, vai se atrasar, menino, era sua ênfase, mão fechada, como a ameaçar socar minha cabeça, só de "h". Nunca me encostou um dedo. E eu, já almoçado, já uniformizado (fardado, se fosse no Acre), arranjei de pegar, no soalho da sala, um naco de palha de aço, lembrem-se, e não confundam com Bom Bril. Era mais grossa, servia para lixar os tacos do soalho antigo, de madeira, já que camada sobre camada de cera sobrecarregava o brilho e a enceradeira. E lá em casa Dorcas pediu que alguém assim o fizesse.
Cid Mauro, para ajudar Miriam, resolveu, precisamente na hora da saída para a Escola Paraná, ora vejam, arrebentar, no dedo, um pedaço da palha de aço. Ora, para quê? Não, ele não sabia. Devia ser algo na área de iniciação científica, mais exatamente na área de primeiros socorros. Sim, porque essa palha não arrebenta, não como Bom Bril, já dissemos. Um traço de sangue, bem vermelho, abundante, brotou de um corte profundo, bem na dobra do dedo médio, do meio, do pai-de-todos, maior-de-todos, o que você quiser, bem na primeira dobra, entrou com vontade no corte a palha de aço.
Imaginem a figura de Miriam, talvez a mais tranquila entre as irmãs, tentando resolver (e resolveu). Nem faltei a escola, nem houve desespero maior. Segui com um curativo imenso no dedo, marca que carrego comigo até hoje, muito assimilada à própria dobradura, onde mesmo se fez a alavanca da referida experiência, marca quase sumida. O relatório, à noite, não repercutiu desfavoravelmente, à chegada do Cid, aquele conhecido no mitiê familiar como quem criava o Cid Mauro "pelos livros". Todos sobrevivemos para contar esta história.
Melhores histórias e melhores narrativas!
ResponderExcluir