Os
amores da Paraná. Ah, os amores! Os primeiros amores a gente nunca esquece.
Havia um, secreto, íntimo que, somente porque já faz mais de 50 anos, revelarei
sem trompaços e contratempos: Lucia Maria, minha professora. O outro, sim,
porque eram dois, poligamia juvenil anos 60, era a Elimara. Este ainda com um
fator complicador: tratava-se de um triângulo amoroso, pois Zé Mauro estava no
páreo.
Lembro
quando, dia seguinte de meu atropelamenro na equina, a uns 10 m da escola, d.
Lucia Maria foi me visitar na UTI do Carlos Chagas, em Marechal Hermes.
Caramba, esse pessoal de hospital: deixaram-me somente munido de uma camisola,
curtíssima na frente, aberta atrás, e ela, com sua maquiagem suave, cabelo
preso, retocado atrás por uma trança. Aproximou-se do leito de hospital, mais elevado, ela, que era de não mais que metro e meio, perguntou de modo suave: "Oi,
Cid, você está bem?".
Eflúvios permanentes,
fiquei hirto, prendia com os dedos das duas mãos a camisola mal-ajambrada, para
que ela não me traísse. Nervoso, não me lembro o que respondi, droga, muito
provavelmente ela deve ter notado o detalhe. Pouco tempo, era visita de UTI,
minutos que valeram uma eternidade. É claro que, de soslaio, reparei um sujeito que a acompanhava, não menor que metro e setenta e cinco, magro, parecendo um
zumbi. Seria o que ou quem? Mais tarde, no retorno à escola, assuntei com os
colegas, mas sem querer saber direito, com detalhes, o grau da relação.
Temos um retrato juntos, seu
sorriso angelical, voz grave, que impunha respeito (a voz não está na foto, é
que me lembrei) e eu, boca também cheia de dentes, um sorriso torto, estilo
jovem guarda, com mais a plaquinha da escola. Vamos ao segundo amor, este
compartilhado. Eu e Zé Mauro gastávamos horas comentando sobre ela. Sua
liderança em sala de aula, sentava-de sempre à frente. A inteligência, sua
delicadeza, porque não era daquelas metidas que, reconhecidas do glamour que
espalham, mostram-se acima, cheias de si.
Não. Com Elimara, não.
Simplíssima. Atenciosíssima. Magnânima com todos, indistintamente. Tanto que
gerou-se, entre nós, uma aproximação, que devo mais à maestria de José Mauro,
esse debochado e cheio de malemolência e manhas, que faziam Elimara rir,
divertir-se à socapa e eu, ali, igual a João Batista, mal comparado (com
relação a nós dois), importava ser amigo dele, que me fazia mais próximo a ela:
cresça Zé Mauro, em sua arte, diminua eu, porém perto dela.
Pelo menos duas situações
constrangedoras, típicas de minha feição e construção psíquica, para ficar
nestes dois termos, ocorreram. Ora, Marisa era a prima de Elimara. Esta,
digamos, para não diminuí-la, eterna musa, no grau de sua dignidade, na verdade
era baixinha, mas só em estatura, enquanto Marisa gigantesca, comparativamente
falando. Ambas moravam em vilas, a mais baixinha na Pe. Manso, esta sua prima,
na Ernani Cardoso.
Talvez nesse mesmo São João
de 1965, foi aniversário, creio que de Elimara, ou alguém da família, o fato é
que Zé Mauro e eu fomos convidados sempre, repito, resultado da desenvoltura
desse meu amigo. Comparecemos. Fomos apresentados a todos da casa, não muito
grande, muita gente, casa de vila, festinha íntima. Por ser época junina,
alguns motivos estavam associados ao calendário e, nas cercanias do parabéns, antes ou depois
de batê-lo, luzes apagadas, alguns canudinhos desses fogos de artifício, como
eram chamados, Caramuru, marca de destaque, foram acesos.
Lindos, naquela escuridão
meio que contida, ali, na pequena salinha, quem epunhava aquele chuveirinho de luz,
esguicho muliticor, era a tia de Elimara. Trajava um vestidinho, talvez um
tubinho, era da hora, mas de um tecido sintético ingrato (comigo), nylon,
naquele tempo, uma novidade, lembro até da cor, essas coisas não se esquecem
com facilidade: azul celeste. Ora, ao final da queima, lembrem-se disto, mesmo
quando não mais há esguicho do chuveirinho de luz multicor, sobra material
incandescente dentro desse canudinho, também multicor. Como eu descobri isto?
Com um peteleleco, aqui chamado
caçuleta, que projetou esse material incandescente de sobra no vestido azul
celeste da tia de Elimara, provocando queima e deixando gravados múltiplos e
diminutos furinhos pretos, feitios de carvão. Um grito. Um salto desabalado. Luzes que
se acendem. Tia que xinga a some cozinha adentro. Tempo para se conhecer o grau
do sinistro. Rostos de feições contrariadas que surgem. A festa, pelo menos
para nós, terminou ali. Nem sei o gosto dos docinhos, brigadeiros como são
chamados aqui, se o bolo estava doce. Não, que que isso, que nada, diziam. Não,
é que temos de chegar cedo a casa, nossa mãe recomendou, emendávamos
disfarçando. Zé Mauro, um mestre do cinismo (que me lembra muito o bat-vilão
Charada), em nossa saída, contorcia-se rindo, quase a cair, agachando-se no ato, escorado ainda
no muro da vila, cabelo loiro, ruivo, castanho claro/escuro, aquela mistura,
muito liso, saltitando na testa, olhos fechados enquanto esganiçava os dentes,
descrevia a cena, reiterada vezes, a reação da tia, minha reação, reação do
todos, para rir, engasgar de tanto rir. Na descrição repetida, detalhe a
detalhe, só poupávamos Elimara, entristecidos por tão abortiva situação que,
tão cedo precocemente nos tirava daquele informal e familiar convívio, bem
próximos a ela. Nem precisa dizer que, até chegarmos à Mendes de Aguiar pesava
sobre mim toda a culpa, acusações contínuas, deboche reincidente, nem adiantava
eu tentar justificar o quão inocente havia sido o meu gesto de, nesse
empreendimento, esforçar-me por aproveitar, ao máximo, o deleite de sobra do
material incandescente ainda dentro do canudinho Caramuru.
Cantado em
prosa e verso, este incidente, nos círculos familiares e escolares da época,
levada em conta a tentativa de minimização das consequências encetada por
Elimara, no encontro seguinte, após o sinistro, enfim, reações da tia, não foi
nada não e eu procurando sondar a verdade, lendo a fisionomia de nossa amada em
comum. Cumpriu-se a profecia, sentia-me mesmo diminuído, por causa deste
incidente: crescesse Zé Mauro, o mediador, eu diminuísse.
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