segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Crônicas de uma vida I - O corredor

      
    Morávamos em Cascadura, Rio, RJ. Num corredor. Lá no final, dobrando a esquerda, em “L”, ficava o “Mendaguiá” 90, ap 102, que era assim que, ainda tenro, eu pronunciava Mendes de Aguiar, rua onde nasci, em 6 de maio de 1957. Na verdade, nasci no HSE, abreviatura de Hospital dos Servidores do Estado, na Gamboa, carioca da gema.

           Contava minha mãe que foi arriscado. Fui o quarto parto, desde que casaram, em 29 de maio de 1954. E só vingou eu mesmo. O anterior, Cid (sem o Mauro), havia nascido em 29 de fevereiro de 1956. Meus pais o sepultaram em 12 de março de 1956: apenas 13 dias de vida. E, nesse dia, Dorcas completava 26 anos de vida.

          Foi um trauma. Ela contava, nessa casa mesmo aí em Cascadura, chegavam amigos à noite para conhecer o menino. Traziam presentinhos para ele, presentinhos para ela. Meu pai despistava, para não chocar as pessoas. Minha avó materna Eunice, a “vó velhinha”, como minha filha passou a chamar, a partir de 2002, foi esteio nesse período.

         Lembro desse corredor, o mais atrás que vai minha memória. Meus pais diziam que eu falava, em rudimentos de linguagem, “Aiá, aiá”, que era “Passear, passear”, que eu queria, tendo ouvido que esse som significava ganhar a rua no colo do Cid, meu pai. Comigo transitava ali, pelas cercanias, até Madureira.

          Caminhava até o final da rua, naquele tempo, sem saída. Contornava um valão, certamente muito menos poluído, naquela época. Íamos por ali, não existia ainda o Tem Tudo de Madureira. Caminhávamos até a Igreja Católica. Entrávamos. Seja lá por que motivo, na cabeça do Cid. E eu apreciava os santos ali por dentro distribuídos.

          Em meu ainda parco vocabulário dizia “Neco, neco”, traduzido quer dizer “boneco”, desejando levá-los para casa. Lembro que, pelo menos uma vez, chorei, nesse intento, por chantagem emocional, contrariado pela insensibilidade do pai em não me atender. Um padre, que naquele tempo ainda usavam batina escura, tomou-me no colo para consolar-me.

          Explicou que deveriam ficar ali. Outras pessoas, que não somente nós dois, Cid e Cid Mauro, viriam também vê-los. Devo ter olhado com espanto para a cara do paroquiano, mais ou menos entendendo, toquei mais uma vez, guiado pela sua mão, o “Neco”, e quedei-me convencido. Era esse um dos tours pelos quais meu pai me conduzia.

         Mas voltando ao corredor, não esqueço o dia. Talvez voltássemos da igreja ou de outra saída, alhures, sei lá, o casal era visitadeiro. Portãozinho de madeira, à época, naquele tempo muito mais extenso o corredor, do que é hoje, compreensível, para o mundo infantil. Um céu enorme, acima de minha cabeça, muito mais estrelado do que hoje, pelo pouco de luz que, nos idos dos anos 60, esboçava-se por Cascadura.

        Devo ter suposto que era momento de uma pergunta teológica. Eu queria saber do rolo em me dizerem, os dois, pai e mãe, ser Jesus filho de Deus e, ao mesmo tempo, de José. Afinal, era de Um ou do outro. Cid entrou pela fórmula “pai adotivo”, “pai de criação”, bem, rudimentos de construções teológicas, digamos assim.

        Era só para lembrar o corredor.

Rua Mendes de Aguiar, bem na esquina
com Ernani Cardoso

Casa da Matilde, à direita; portão acinzentado,
indica a entrada do corredor; portal térreo do sobrado,
entrada dianteira da casa de d. Olga.

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A Paróquia, quase
60 anos depois.

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