segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Crônicas de uma vida II - Saias de minha mãe


            Os vizinhos eram Maria Luíza, muro da direita, dona Olga, casa da frente, acesso ladeado pelo já famoso corredor, tempo e universo da infância. Aquela, portuguesa, mãe de Dora Elsa, esposa do, no sotaque luso “dotore” Cândido, precocemente falecido.     

         Ali por perto tínhamos uma subestação da Light, à época empresa canadense de monopólio de distribuição da energia elétrica, incluída a energização para os bondes. Eu estava, com outras crianças, exatamente no caminho cimentado ladeado de plantinhas, que dava na porta da casa de nossa amiga portuguesa.

         Minha mãe Dorcas, por ela chamada, com todo o respeito, Dona Maninha, com ela conversava. Muito provavelmente entre as crianças deveria estar o Alberto, irmão de Shirley, filhos de Matilde, senhoria do casal luso. Lembro-me que ganhei,  acelerando, numa estirada ao máximo de uma corrida, o rumo do caminho de entrada para o portão da rua, junto com as outras crianças.

          Havia um caramanchão, com planta trepadeira, que formava como que um arco, sobre nossas cabeças, justo na fronteira que separava casa da senhoria, entrada da casa da inquilina, termos típicos da época. Foi quando.

         Uma explosão espetacular, enorme, dessas que enchem o mundo. Quando, por reflexo, olhei para cima, clarão, estrondo, escuridão, tive a impressão de que todo o Universo se enchia daquele barulho, e não somente o bairro de Cascadura. Um estrondo ensurdecedor, um clarão nos céus, em tons azulados, arroxeados, avermelhados, seguidos de uma enormidade de black out em toda Cascadura. Eu acho que pensei que era o fim do mundo. A segunda vinda de Jesus. Sei lá! Ganhava esse rumo, seja seguido por Alberto, quem sabe Luís Carlos, caboclinho lá das casas geminadas de entrada na rua.
   
     Aquele tipo e corrida desabalada, caramba, após o susto da explosão, deu 180°, guinei voltando a Dorcas, em direção oposta, gritando de terror. Ô, sujeitinho frouxo!  E o grito? Sabe, aquele grito aterrador, que você usa todas as vogais? Cujo medo incontido não se expressa por apenas uma? Muda tom e inflexão, à medida que o terror te domina? Foi esse. Éééêêêeeaaaooowww!!!! Agarrei-me a ela, pus entre suas pernas o rosto, escondido no refúgio e aconchego que a roupa de mãe me dava, só me restando chorar. Que vergonha!

         Calma, meu filho, calma, dizia suave. Não foi nada não. Como, não foi nada não!? E eu, nesse estado de total descontrole! Acariciava-me o cocuruto. Consolava-me. Coisa de mãe. Chateação maior ainda foi ter percebido que fui o único chorão. Que os outros entenderam mais rápido do que eu o “não era nada não” de mãe. Estava escuro. Procurei ouvir outros choros, ecos do mesmo desespero, e nada. Localizar outros colegas próximos às respectivas mães. Se havia, era em posição usual. Não numa de desespero. Poxa, pensei. Esses caras não vão chorar não? Afinal, será que não avaliam o tamanho deste caos?

        Não avaliavam. Um e outro ouviam os comentários, não me lembro se Matilde, a senhoria, estava por perto. Alberto se manteve sangue frio, mesmo, talvez, ano, ano meio mais novo do que eu. E voltamos a nossa rotina. Fomos ao portão, agora acompanhados pelas comadres conhecer, com mais detalhes, os estragos.

         Comentários de que foi na Light, foi na Light, mais tarde, esclarecidos de que um transformador havia explodido. E que explosão! E que desmoralizante transformador. Minha reputação em jogo. Ora, bolas.

Entrada da subestação da Light
em Cascadura, acesso pela
Ernani Cardoso
Matilde, em primeiro plano, sua filha Shirley,
a terceira sentada, a partir de Dorcas,
que está de pé à porta
Corredor à esquerda, acesso à
minha casa; corredor à direita, 
onde se deu a corrida em surto.
Antiga casa de Matilde, 
essa com o toldo.

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