Por Todd Wilson, Cristianity Today, 4 de janeiro de 2019.
Não muito tempo atrás, um
amigo pastor ligou pedindo ajuda. “Estou pregando sobre Gênesis 1-11”, disse
ele, “e eu preciso de alguns conselhos sobre toda aquela coisa de criação e
evolução”. Havia ansiedade em sua voz. Ele não tinha certeza de como ia
ser pregar sobre as origens no contexto de sua igreja – ou se ele sobreviveria!
E dá pra entender o porquê. Provavelmente não há nenhum assunto mais
controverso entre os cristãos evangélicos do que esse.
Vários anos antes deste
episódio, circulou um boato em minha congregação que dizia mais ou menos assim:
“O pastor Todd acha que viemos dos macacos!.” Minha congregação estava,
historicamente falando, do lado conservador em muitas questões teológicas,
inclusive essa. Em seu passado não muito distante, a igreja havia abraçado o
criacionismo de seis dias da Terra jovem como sua posição de ensino (não
oficial). Não é nem necessário dizer que o fato de que seu relativamente novo e
jovem pastor defendia uma versão de criação evolutiva causou um certo
desconforto congregacional.
Essa temporada cheia de
tensões na vida de nossa igreja proporcionou uma boa ocasião para nos
envolvermos em conversas sérias sobre as origens. Nós tivemos que lidar com
nossos limites doutrinários como uma igreja local: que grau de diversidade permitiremos?
E dada a nossa diversidade, o que ainda podemos afirmar juntos como um núcleo
doutrinário unificador?
O resultado foi o
desenvolvimento de uma série de dez teses sobre criação e evolução que
acreditamos que (a maioria dos) evangélicos podem (em sua maior parte) afirmar.
Nós não estávamos procurando por perfeita unanimidade. Nosso objetivo final era
manter a “unidade do Espírito através do vínculo de paz” (Ef. 4: 3) e priorizar
o evangelho como “de primeira importância” (1 Co 15: 3). Era importante para
nós chegarmos a uma posição sobre criação e evolução que estivesse de acordo
com aquele velho ditado cristão que diz: “No essencial, unidade; no
não-essencial, liberdade; em todas as coisas, caridade.”
Neste ensaio, compartilho
nossas dez teses sobre criação e evolução – ou o que chamamos de “Mera
Criação”. Isso não é o que criacionistas da terra jovem acreditam ou o que
criacionistas da terra antiga acreditam ou o que os defensores do design
inteligente acreditam ou o que os criacionistas evolucionistas ou
evolucionistas teístas acreditam, mas sim o que a maioria dos cristãos
(evangélicos), ao longo da maior parte do tempo, tem acreditado ou deveriam
crer a respeito da criação.
1. A
doutrina da criação é central para a fé cristã.
Historicamente falando, os
evangélicos têm tido dificuldades para levar a doutrina da criação a sério.
Nosso amor tem sido soteriologia e cristologia, não criação. Mas nossa
negligência da doutrina da criação não é apenas porque nossa atenção esteve em
outro lugar. Por vezes, minimizamos a doutrina da criação em prol da coesão
eclesial. Classificamos a doutrina como uma questão “secundária” ou
“terciária”, na tentativa de preservar a unidade da igreja. Por que romper a
comunhão sobre uma questão não diretamente relacionada à missão da igreja ou à
salvação das almas?
Um dos pontos fortes do
evangelicalismo é sua capacidade de forjar uma causa comum a partir da
diversidade teológica. E, no entanto, o perigo é que nossa tolerância pelas
diferenças doutrinárias se torne uma indiferença à doutrina. Naturalmente,
algumas doutrinas estão mais próximas do núcleo ou mais próximas da periferia
do que outras. A angelologia não é central. Tampouco certos aspectos da
escatologia. Mas a doutrina da salvação é; da mesma forma, a doutrina de Deus,
a doutrina do Espírito e a doutrina de Cristo.
Devemos acrescentar nesta lista a
doutrina da criação pela simples razão de que ela aborda alguns dos fundamentos
de nossa fé – a razão pela qual e a natureza do mundo que Deus criou, bem como
a razão pela qual e a natureza das criaturas que Deus criou, incluindo aquelas
criaturas feitas à imagem de Deus.
2. A Bíblia,
tanto o Antigo como o Novo Testamento, é a Palavra de Deus, inspirada, dotada
de cabal autoridade e sem erro. Portanto, tudo o que a Escritura ensina é para
ser acreditado como a instrução de Deus, sem negar que os autores humanos das
Escrituras se comunicaram usando as convenções culturais de seu tempo.
Em discussões sobre as origens, eu
tenho achado muito útil começar com uma defesa a plenos pulmões da inspiração,
autoridade e inerrância da Bíblia. Isto é especialmente verdadeiro para aqueles
que são simpáticos à criação evolutiva, já que às vezes eles são injustamente
acusados de não levar as Escrituras a sério o suficiente.
Eu também descobri que os cristãos
que rejeitam um relato evolutivo das origens não o fazem principalmente porque
acham a ciência pouco convincente, mas porque chegaram à conclusão de que tal
visão inevitavelmente enfraqueceria a autoridade da Bíblia. O medo é que abraçar
a evolução leve a comprometer a autoridade bíblica.
A força desta tese é que, qualquer
coisa que a Bíblia ensina, Deus ensina. Tudo o que a Escritura asserta (afirma
como assertiva, assevera, diferentemente do que a Escritura meramente “diz”)
deve ser acreditado como o que Deus pretende dizer. Não é uma opção viável para
aqueles comprometidos com a autoridade das Escrituras dizer: “Eu sei que a
Bíblia ensina isso, mas eu não acredito nisso”.
Em dizendo isso, no entanto, não
queremos dizer que Deus “driblou” ou “evitou” os autores das Escrituras.
Nenhuma ênfase em uma “visão elevada” da Bíblia deve nos levar a subestimar
inadvertidamente o lado humano da equação. Como bem diz D.A. Carson, “A Bíblia
é um documento surpreendentemente humano”. Também não queremos sugerir que uma
visão robusta das Escrituras não deixa espaço para os autores comunicarem as
verdades divinas através das convenções culturais de seu tempo.
Quando lemos a Bíblia, e não menos
quando lemos os relatos da criação em Gênesis 1–2, queremos conhecer a intenção
do autor expressa no texto escrito, mesmo que isso não esgote um tratamento
fiel das Escrituras. No fundo, queremos saber o que esse autor específico quis
dizer, nesse momento específico, com essas convenções culturais específicas.
3. Gênesis
1-2 é de natureza histórica, rico em arte literária e teológico em propósito.
Esses capítulos devem ser lidos com a intenção de discernir o que Deus diz
através do que o autor humano disse.
A partir daqui saímos do que as
Escrituras são em direção ao que as Escrituras dizem.
É aqui que os clássicos problemas começam a aparecer.
Naturalmente, há muito o que debater
sobre como interpretar Gênesis 1–2. Com demasiada frequência, a questão é
colocada como um “ou-ou”. Gênesis é fato ou ficção? É histórico ou teológico?
Revela arte e composição literária ou está descrevendo eventos históricos
reais?
Precisamos de uma abordagem equilibrada para
a questão do gênero literário de Gênesis 1–2. Isso significa considerar o fato
de que o texto é uma composição cuidadosamente elaborada, com todos os três
elementos – literário, histórico, teológico – presentes.
Claramente, o texto tem a intenção de
ser lido como um relato histórico, pelo menos em algum nível. Não se trata de
mitologia antiga nem folclore. Tem mais coisas acontecendo ali. No entanto, uma
leitura mais atenta desses textos revela uma rica arte literária. Este não é o
tipo de reportagem de “apenas os fatos” que você encontra em um jornal.
Contudo, parece claro que o objetivo
do autor é, em última análise, teológico – dizer algo sobre Deus, a natureza do
mundo, a identidade e o destino dos seres humanos criados à sua imagem (Gn
1:27). O ponto não é, em última análise, sobre supernovas ou gases de efeito
estufa ou horticultura, mas sobre “Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da
Terra”, como o Credo Apostólico coloca.
É claro que afirmar que Gênesis 1–2 é
de um gênero composto não resolve imediatamente questões de interpretação. Os
estudiosos, sem dúvida, continuarão a debater o significado desses capítulos.
Mas ao buscarmos um terreno comum, deveríamos pelo menos começar compartilhando
um compromisso com a intenção autoral e com um acordo de que o gênero de
Gênesis 1-2 é complexo e possivelmente múltiplo (combinado).
4. Deus
criou e sustenta tudo. Isso significa que ele está tão envolvido em processos
naturais quanto em eventos sobrenaturais. A própria criação fornece evidências
inequívocas da obra de Deus.
Qualquer conversa sobre origens
envolve pressuposições ocultas sobre quem é Deus, como é o mundo que ele criou
e como Deus interage com esse mundo. Por exemplo, nossa visão de Deus é
frequentemente mais deísta que teísta. Em nossa era secular, até mesmo os
cristãos estão acostumados a ver o mundo de maneira mecanicista ou materialista
– achamos fácil afirmar que Deus está envolvido em ressuscitar alguém dos
mortos, mas nós também facilmente escorregamos em padrões de pensamento que
excluem Deus do funcionamento rotineiro da natureza, como a rotação das
estrelas, a formação de nuvens ou a grama à medida que cresce. Isso é “apenas a
natureza fazendo as suas coisas.”
Esse naturalismo implícito limita
nossa imaginação teológica de maneiras que não ajudam. Precisamos evitar ser
essencialmente ateístas na forma como vemos o mundo “natural”, como se Deus não
estivesse envolvido em todos os processos que os cientistas gostam de estudar –
coisas como divisões celulares, fotossíntese ou condensação. Como Karl Barth
diz da interação providencial de Deus com sua criação, “Ele coexiste ativamente
com ela, em uma ação que nunca cessa e não deixa quaisquer brechas”. Ou
considere o Salmo 104, que celebra Deus trabalhando em praticamente tudo.
Um resultado disso é que a própria
criação fornece evidências inequívocas da obra de Deus. Como o salmista
declara: “Os céus declaram a glória de Deus” (Sl 19: 1, NVI). Ou, como o
apóstolo Paulo coloca, os “atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua
natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das
coisas criadas” (Romanos 1:20, NVI).
5. Adão e
Eva eram pessoas reais em um passado real, e a queda foi um evento real com
consequências reais e devastadoras para toda a raça humana.
Este é provavelmente um ponto de
discórdia para alguns. Um número crescente de criacionistas evolutivos
evangélicos está desistindo da crença em Adão e Eva como pessoas reais em um
passado real. A evidência genética, pelo menos como agora a entendemos, torna a
crença em um par humano original duvidosa, se não impossível.
Eu suspeito que em 20 anos, o apoio
para Adão e Eva como pessoas reais em um passado real será uma visão
minoritária mesmo dentro do evangelicalismo. Se isso acontecer, continuo
confiante de que a fé cristã sobreviverá, embora isso exija alguma
reconfiguração de nossas mais profundas convicções.
Dito isso, eu pessoalmente não acho a
evidência genética convincente o suficiente para rejeitar a crença em um Adão e
Eva reais em um passado real. Admito que a evidência está aumentando e, nesse
estágio, parece (para meu olhar destreinado) impressionante. Mas duas
convicções bíblicas me mantêm amarrado à histórica convicção cristã sobre o par
humano original. O primeiro é o testemunho da Escritura, especialmente a
presença de Adão nas genealogias (Gênesis 5; Lucas 1) e na tipologia de
Adão-Cristo de Paulo em Romanos 5. Ainda mais convincente é a ideia de que a
visão cristã da salvação parece depender da doutrina do pecado original e da
queda como um evento, o que por sua vez requer que uma pessoa real tenha
transgredido e assim mergulhado a humanidade em um estado de pecado do qual ela
precisa de redenção.
Pode ser que cristãos fiéis
desenvolvam maneiras bíblicas legítimas e teologicamente sensatas de explicar o
evangelho à parte de um Adão e Eva reais. Mas até lá, a sabedoria está em manter
um espírito de conversa engajada sobre esta questão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário