sexta-feira, 22 de julho de 2022

Lenda Urbana

 LENDA URBANA- A ÁRVORE DOS ENFORCADOS

 

A história do negro Sebastião é um folclore que poderia ser de qualquer cidade antiga, nos tempos da escravidão. Foi uma experiência infame. Os nomes Benedito e Sebastião eram o afro-brasileiro dos alemães Hans e Fritz ou dos portugueses Joaquim e Manuel. 

Essa história hoje é tratada como uma lenda urbana. Mas certamente foi inspirada em algum acontecimento real, pois havia uma velha capela dedicada a São Sebastião no lugar onde a tradição dizia que o negro Tião foi enforcado. 

Construção feita pela metade do século XIX, a capela é local muito visitada por devotos, também servia como um local onde os praticantes de umbanda deixavam oferendas para os santos e orixás. Antigos habitantes da cidade evitavam passar em frente, depois da meia noite, pois diziam acontecer coisas estranhas. Diziam ser ouvidas, no dia 2 de novembro, dedicado aos finados, quando ficava aberta e iluminada a noite toda, muitas vozes lá dentro mas, se algum curioso, ou corajoso, ia olhar, não encontrava ninguém lá. Só velas acesas.


Segundo a história da cidade, por volta de 1830, no lugar da capela havia um pelourinho. Ali, os negros cativos eram amarrados, para sofrer castigo público, pelas faltas acusadas por seus donos, o que era uma comum naqueles tempos. Negro era mercadoria, valendo tanto ou menos do que uma besta de carga que, se ficasse velha ou doente, era sacrificada e sua carne distribuída aos escravos. Já um escravo, nem isso e, se cometia uma falta, o pobre infeliz era levado ao pelourinho , para ali sofrer os mais terríveis castigos. 

E seus senhores eram todos bons católicos, cumprindo á risca os sacramentos da Igreja, não raras vezes construindo catedrais, para mostrar à sociedade seu piedoso respeito e zelo religioso. Vai ver que a capela de São Sebastião foi construída por um desses “piedosos”, algum dono de fazenda de café ou engenho de açúcar, senhor de muitos escravos. Muitos negros morreram naquele local por conta das mutilações que sofreram. Alguns eram ali enforcados, pois o local também servia de patíbulo, onde havia uma árvore que servia de trave para enforcar os negros. O povo presenciava a execução, depois que o dono do escravo o acusava de algum crime e a Pretoria o condenava à morte.


Uma velha tradição muito divulgada na cidade diz que, em 1839, um negro chamado Sebastião foi enforcado ali. Foi julgado e sentenciado por algo que não tinha feito, segundo se conta sobre essa história. Mas o Direito da época não via o negro como gente, portanto pouco importava se fosse inocente ou culpado. O negro era o que seu dono determinava. Mesmo porque o negro Sebastião era velho e já não valia muita coisa.


Consta  então que, quando suspenso no ar, o laço da forca se desfez sozinho. O carrasco fez outros nós e tentou suspender novamente. Fez isso repetidas vezes. Mas, a cada tentativa, o laço se desmanchava, sem qualquer explicação. Buscaram outras cordas, tentaram-se outros tipos de nós, mas tudo se repetia. Então o carrasco, humilhado e constrangido com aquilo tudo, vendo a platéia começar a pedir liberdade para o negro, achando tudo providência divina, disse exasperado:  “Negro maldito, que o diabo te leve!”


Então, imediatamente, surgiu um tropeiro que, por acaso, passava por ali, homem perito em laços, fez um que não se desmanchou e o negro Sebastião acabou sendo finalmente enforcado. Dizem que o tropeiro exalava um cheiro insuportável de enxofre e seus olhos eram vermelhos como dois tições em brasa. Não se sabe se a capela foi construída em homenagem ao santo ou ao negro Sebastião. Mas a tradição confirma que foi financiada pela família do fazendeiro que mandou executá-lo como promessa que uma filha ou filho dele, fez ao santo, para cessar uma maldição que se abateu sobre eles a partir de então. 

É que todas as crianças de família passaram a nascer com bócio, mas não era o comum, que os antigos chamavam de papo, pelo aumento da glândula tireóide, mas uma espécie de caroço nodular, como se o pomo de Adão tivesse sido violentamente puxado para cima, formando um gomo. Assim, a maioria delas morria nos primeiros anos de vida. Essa família ficou famosa como a “família dos enforcados”.


Hoje a capela não existe mais. Como tudo que envelhece, ela também pagou o seu tributo á modernidade. Foi demolida nos anos sessenta, dando lugar a um belo prédio de seis andares, onde hoje existem escritórios de advogados, consultórios médicos e escritórios de prestadores de serviços. É um prédio de arquitetura estranha, todo pintado de verde, que mais se parece com uma árvore. São poucos os donos e inquilinos que conhecem a Lenda do Negro Sebastião e as tradições que a acompanham. Mas alguns deles, que já se aventuraram a ficar trabalhando até altas horas, juram que coisas estranhas costumam acontecer ali depois da meia noite. O mais estranho são as vozes, que parecem ser de crianças que ainda não aprenderam a falar direito. Aliás, elas não falam, ciciam, como crianças que sofrem de bócio.

Os mais gozadores chamam esse prédio de “A Árvore dos Enforcados”. 

 


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