O Deus de Jeremias exigia de seu povo uma correspondência em caráter. A lei de Moisés, concedida como padrão, era lógico que não se constituía, apenas, no arrazoado escrito, símbolo de perfeição, sagrada em si mesma, um monumento à vaidade dos israelitas.
Deus, por boca de seus profetas, exigia vê-la exibida na conduta do povo. Desde Oseias, que profetizara, no norte, em Samaria, cerca de 150 anos antes de Jeremias, contra o sistema sacerdotal que, a um só tempo, queria abarcar culto e política civil, como usurpação, mas envergonhava a intenção divina de santidade fora do livro, plasmada na vida das pessoas.
Essa crítica profética era lúcida. Porque nunca a troca por outros deuses era isenta de desvios morais. Já na época de Oseias denunciava-se a falência do sacerdócio no Reino do Norte. Pois no Sul, agora no tempos de Jeremias, ocorria o mesmo e com todas as instituições.
Os conterrâneos do profeta, em Anatote, não vão querer Jeremias por lá. Porque ele está, definitivamente, comprometido com a denúncia de todos os desmandos de todas as classes, seculares ou religiosas. Aliás, ele é um sacerdote fora de ofício, que contraria todos os demais falsos profetas, envergonha os patrícios alinhados ao poder do rei que, por sua vez, tem todos os juízes corruptos consigo, incorporados, por sua vez, aos anciãos.
Isaías, contemporâneo de Oseias, cujo ministério também se deu em Jerusalém, como agora opera Jeremias, tem uma expressão que ainda bem, quer dizer, que mal define a nação, ou melhor, o que restou dela: "da planta do pé, ao alto da cabeça, uma chaga só, não tratada, não ungida com óleo".
Em Israel, uma vez que houveram pedido um rei, em desacordo com a vontade de Deus, como bem representou o profeta da hora, Samuel, que viveu cerca de 400 anos antes de Jeremias, foram atendidos, mas delineou-se, desde muito cedo, o perfil perfeito para esse líder.
Foram ungidos por Samuel, o primeiro deles, Saul, e o segundo, Davi. Samuel, esse profeta da hora, era um misto de juiz e também sacerdote. Embora o rei fosse por ele ungido, nunca, em Israel, foi permitido que reunisse em si os dois ofícios, quais fossem, liderança político-militar e sacerdotal.
Aliás, entre outras reprovações, a principal, que literalmente rasgou Saul para fora da dinastia real, que vai se tornar davídica, foi antecipar-se a Samuel na oferta de sacrifícios que antecediam uma batalha iminente.
Definitivamente, foi dito a Saul, sua descendência foi proscrita da dinastia que haveria de suceder o rei de Israel. Saul estava fora do perfil. Amigo de Deus todos e qualquer rei deveria ser, como Davi o foi. Mas associar-se ao sacerdócio, como seu líder inconteste, jamais.
Porém essas duas instituições, sacerdócio e reinado, tendiam a conciliar-se em torno dos mesmos interesses. E, na maioria das vezes, esses interesses iam de encontro à ética dos profetas autênticos, que era o caso de Jeremias, e de outro contemporâneo de Isaías e Oseias, o profeta Amós.
Este teve uma altercação com um profeta, que estava na conta, isto é, na folha de pagamento de Jeroboão II, no norte, que jogou na cara do profeta Amós estar no lugar errado, profanando o santuário e o trono desse rei. Amós responde à altura: eu, sim, não sou profeta. Colho sicômoros e tanjo ovelhas. Mas o Senhor me tirou de detrás do gado e me enviou.
De outra sorte, desta vez ainda no reinado de Acabe, da primeira dinastia em Israel do Norte, filho de Onri, aliançou-se com Josafá, rei em Jerusalém, para lutarem juntos contra Hazael, da Síria. Josafá viaja e encontra uma malta de profetas favoráveis a Acabe. Desconfia, e pede um autêntico. Vem Micaías, que profetiza e testemunha a morte de Acabe, por uma flecha perdida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário