domingo, 13 de setembro de 2020

1979 - Pouco mais, pouco menos

 1979

     Decidi que trancaria a matrícula na faculdade nesse ano. Caminharia na direção de legitimar o que faltava para receber o cerificado de técnico em eletrotécnica, que era um estágio e seu relatório apresentado a Escola Técnica Federal.
      Ficap do Brasil, fios a cabos plásticos. Km 02 da Via Dutra, no bairro de Jd América, eu pegava duas conduções para chegar lá: o 179, Meier-Grotão, para saltar em Bonsucesso, atravessar o túnel "buraco do padre", por debaixo da linha férrea, e pegar o 198, Bonsucesso-Jd América. 
     Eram três fábricas dentro de uma só, como diziam na época. Porque havia três galpões enormes, um deles para processar os lingotes de cobre ou alumínio, até que se tornassem na expessura de vergalhões, para ser ainda mais afinados, ao ponto da bitola de fios de energia, num outro galpão, ou fios mais finos, que reunidos formariam um cabo de telefonia, de mais de 4 dedos de espessura, com os cabinhos dentro, finíssimos ao máximo, para ser usados na telefonia desse quarto final de século, mega-antiquada, em tamanho e sofisticação,  em relação às fibras óticas de hoje.
      O engenheiro que havia pedido o estagiário, que seria eu, queria implantar naquela empresa a Manutenção Preventiva, que consistia numa escalada prévia de máquinas a ser paradas, para uma inspeção geral em pontos críticos de seu circuito, que assim evitassem futuros defeitos. 
     Dizia que, assim, era mais lucrativo e inteligente prevenir, do que, num defeito eventual, aí sim a equipe da Manutenção Corretiva vir à máquina para somente então checar do que se tratava e providenciar o reparo. Vários fatores contribuiriam para atrasos, a não disponibilidade de peças de reposição, a imprevisibilidade do tipo de defeito, tudo isso junto justificaria essa turma preventiva, da qual eu fazia parte.
      E minha função era supervisionar o trabalho deles. Num tempo em que os quadros das máquinas ainda eram gigantes, com circuitos que apenas começavam a ter unidades eletrônicas, plantas em papel, enormes, do tamanho de lençóis de solteiro, que se desdobravam em quatro, oito e, quem sabe, dezesseis partes, eu tinha que inspecionar o trabalho desse pessoal, para relatar se, ao submeter a escala de máquinas eleitas para o tipo de manutenção, estavam seguindo a receita item a item. 
     Havia um Encarregado, um cara experiente nesse serviço, que acompanhava os eletrotécnicos, e eu junto, avaliando o serviço de todo mundo, como elo entre essa equipe e o engenheiro. Só delineava-se um pequeno problema: eu estava dois anos defasado dos técnicos que trabalhavam sob minha inspeção. Eu abandonara o mitiê no qual eles eram peritos, para decolar no rumo do estágio superior da engenharia elétrica.
     Evidentemente, o estágio deles era simples, comparativamente falando, em relação ao nível que eu almejava. Mas era a velha distinção entre teoria e prática que, aliás, ficou patente numa entrevista a que, nos idos de 1976, recém saído da Escola Técnica, fui submetido, pasmem todos, quando fui aprovado para, nada mais, nada menos ser técnico em Furnas, na Termoelétrica de Angra dos Reis.
     Lembro ao paciente leitor que se trata da Usina  Nuclear que, na época, necessitava de um grupo que seria formado por ela de técnicos especialistas em medição de radioatividade, fosse nas instalações, funcionários ou meio ambiente em redor. Foi um prova pouco divulgada, realizada num domingo ermo, com poucos alunos, fossem da Escola Técnica Federal, fossem da Visconde de Mauá, em Mal Hermes, ambas no RJ.
      Acho que em meio a uns vinte, 8 foram aprovados. Amanhecendo, levados por um ônibus da própria Furnas Centrais Elétricas, à Termoelétrica de Santa Cruz, lá no início da Rio-Santos, mais para Itaguaí do que Sta Cruz, onde ficamos o dia todo, claro, sendo observados, almoçamos, visitamos as instalações para somente ser entrevistados à noitinha.
      Creio que trabalhar em Furnas, a um só tempo, seria emancipação, cumprir a orientação do velho pai em ingressar no mercado de trabalho e, muito provavelmente, solver os conflitos dessa "inversão" de adolescência. Foi quando, na entrevista, ficaram patentes duas facetas numa só personalidade.
     A primeira, quando o engenheiro perguntou sobre minha visão de futuro, visto que não existia formação específica para a função na usina em Angra e ele explicou que, pelo currículo e experiência do curso técnico, eles é que, por um ano inteiro, formariam essa qualidade de técnicos dentro da própria empresa. 
      Eu disse que pretendia cursar engenharia elétrica. Ele então expôs a visão da empresa, que não investiria numa mão de obra por um ano, sob risco de, uma vez vendo-a formada, perdê-la, ainda que para a faculdade. E, ironicamente, perguntou em que faculdade eu estudaria, se ia trabalhar em Angra dos Reis, das 7 às 18h, a 150 km do Rio e a 350 de Sampa? 
      Eu dei a resposta de um neófito: sei lá,  só sei que quero "fazer" engenharia. E a segunda pergunta definia, numa ilustração, a diferença entre teoria e prática. Ele perguntou como eu poderia saber se uma bobina, numa máquina elétrica, estaria internamente rompida. Elementar, meu caro Watson. Mas ele que me respondeu. 
     Era o tipo de pergunta simples, definidora do grau de malícia ou experiência de um candidato qualquer a esse tipo de posto, do tipo que, responder certo não significava estar diante de um gênio, mas não saber possivelmente se estaria diante de um, como dizer, ser humano deveras (meio) alienado. Não soube dizer. Ele foi direto: desconecte os bornes, plug o multímetro: se der infinitos ohms, circuito aberto, se der 0 ohm, não há ruptura. 
     Assim foi minha ruptura com a possibilidade de uma carreira em Furnas. Infinitos ohms de distância.

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