1977
O segundo peso era que o nível social da clientela da faculdade era acima da minha condição social. Isso seria nada, caso eu não absorvesse ou, a todo o momento, não topasse com essa distinção.
Quando nos mudamos para o Méier, em 1967, exatos 10 anos antes, um colega de trabalho de Cid, meu pai, ibgeano, como diziam, advertiu-o, "Cid, tua mulher não vai ter condições de acompanhar o luxo do Méier não". Porque era um subúrbio metido a besta.
Brasil tem dessas coisas, construídas ao longo de sua história, até hoje, colonial. Sub urbis da Central do Brasil, espaço das personagens de Lima Barreto, quando ou se alcançassem o Méier, seria pensando na Tijuca, para depois galgar a zona sul e, se não morresse por lá, no patamar mais elevado, aproveitar estar de frente para o mar e alcançar Miami.
Na PUC, em 1977, eu me vi, desde as roupas, calçados, jeito é gestos, via-me refletido em tudo à minha volta sendo de uma classe subalterna, inferior, ou seja, como dizia outro pré-modernista, desta vez, Monteiro Lobato, incorporei o meu complexo de Jeca-tatu.
O ritual do almoço era típica indicação desse obstáculo. Trazia uma marmita, punha-a a esquentar num espaço próprio existente na bancada de metal, onde havia água fervente, retirava-a quando estivesse pronta e, do bandejão, utilizava apenas talheres, prato e copos.
Eu achava que todos os olhos estavam voltados para mim. Visto que o gesto indicava economia, sim, mas da taxa do bandejão, que já era mínima. Eu me sentia mínimo abaixo do mínimo. Ora, eu é que deveria ser outro e "não estar nem aí", jeito de falar também daquele tempo, para a coisa. Mas, mais um complexo se incorporava.
E tudo passou a ser um mundo fora que contradizia meu mundo dentro. As pessoas em si, que eram quem elas eram, mas tudo nelas, inocente ou até mesmo indiferente nelas, projetava-me para outra realidade interna, de posição fetal, mas num ambiente hostil.
Tudo. Numa aula de inglês, sim, porque havia indicação para escolha de matérias culturais, complementando a grade curricular, pedi Inglês 1. Certa vez vês, a professora quase cumpriu uma gafe, quando tentava ensinar o que seriam shabby clothes, aflita, rodeou a sala com um olhar, procurando exemplo, foi quando deu comigo, olhou as calças, arregalou olhos, emendou outro recurso para se fazer entender, mas não precisava: todos haviam entendido, mas fingiam que não me viam.
Eu me via. O que estou fazendo aqui neste mundo? Não é meu. Certa vez, o professor de Matemática 0, especialista em teoria matemática, demonstração de teoremas, cuja principal função já explicamos, drenar as energias do bagaço de cana que os alunos representavam para o sistema, diria na época alguém do diretório acadêmico, indicou uma casa de estudos por ali, numa das transversais da Jardim Botânico.
Eu fui. Porque ainda acreditava em não sei o quê. Entrei. Perambulei pela casa em todos os cômodos dela. Havia viventes, certamente, eu os notei. Grupos animados conversavam. Havia revistas. Livros. Abajures. Meia luz, plena luz, ambientes. Almofadas. Mesas e rodas de conversa. Cadeiras e sofás. Tudo fervilhava e com ninguém e com nada eu me identificava, talvez ainda mais notado, eu mesmo com os meus olhos, com meu jeito shabby clothing. Circulei duas ou três vezes, até peguei numa das revistas, devo ter até sentado, mas não me enturmei, nada falei, nada falaram, devo ter sido notado e ou ignorado.
Definitivamente não era o meu mundo.
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