"Xente, eu fico pau da fida".
Traduzido, no sotaque britânico de d. Betty Bacon, significou dizer "Gente, eu fico pau da vida".
Naquela noite, algum dia do ano de 1978-1981, toda a turma caiu na risada. Era porque Adonias, hoje pastor auxiliar no Encantado, RJ, havia escrito garranchos incompreensíveis na prova.
Os Bacon, britânicos especialistas em língua portuguesa, autores de críticas de obras literárias de autores brasileiros, primavam pelo português norma padrão.
Revisavam, na aula de entrega das provas, questão a questão cada prova de cada aluno. Isso era bom. Despertava-nos para cochiladas, fossem gramaticais ou do conteúdo de suas disciplinas.
Gozado era a "tentação" dos alunos em responder as três questões propostas nas tirinhas. Sim, porque a prova consistia numa tirinha com três questões datilografadas (lembram desse instrumento?).
Vinha uma advertência na tirinha: escolher apenas duas entre as três. Mas havia quem decidia responder às três, principalmente Eponina. Então, no caso o Henry Bacon, gesticulava com seus braços (e mãos) imensos, tentando entender por que insistiam nas três. Ecoava a voz de Bacon nessas ocasiões, com sotaque britânico: "Ó, Ěpœnnynah!". A "xente" já sabia: ela mais uma vez decidira responder às três e ia argumentar por que com o professor.
D. Betty vinha com aquelas folhinhas de prova de Hebraico mimeografadas no "cachacinha", lembram-se também? Era um instrumento chamado mimeógrafo, movido a álcool e folha em carbono. Coisa do século passado.
Mas a expressão "pau da vida", como gíria cabocla, era vulgar naquele contexto de sala de aula de um Seminário Teológico evangelical. Todos rimos. D. Betty Bacon se assustou, fechando ainda mais seus olhinhos pequenos, porque era difícil vê-los arregalados.
"Xente, fəlei alguma coiza errata?" A gente desconversou. A risada cínica de Paulo Leite ecoou por toda a sala. Ele ficou cor de pimentão vermelho. E a aula continuou.
Do mesmo jeito que seguia, quando d. Betty Bacon falava que Paulo, agora o apóstolo, estava "na Roma". É um castigo o português ter uma preposição "em" até similar ao "in" do inglês.
Mas o doloroso é que a nossa flexiona em + a = na e em + o = no. E, quando se referem a cidades, variam sabe-se lá por quê. Paulo em Roma, na Galácia e no Mar Egeu, atravessando-o. D. Betty insistia "na Roma", Paulo Leite repetia em meia altura "na Roma", todos riam abafado e d. Betty redarguia: "Xente!", pedindo silêncio e concentração.
Eles apreciavam respostas às questões de prova que tivessem quantidade maior de referências bíblicas, quanto mais, melhor. Se Bacon, o Henry, lecionava Novo Testamento, queria uma prova com muitas referências ao Antigo.
Por sua vez, se Betty lecionava Antigo Testamento, queria muitas citações do Novo em suas provas. Bons tempos! Preciosismos à parte, o que se desejava era conhecer muito e bem a Bíblia.
Os dois eram profundos em suas abordagens, competentes por excelência em tudo o que faziam e dedicados com exigência no aproveitamento dos alunos. Simplesmente, tinham seu coração no Brasil e na obra que foram convocados a realizar.
Em 2009, por ocasião da A. Geral da UIECB em Guarapari, foi a última vez que estivemos com o casal. Daqueles professores de que a "xente" nunca esquece. E carregamos as marcas que em nós deixaram: estímulo à mesma dedicação, competência e profundidade.
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