segunda-feira, 22 de abril de 2019

Amigos

 Meu amigo Henrique

     As pessoas, alhures (desculpem, adoro (modo de dizer) esta palavra), dizem que ê difícil granjear amigos. Que, na vida, uns dois ou três, no máximo. Mas eu acho até que tenho mais. Milagre. Ele que me acolhe em sua casa, neste pós-operatorio, por uma semana.

   Mas o que me interessa aqui é escrever sobre este. Era 1973. Estranheza total, eu com 17 anos recém-completados, num ambiente totalmente diverso do antigo ginasial, ora, ao qual eu já me adaptava com dificuldade.

    Muito tímido eu era. Velho, já, acho que superei. Também, professor e pastor tímido, torna-se inviável. Atravessava a sala naquele passo gigante,  bem, como ele mesmo já assume, num passo de marmota o Hélio Henrique.

    Era, e ainda é um cara gigante. Ia e vinha, sempre circunspecto. Pela envergadura, tornava-se notável  Certa hora, num daqueles dias, eu o vi conversando com um dos veteranos da eletrônica, ora, éramos da eletrotécnica. Era o Sérgio Cabral, que eu conhecia da Igreja Fluminense.

      I've got a friend. Porque fui perguntar como ele conhecia aquele amigo. Hélio disse que eram da mesma igreja. Eu estranhei, porque julgava conhecer todos daquela igreja. Mas não ele. Passou despercebido. E contou sua história, de como optou por aquele grupo. Aliás, preciso ouvir de novo.

    Surgia uma amizade duradoura, com um hiato apenas entre 1980 e 1993. Ele ganhou rumo em direção à vida profissional e eu, embaralhado até definir a minha que, mais tarde, foi de professor de português e pastor, em muito distante do curso de eletrotécnica, onde estivemos juntos, de 1973-1976.

      Casei-me em 1993 e fui procurar o Hélio para que comparecesse. Visitei d. Neide, sua mãe, em Vila Isabel, revendo sua amiga e vizinha Leilah, e ela me deu o telefone dele na Tijuca. Já estava casado com Cida. Daí, ele compareceu ao casamento e reiniciamos contato que, mesmo com a minha ida para o Acre, não mais se interrompeu.

      Duas vezes nos vimos na Tijuca, outras duas ou três na primeira casa em Guapi, eu sempre com minha família e, durante as vezes que vim sozinho ao Rio, sem deixar de vê-lo acompanhamos, desde os tempos da Tijuca, os planos de adoção de Esther, filha do casal.

      Hélio marcou minha vida de modo bem característico. O fato, como já disse, de ser inseguro na transição escola pública para Escola Técnica, antigo ginasial para curso técnico proporcionou, pela opção de amizade com ele, um forte referencial.

     E uma coisa muito interessante que ele não sabe, a seriedade com que, na época, assumia a sua fé, contribuiu para reforçar a minha. E olha que eu sempre fui catita (camundongo) de igreja, filho de pastor desde nascido. Mas a postura dele influenciou e atualizou a minha.

    Muito interessante que um ateu hoje, como ele se classifica, tenha socorrido um hoje pastor, no passado comum dos dois, na mesma condição de crentes. Essa marca é notável e bem caracteriza o Henrique. Assim o chamavam todos a sua volta, na época, sendo eu o único a chamar de Hélio.

     Continua a apresentar características dessa postura que me influenciou no meado da década de 70. Com ele também aprendi a apreciar o rock, passando a colecionar revistas e conhecer a identidade de bandas daquela época, para as quais eu me alienava. Juntos com seu irmão, colegas do bairro e jovens da igreja acampamos, por três vezes, na Ilha Grande.

     Percorremos a extinta, mais uma estupidez recorrente neste país, estrada de ferro que conduzia à Mangaratiba, naquela época atravessando a baía de Angra pela lancha que levava presidiários à Ilha, quando ainda funcionava o presídio no lado oposto ao Abraão, onde aportávamos. Foram oportunidades sensacionais de lazer, aventura, conversa, coisa muito gratificante, como alento, fantasia e companheirismo típicos dessa geração anos 70.

        Hoje somos 60entões. Perdura no Hélio, a meu ver, sua característica principal que é agir por princípios éticos muito seguros e bem definidos. Uma pessoal leal e confiável, o que não é muito comum reconhecer, hoje, em muitas pessoas. Evidentemente, alguns padrões de comportamento, que ele passou a cultivar na época em que nos conhecemos, ligados à postura puritana do protestantismo, ele abandonou. Mas o essencial definidor de sua personalidade sobrevive constante em meu amigo.

      É claro que, nesse detalhe, há diferenças entre nós, porque continuei cultivando esses padrões. Não que sejam absolutos ou que, por si só, definam e identifiquem fé. Não. A fé não se define por comportamento, mas opção consciente interna e abertura para a ação de Deus naquele que crê. E é isso que marca o caráter. Hélio, sem saber ou admitir, demonstra fé.

      A fé que tens, tenha para contigo mesmo, diz a Bíblia, querendo dizer ser ela muito individual e pessoal. Decide-se, diante de Deus, o de que ele se agrada, numa relação direta de troca. Isso serve para qualquer um. Tiago, na Biblia, fala da lei da liberdade, que não significa fazer o que se quer, mas o que agrada a Deus. E, para isso, e por isso é necessária a abertura para a ação de Deus no que crê. Trata-se de uma troca.

      Mas Hélio continua a ser um referencial para mim. E reconheço que sua fase na Igreja foi valorosa para ajudá-lo a firmar seus princípios. E ainda que afirme que não crê em Deus, eu disse a ele, como costumeiramente se diz, Deus crê nele.

      E ainda que tenha anotado, na Igreja de sua época, como ele mesmo denuncia, posturas de crentes que o marcaram negativamente, ora, mas isso não é novidade e nem exclusivo de uma só igreja ou época, mas próprio do ser humano.  Certamente, ele está consciente de que não pode destacar o erro alheio como determinante para que ele justifique os seus, em sua própria vida. Isso também serve para qualquer um. Ou que prefira, em função disso, o prejuízo maior de ter saído ou estar fora da igreja. Ora, que tenha a igreja dentro dele.

      Mas o dilema dele deve ser mesmo o cara a cara com Deus. Para estar ou não estar de volta ao grupo original dos anos 70, assumindo os próprios erros e compreendendo o dilema deles, seja na própria vida pessoal ou na dos outros, é necessário o cara a cara com Deus. Talvez isso ainda falte na vida do meu amigo. Da parte dele. Não da parte de Deus.

      Concluindo, quero que seja amizade para toda a vida. Perturbá-lo ainda muito com os cacoetes que trago comigo e ele ainda critica. Como o vício, como agora, estar digitando esta crônica no smart. Está bem, Hélio, consciente e inconscientemente, ainda pauto muito de minhas atitudes por tua influência.

     O nome disso é amizade.

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