Em 1979 procurei os pais, no início do ano, para dizer que trancaria a matrícula na universidade. E, no final, que trancaria a matrícula no Seminário: não faria o 3o ano em 1980, definitivamente. Vou me dedicar só à engenharia, eu disse.
Sabiamente ponderaram e deram xeque-mate: Você havia dito que o Seminário não atrapalhava a faculdade, porque era curso noturno. Trancou a faculdade. Vai voltar. Vai trancar o Seminário por quê? Daqui a pouco, não termina nem um, nem outro.
Não tranquei. Mas ainda lancei, nessa conversa, tênue argumento. Mas ficam me chamando de "seminarista", como se eu fosse candidato a pastor. E não sou. Ora, Cid Mauro: você não disse que isso está claro no formulário de matrícula que você preencheu? Então o que dizem ou pensam é problema deles. Não deve, nesse sentido, afetar você.
Venceram. Eles sempre vencem. Ainda bem. E segui com o Seminário e com a PUC, reabrindo matrícula. Aquela virada de ano foi positiva, até comecei 1980 com o segundo namoro em minha existência para, antes de entrar abril, estar fora da PUC, sem namorada e mergulhado só na Teologia (e no turbilhão íntimo, qual Jonas jogado ao oceano - caramba, que voo, quer dizer, que mergulho!).
Claro que seminário era um oásis em toda aquela aridez. Ali conheci amigos que, nem eu ainda sabia, foram dois fortes suportes para que eu me aprumasse, definitivamente na vida. Claro que aulas, professores, convívio no Seminário eram por demais gratificantes. Deus me queria ali e me queria pastor. Só que eu rejeitava isso. Lutava contra essa ideia.
O turbilhão da PUC me jogou ali. Ó, Deus, por que os turbilhões? Ele não vai dar uma reposta direta. Apenas dizer: não estou contigo neles? Ainda que eu passe pelo vale da sombra da morte, diz o salmista. É apenas sombra, mas assusta. O turbilhão da PUC me confirmou na fé, ministério e me aprumou na vida. Mas eu ainda não sabia.
Apenas 23 anos, em 1980, isso é ainda adolescência. Principalmente no meu caso. Vida de igreja também me fazia sentir em meu elemento. Pregar, ensinar, aconselhar, essas coisas. Muito embora, coitados dos que, no auge das crises, ouviram minhas mensagens. Muitas delas enunciadas de modo desarticulado.
Não me considero grande orador ou pegador. Mas, naquela época, foi sofrível. Lembro-me de um dos primeiros. Esse não foi tão ruim, o texto me ajudou, descobri-o lendo Isaías 58. Achei que sairia fácil, ensinando coerência entre fé que se professa e atitude prática para com o semelhante. Bom texto, como se diz nessas horas.
O problema, nesse dia, foi que, empolgado, demorei muito. Quase uma hora. Puxa, se fosse somente esse o problema! Em relação a outros era a já mencionada desarticulação. No Seminário também desenhou-se, além da vocação ministerial, a profissional. Convidaram-me a dar aulas de Hebraico (!). Eu estranhei e contra-argumentei: sou ex de engenharia, da matemática e da física. Mas tira 8, 9 e 10 em Hebraico e não temos outro substituto para a professora Beth Bacon, que vai aposentar-se, foi e réplica. Não houve tréplica.
Dando aulas de Hebraico foi que notei que minha praia eram as letras e não os números. Eu e Paulo Leite, então, os dois convidados a dar essas aulas, começamos Português-Hebraico na UERJ, em 1982, para nos formarmos em 1988. Nesse meio tempo, os dois foram consagrados pastores, com trajetórias diferentes e, ao mesmo tempo, muito parecidas.
Mas as sutilezas de minha ordenação precisam de um texto a mais. E a vizinhança dessa amizade, dessa continuidade dos 4 anos de seminário nos 6 anos de faculdade, agora de Letras, muito me ajudou no meu soerguimento. Pode ser que esse meu amigo nem saiba, talvez saiba sim, porque muito participou em meus dramas. Deus o colocou em meu caminho.
Como diz Chico Buarque, Deus é uma cara gozador. Se há fariseus que consideram desrespeitosa essa (e outras) fala, podemos dizer Deus é criativo, sempre surpreendente. E, como diz Paulo Apóstolo, multiforme em sua sabedoria. E nesse contexto, Paulo está dizendo que a multiforme sabedoria de Deus se revela nas pessoas.
Mas que pessoas? Em todas e qualquer uma que permite que Deus faça de sua vida uma poesia, que é permitir que, como viu Jeremias na casa do oleiro, Deus modele a vida. Desculpe, Chico, Deus é poeta. Você quase acertou. E como diz, desta vez, CDA (Carlos Drummond de Andrade, outro poeta) eu nasci gauche, quer dizer torto. Mas pau que nasce torto, Deus endireita.
Ou não. Às vezes, fica na forma poética das árvores que, parecendo tortas, é porque enfrentaram e ainda enfrentam tormentas, mas seguem escolhendo fontes de águas para espalhar e aprofundar raízes, fortalecendo-se ainda mais e, continuamente, dando frutos. Acho que fui meio poético neste texto.
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