domingo, 18 de março de 2018

Artigos soltos 28

         Ao contrário.

        Há muitas coisas ditas na Bíblia que contrariam o senso comum. E aí, mesmo crentes de plantão, muitas vezes são pegos, desprevenidos, quando colocados frente a frente com o texto.

      Em Isaías 53, a famosa profecia do Cântico do Servo Sofredor, há uma lista dessas contradições que pegam fora do sobreaviso um monte de gente.

      Começa logo no primeiro versículo. Aliás, antes mesmo, a introdução à própria perícope já adverte que será assim, ao apontar o Servo como escândalo aos poderosos, que são aqueles a quem Paulo classifica os "sabe tudo" deste século.

       E vem a primeira pergunta: "Quem creu em nossa pregação?". Admira-se logo essa pergunta e a tendência inicial é dizer: "Ora, eu: se há quem não acredite em pregação, esse não sou eu".

     Mas cautela. O texto a seguir vai caracterizar de que pregação se trata. Ao final, é provável que o leitor atento identifique outra pregação que não essa que ele pensou nela ter crido.

      A segunda sentença que indica contradição ao senso comum vem logo a seguir, quando se afirma que Jesus não tinha beleza que nos atraísse: "Olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse".

     Jesus foca de início, no cara a cara conosco, o que em nós é mais odiável: o pecado. João Apóstolo afirma que os que rejeitam esse cara a cara não querem se chegar à luz, para que suas (más) obras não sejam questionadas.

     Você acha mesmo Jesus bonito? Lindo, lindo, lindo? Cuidado! Pode estar inventando para si o rosto que não é dele. A seguinte afirmação é que ele era um "ferido de Deus". É muito fácil imaginar Deus.

       O nome dessa "imaginação de deus" se chama idolatria. Não se pode construir uma imagem de Deus. Já no Deuteronômio há essa advertência: "Guardai cuidadosamente a vossa alma: nenhuma aparência vistes no dia que o Senhor vosso Deus vos falou".

      Costumamos avaliar, mesmo inconscientemente, como malditos os que julgamos carregar consigo marcas do que avaliamos, por nossa conta e risco, não ver neles a santidade que presumimos atribuir a Deus.

     Pois na lista de "malditos" só há um único. Reduza a maldito um único e pode chamar Jesus. Você acertou: fez-se maldito, ferido de Deus, oprimido para nos libertar a nós todos de nossa própria maldição. Debaixo de maldição estou eu, vocês e todos mais. A não ser que Jesus possa nos libertar.

      Abordamos aqui o quarto equívoco. Não abriu a sua boca ao suportar injustiça. Jesus não foi o ativista político que você desejou que ele fosse. Ninguém, como ele, identificou, com lucidez e coragem a injustiça em todas as suas manifestações.

      Mas a sua abordagem para a solução dela é única. Jesus a denuncia na condição humana. Se você espera agregar um grupo que se torne uma multidão que, por sua vez conquiste hordas e miríades de todos mais para consertar, assim, o mundo, iludiu-se.

      Só homens e muheres, refiro-me ao ser humano no confronto com Jesus, somente no batismo em Jesus podem eles mesmos lutar, primeiro em si mesmos contra sua injustiça inata para, então, pensar em arregimentar outros, de mesma enfermidade.

     Por isso que Jesus nunca foi e nunca será homem das massas populares. Mas sim aquele que sana toda a injustiça na raiz humana onde ela brota e tem o foco de dispersão.

     Não acredito que somente ser homem lúcido e coerente socialmente resolva. Não acredito que ser religioso, de qualquer religião que seja, oriental ou ocidental, resolva. Não creio que basta ser opressor ou oprimido para que o mal da injustiça se resolva.

      O evangelho de Jesus estabelece a necessidade de crer nele como resposta e solução para a injustiça como inerente à condição humana. Por isso Jesus não lutou todas as lutas em que você o esperava ver engajado. Lutou e venceu uma única específica que nenhum outro poderia nela se engajar para vencer.

       Mas Jesus foi o único a vencer todas quando, como afirma Paulo Apóstolo, "encerrou na carne o pecado". Denuncie estruturas, aponte injustiças sociais, junte-se a gente, muita gente, seja corajoso e até ponha-se em risco.

     Mas avise até ao ateu que, onde houver justiça, que não seja apenas um apêndice ideológico ou um aparato de propaganda enganosa, o Espírito de Cristo ali está e este ou aquele, esta ou aquela, batizado foi, batizado está em Cristo, ainda que não admita.

      E talvez, conhecendo-O pelo prisma correto, professe sua fé no Servo Sofredor.

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