Nu
Adão jamais poderia imaginar que a desculpa esfarrapada com a
qual tentava, no Jardim, emparedar Deus revelava sua verdade. Ele disse que se
escondera, porque estava nu. Tentativa tola de ocultar-se por entre as árvores,
como se fosse possível fugir de Deus. Pode continuar tentando, ridícula
tentativa fugir de Deus.
Nesse caso, desta vez pareceu, mesmo, coisa de homem, essa
suprema covardia. E deve ter sugerido a Eva essa fuga que, cúmplices e
parceiros na suprema burrice da queda, empreenderam. Ora, se a sugestão de
comer do fruto foi de Eva, a sugestão de empreender fuga e esconderem-se foi, certamente, de Adão.
Em dois sentidos o casal estava nu: (1) frente a frente com a
vergonha de ver e constatar a si mesmos incapazes, diante de Deus, de agir
certo, segundo o padrão e a vontade original do Criador: nudez de si mesmo para
Deus, nudez aos olhos do homem; (2) verdadeiro sentido de nudez, que é quando
Deus faz o homem enxergar-se, sem máscara, a fim de que perceba a extensão de
sua condição e até onde vai o abismo moral na direção do qual caminha: nudez
aos olhos e com os olhos de Deus, nudez a partir do ponto de vista de Deus.
Caiu a sua máscara. Caiu a minha máscara. Confissão de pecado
é quando a gente se vê nu, quando cai, definitivamente, a nossa máscara. A
partir desse ponto, caminha-se na direção da conversão. Deus foi procurar o
casal primordial no intuito de lhes propor conversão, ou seja, retorno a Deus.
Não sabemos se cada um dos dois atendeu a esse chamado. Detecta-se, no texto
bíblico, uma tendência de sinceridade maior da parte da mulher, logo após esse
primeiro diálogo, quando ela diz, num jogo aberto, “a serpente me enganou e eu
comi”.
Suprema franqueza da mulher. Talvez esteja aí o nascimento da
covardia. Toda a vez que um homem se insurge contra uma mulher, usando a força,
é porque perdeu. Perdeu, mermão: perdeu. Adão deve ter olhado de soslaio para
Eva, murmurado contra ela, contra si mesmo e contra Deus: “desgraçada”, por
causa da sinceridade dela. Enganou-se Adão: era o primeiro sinal da graça de
Deus.
Paulo Apóstolo esclarece que somente a tristeza segundo Deus
produz arrependimento. E que somente com arrependimento ocorre salvação.
Desgraçada, sim, desesperadora, sim, é a condição do homem. Homem e mulher são
incapazes, até, de se enxergar, de autoavaliar sua condição. Nem capazes de se
entristecer eles são. A primeira discussão do casal após a queda, sua primeira
discordância - até porque fugir, os dois concordaram em fazer - foi quando Adão disse a Eva (a
Escritura não registra, mas esse diálogo deve ter ocorrido): poxa, Eva: tinha
que ser sincera, tinha? Que língua, a sua. Data daí a fama de fofoqueira da
mulher (quanta injustiça!).
A máscara caiu. A minha máscara caiu há muito tempo. A sua
máscara caiu? Você consegue enxergar a sua nudez? Deus já abriu teus olhos?
Você já parou de fugir de Deus? Ou continua como o homem original, pensando que
pode se esconder entre as árvores do jardim? Ridículo. Mais ridículo ainda que
a sua falta de fé, é a sua tentativa de fuga. Vai se cansar, e não vai
conseguir se esconder de Deus.
Paulo Apóstolo, ele novamente, chama-nos de “homem natural”.
Homens/mulheres que fogem de Deus são chamados naturais, sabe por quê? Porque a
fuga é natural. Porque enxergar-se a si mesmo trata-se de se ver como se é, como
se tornou o ser humano, um arremedo de gente. E homem/mulher têm medo dessa visão. Por isso, fogem. Você tem dúvida disto, de que o
homem é, existencialmente, um arremedo, uma mancha? Se tem dúvida, é porque
está em fuga. Se decidir não mais fugir, vai ter um encontro consigo mesmo,
somente possível diante de Deus, que vai te fazer enxergar-se. Caiu a tua máscara. Saia ao encontro de Cristo carregando contigo a vergonha da tua nudez.
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