segunda-feira, 7 de março de 2016

Mal traçadas linhas 12



        Ora, ver Deus.

            Moisés pediu isso no Antigo Testamento. Felipe, a mesma coisa, no Novo. E daí? Respeitemos essa intuição, mas garanto que seria absolutamente desnecessária, se não fosse absolutamente impossível. Supondo que Deus permitisse, de que adiantaria?

           Se quando vemos, o que vemos, distorcemos, nossa visada não é exata, ver Deus, que alguns pensam ser suficiente para crer, seria perda de tempo, ou seja, quem antecipadamente já crê, continuaria a crer e, quem antecipadamente se constitui a si mesmo incrédulo, aqui me permitam, mais incrédulo ficaria.

           Mesmo porque, como já diz a própria Bíblia – e olha que estou falando do compêndio autorizado -, o que de Deus se pode conhecer já está manifesto entre nós, humanidade. Quando vemos estrelas, à noite, não são azuis. Quando vemos céu azul, durante um dia limpo, sem nuvens, aquilo não é céu. Quando vemos o sol percorrer o céu, de ponta a outra, é ilusão, porque nunca se moveu.

         Para ficar só nestes três exemplos. Já é suficiente para fazer entender que vemos o que pensamos estar vendo e não o que, na verdade, é. Logo, nossos sentidos são, sim, fundamentais para nos transmitir uma ideia do mundo à nossa volta. Só isso. Uma ideia. Mas a resposta última requer uma distinta visão. Basta, por exemplo, citar o caso em que algum sentido falta a qualquer. O que dizer? Diga-se que a visão deste é distinta. Pronto. Priva de uma outra ótica, enxerga por outro viés, mas também vê.

        Por que dizem, então, que fé é um tipo disfarçado de cegueira? Realmente, a definição de fé, inclui a citação de um dos sentidos, exata e precipuamente a visão: “certeza de fatos que não se veem”. Qual seria aqui o erro no raciocínio? Entender que a visão é fundamental, sobrevalorizá-la quando, na verdade, somente por provocação foi citada, pois seria, entre os sentidos, o primeiro deles a questionar o objeto da fé.

       Porém, essa ansiedade por ver Deus, com olhos humanos, é plenamente compreensível. Pelo menos por dois modos, quais seriam, o desejo sincero de ver ou o uso desse argumento como provocação. Aqui me lembro de duas perguntas iguais, feitas por pessoas diferentes, nas Escrituras, muito provavelmente com variação no tom: Zacarias, diante do anjo Gabriel, duvidando que sua mulher engravidasse, perguntou em tom de incredulidade: “Como saberei isso?”, demonstrando desconfiança. Tempos depois, o mesmo anjo interpelou Maria, que fez a mesma pergunta, porém num tom de precípua curiosidade, de como se daria sua gravidez sem o concurso humano, utilizando outro verbo: "Com será isto?", demonstrando certeza.

         Aliás, esse filho de Maria nasceu, exatamente, para Deus mostrar seu rosto. Para negar que Deus possa ser visto, é necessário negar essa história do recado que o anjo Gabriel trouxe a essa mulher. E necessário, do mesmo modo, negar que Jesus seja o rosto de Deus. Paulo Apóstolo afirma que “nele (em Jesus) habita corporalmente toda a plenitude da divindade.” E o autor anônimo da Epístola aos Hebreus emenda que ele (Jesus) é “a expressão exata do seu (de Deus) ser.”

        E o próprio Jesus, referindo-se a Felipe, que pediu, diante da circunstância nua e crua da despedida de Jesus, que este lhes mostrasse o Pai: “mostra-nos o Pai e isso nos basta.” Não basta. Não bastaria. Ver não adiantaria. Mas Jesus respondeu: “Quem me vê a mim, vê o Pai; e como dizes tu ‘mostra-nos o Pai?’. Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim?”. Para escapar, passar batido destas afirmações, há três possibilidades, que anoto a seguir.

         A primeira delas é descrer que sejam, autenticamente, palavras do próprio Jesus, como afirmam modernos exegetas, e atribuí-las a alguém que, como retórica de sua teologia, floreou-as como argumentação do Mestre. A segunda, é considerá-las verdadeiras, porém classificar Jesus como um místico qualquer que, também de modo retórico ou por pura loucura atribuía a si, com exagero, a qualidade de tanta intimidade com Deus. A terceira possibilidade, na qual eu me incluo, é considerar tais palavras verdadeiras e dito mesmas por Jesus, refletindo uma verdade central da Bíblia.

        Deus mostrou o rosto. É a cara de Jesus. Deus tem cara de Homem. E não há outra maneira de se mostrar assim, tão expressamente. E a Bíblia vai adiante, quando afirma que a glória desse rosto, do rosto de Deus refletido no rosto de Jesus, reflete-se no rosto dos que, verdadeiramente, creem nisso. No quê? Creem que em Cristo Deus mostra a Sua cara. Quando você encontrar um desses, preste muita atenção, vai ver refletida nesse rosto a glória da face de Deus. Então, nunca mais diga que não esteve cara a cara com Deus. A grandeza de Deus está no fato de, um dia, ter desejado e terminou por tornar efetivo, por meio de Jesus, refletir Sua glória na face daqueles que nEle creem.

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