Servo, ainda vai: mas amigo?
Sendo servo, caso seja magnânimo o Senhor,
ainda vai. Pode ser desconfortante, até, mas os anos e a relação podem se
aprofundar e surgir até mesmo amizade. Porém, será essencial que seja mantida a
distância, o reconhecimento do afastamento que a diferença de níveis propõe,
antecipada e fundamentalmente como regra.
Já amizade é
diferente. Se for, desde sempre, real e não apenas retórica, implica
reciprocidade, intimidade e descortinamento. Uma certa cumplicidade que põe os
dois no mesmo nível. Muito provavelmente, é certo, haverá um preâmbulo que, em
avanços e recuos, definirá a proposta de amizade. Por isso que Senhor e servo
podem, um dia, tornar-se amigos. Se havia distância, esta se estreita,
definitivamente. Pode haver amizade interesseira, na verdade, falsa. Assim como
pode haver servidão.
Mas se o
Senhor é indulgente e o servo fiel, haverá reciprocidade e gérmen de amizade.
Pode ser que Senhor e servo, mantido um distanciamento regulamentar, sondem-se
um ao outro: o Senhor a ver se não está a conceder liberdades excessivas ao
servo; este, a verificar se seu Senhor não há de manter o status. O servo
reconhecerá o seu lugar e posição, evitando intimidades inoportunas, assim como
o Senhor avalia essa mesma conduta. Com o grau de confiança se aprofundando, ao
longo de épocas, dado certo tempo, surgirá amizade.
O que se
espera, mesmo, é que a distância caia a zero. Servir é preâmbulo de amar.
Amizade surge, certamente, quando a medida do serviço se revela sincera,
desprendida e gratuita. Há quem julgue que servir sempre será subserviência,
humilhação e cativeiro. Aquela menina anônima que a Bíblia diz ter sido
sequestrada a sua família e levada cativa à Síria, trabalhando em casa do
Comandante sírio hanseniano, não maldisse seu senhor, mas supôs que, pela
palavra do verdadeiro profeta, haveria cura para ele em Samaria. José teve
diversas oportunidades de mágoa: servo dos irmãos, servo de Potifar, servo do
guarda penitenciário, chegou a grão-vizir do Egito.
Servo do
Senhor. Quem é servo do Senhor não alimenta mágoa. A distância se torna zero. O
nome disso é comunhão. Deus anulou a distância entre Ele e o servo. Por isso,
dizem as Escrituras que não mais somos chamados servos, mas amigos. Na verdade,
até para que fôssemos servos, somente por meio de Cristo, de quem a Bíblia diz
que não veio para ser servido, mas para servir. Retórica de Deus: já não vos
chamo servos, mas vos tenho chamado amigos.
Do servo, o
Senhor ainda pode esconder o que for, sem que aquele tenha qualquer direito a
reivindicação. Mas o amigo priva confidências. Não se podem imaginar amigos
entre os quais existam segredos. Por isso as Escrituras equiparam servos a
amigos. João, na perícope da videira, no capítulo 15 estreita,
definitivamente, a relação entre Deus e o homem/mulher, quando diz que Jesus não mais nos chama servos, porém nos
torna amigos de Deus.
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