quarta-feira, 30 de março de 2016

Ageu

 4  "Acaso, é tempo de habitardes vós em casas apaineladas, enquanto esta casa permanece em ruínas? Ag 1.

      Ageu, contemporâneo de Zacarias, com quem compartilhou a mesma ênfase de ministério, que foi motivar o povo de Judá na reconstrução do templo em Jerusalém, prega em 520 a. C.

      Seus registros indicam, especificamente, a quem se dirigia sua profecia e as datas dos três recados pronunciados: a Zorobabel, líder da primeira leva de cativos que voltam do exílio em Babilônia, e ao sumo-sacerdote Josué.

      Reedificar o templo, para Ageu, não era luxo ou formalidade, pois ele acreditava na importância do culto e no que representava o templo como referência para que o povo, unido em comunhão, buscasse o Senhor.

      Podemos tomar para nós, hoje, as advertências do profeta, como estímulo e exortação a reconstruirmos a centralidade do templo e da igreja como lugar de culto, em seu papel de reunião do povo de Deus em comunhão.

     Vários fatores da vida moderna vêm, ao longo já de décadas, enfraquecendo o papel da igreja, do templo e do culto na vida da comunidade evangélica, de um modo geral.

     O tempo transcorre, então é necessário atentar para o fato de separarmos saudosismos e nostalgias daquilo que, realmente, embora antigo, não deveria ser abandonado pelas gerações mais recentes.

     A centralidade da Palavra de Deus, por exemplo, é básico para a essência do que significa ser povo de Deus. Lugares de buscar o ensino e a sabedoria da Bíblia é a igreja, quando oferece culto, e a escola, chamada já há muitos anos Escola Dominical.

      Culto deve continuar sendo lugar de centralidade e prioridade da Palavra de Deus, assim como a Escola Dominical, pelo simples fato de ser escola da Bíblia e escola da igreja. Um profeta, qualquer profeta do Antigo (ou Novo) Testamento, somente seria autêntico por sua fidelidade à Palavra de Deus, à Bíblia de seu tempo, no caso, o Pentateuco.

     As partes que constituem o culto devem ser subordinadas ao conteúdo da Bíblia e ter, como função única, expor a Palavra, tornando-a inteligível e estimulando os crentes e desejar aprender dela cada vez mais.

     Quanto à escola, na própria época e contexto de Ageu, cerca de uns 70 anos depois, quando Esdras trouxe a terceira leva de cativos, em cerca de 445 a. C., este mesmo líder e "escriba instruído (e piedoso) na lei do Senhor", Ed 7:6, realizou uma escola dominical ao ar livre (Ne 8), que durou toda uma manhã de sábado, que era (e ainda é) o domingo dos judeus.

     Essa escola, leia o texto, durou da alva ao meio-dia, ou seja, pelo menos 6 horas, considerando alva as 6 da manhã, Ne 8:3. Todos os que podiam entender se reuniram. Podemos imaginar, então, as classes: crianças, adolescentes, jovens, adultos e anciãos. E muito provavelmente, subdivisões para casais, mulheres em geral, enfim, demais exigências da criatividade.

      Leia lá e constate você mesmo: Esdras subiu num púlpito especialmente idealizado para esse encontro, leu a Bíblia de seu tempo, o povo ficava, reverente e atentamente, de pé e atento à leitura, Ne 8:5-6. Levitas também estavam à frente, e saíram a ensinar o povo, como os professores de escola dominical dessa época, Ne 8:7-8.

      A preocupação de Ageu era a Casa do Senhor, o Templo e seu lugar, como referencial, na devoção do povo ao Senhor. Leve sua Bíblia à igreja. Esteja ela anotada, resultado de leitura prévia, permitam-me dizer aqui, como a de minha mãe, com sobreposição de três, quatro datas de leitura em meses e anos subsequentes.

     Não use sua tela touch screen na igreja. O smartphone tem outros sons que indicam outras funções, cuja finalidade será dispersiva no lugar de culto. Muito útil, sim, no lugar de trabalho. Aliás, é num deles que estou digitando este texto.
Leia o livro dos doze profetas. 

     Quando for em casa, leia no 'Bibilhão', he he, a sua Bíblia enorme, leia, releia, anote e faça o culto em parceria com esposa e filhos (outra tradição dos antigos que nunca deveria ser esquecida). 

    No trabalho, acione a Bíblia da telinha, celular ou micro, enfim, tecnologia à serviço do comprometimento com a Palavra de Deus. Caso retornemos a ela, o nosso Templo nunca mais será o mesmo.

30 mar 2016

Ageu

Ageu, contemporâneo de Zacarias, com quem compartilhou a mesma ênfase de ministério, que foi motivar o povo de Judá na reconstrução do templo em Jerusalém, prega em 520 a. C.
Seus registros indicam, especificamente, a quem se dirigia sua profecia e as datas dos três recados pronunciados: a Zorobabel, líder da primeira leva de cativos que voltam do exílio em Babilônia, e ao sumo-sacerdote Josué.
Reedificar o templo, para Ageu, não era luxo ou formalidade, pois ele acreditava na importância do culto e no que representava o templo como referência para que o povo, unido em comunhão, buscasse o Senhor.
Podemos tomar para nós, hoje, as advertências do profeta, como estímulo e exortação a reconstruirmos a centralidade do templo e da igreja como lugar de culto, em seu papel de reunião do povo de Deus em comunhão.
Vários fatores da vida moderna vêm, ao longo já de décadas, enfraquecendo o papel da igreja, do templo e do culto na vida da comunidade evangélica, de um modo geral.
O tempo transcorre, então é necessário atentar para o fato de separarmos saudosismos e nostalgias daquilo que, realmente, embora antigo, não deveria ser abandonado pelas gerações mais recentes.
A centralidade da Palavra de Deus, por exemplo, é básico para a essência do que significa ser povo de Deus. Lugares de buscar o ensino e a sabedoria da Bíblia é a igreja, quando oferece culto, e a escola, chamada já há muitos anos Escola Dominical.
Culto deve continuar sendo lugar de centralidade e prioridade da Palavra de Deus, assim como a Escola Dominical, pelo simples fato de ser escola da Bíblia e escola da igreja. Um profeta, qualquer profeta do Antigo (ou Novo) Testamento, somente seria autêntico por sua fidelidade à Palavra de Deus, à Bíblia de seu tempo, no caso, o Pentateuco.
As partes que constituem o culto devem ser subordinadas ao conteúdo da Bíblia e ter, como função única, expor a Palavra, tornando-a inteligível e estimulando os crentes e desejar aprender dela cada vez mais.
Quanto à escola, na própria época e contexto de Ageu, cerca de uns 70 anos depois, quando Esdras trouxe a terceira leva de cativos, em cerca de 445 a. C., este mesmo líder e "escriba instruído (e piedoso) na lei do Senhor", Ed 7:6, realizou uma escola dominical ao ar livre (Ne 8), que durou toda uma manhã de sábado, que era (e ainda é) o domingo dos judeus.
Essa escola, leia o texto, durou da alva ao meio-dia, ou seja, pelo menos 6 horas, considerando alva as 6 da manhã, Ne 8:3. Todos os que podiam entender se reuniram. Podemos imaginar, então, as classes: crianças, adolescentes, jovens, adultos e anciãos. E muito provavelmente, subdivisões para casais, mulheres em geral, enfim, demais exigências da criatividade.
Leia lá e constate você mesmo: Esdras subiu num púlpito especialmente idealizado para esse encontro, leu a Bíblia de seu tempo, o povo ficava, reverente e atentamente, de pé e atento à leitura, Ne 8:5-6. Levitas também estavam à frente, e saíram a ensinar o povo, como os professores de escola dominical dessa época, Ne 8:7-8.
A preocupação de Ageu era a Casa do Senhor, o Templo e seu lugar, como referencial, na devoção do povo ao Senhor. Leve sua Bíblia à igreja. Esteja ela anotada, resultado de leitura prévia, permitam-me dizer aqui, como a de minha mãe, com sobreposição de três, quatro datas de leitura em meses e anos subsequentes.
Não use sua tela touch screen na igreja. O smartphone tem outros sons que indicam outras funções, cuja finalidade será dispersiva no lugar de culto. Muito útil, sim, no lugar de trabalho. Aliás, é num deles que estou digitando este texto.
Leia o livro dos doze profetas. Quando for em casa, leia no 'Bibilhão', he he, a sua Bíblia enorme, leia, releia, anote e faça o culto em parceria com esposa e filhos (outra tradição dos antigos que nunca deveria ser esquecida). No trabalho, acione a Bíblia da telinha, celular ou micro, enfim, tecnologia à serviço do comprometimento com a Palavra de Deus. Caso retornemos a ela, o nosso Templo nunca mais será o mesmo.

Ageu

Ageu, contemporâneo de Zacarias, com quem compartilhou a mesma ênfase de ministério, que foi motivar o povo de Judá na reconstrução do templo em Jerusalém, prega em 520 a. C.
Seus registros indicam, especificamente, a quem se dirigia sua profecia e as datas dos três recados pronunciados: a Zorobabel, líder da primeira leva de cativos que voltam do exílio em Babilônia, e ao sumo-sacerdote Josué.
Reedificar o templo, para Ageu, não era luxo ou formalidade, pois ele acreditava na importância do culto e no que representava o templo como referência para que o povo, unido em comunhão, buscasse o Senhor.
Podemos tomar para nós, hoje, as advertências do profeta, como estímulo e exortação a reconstruirmos a centralidade do templo e da igreja como lugar de culto, em seu papel de reunião do povo de Deus em comunhão.
Vários fatores da vida moderna vêm, ao longo já de décadas, enfraquecendo o papel da igreja, do templo e do culto na vida da comunidade evangélica, de um modo geral.
O tempo transcorre, então é necessário atentar para o fato de separarmos saudosismos e nostalgias daquilo que, realmente, embora antigo, não deveria ser abandonado pelas gerações mais recentes.
A centralidade da Palavra de Deus, por exemplo, é básico para a essência do que significa ser povo de Deus. Lugares de buscar o ensino e a sabedoria da Bíblia é a igreja, quando oferece culto, e a escola, chamada já há muitos anos Escola Dominical.
Culto deve continuar sendo lugar de centralidade e prioridade da Palavra de Deus, assim como a Escola Dominical, pelo simples fato de ser escola da Bíblia e escola da igreja. Um profeta, qualquer profeta do Antigo (ou Novo) Testamento, somente seria autêntico por sua fidelidade à Palavra de Deus, à Bíblia de seu tempo, no caso, o Pentateuco.
As partes que constituem o culto devem ser subordinadas ao conteúdo da Bíblia e ter, como função única, expor a Palavra, tornando-a inteligível e estimulando os crentes e desejar aprender dela cada vez mais.
Quanto à escola, na própria época e contexto de Ageu, cerca de uns 70 anos depois, quando Esdras trouxe a terceira leva de cativos, em cerca de 445 a. C., este mesmo líder e "escriba instruído (e piedoso) na lei do Senhor", Ed 7:6, realizou uma escola dominical ao ar livre (Ne 8), que durou toda uma manhã de sábado, que era (e ainda é) o domingo dos judeus.
Essa escola, leia o texto, durou da alva ao meio-dia, ou seja, pelo menos 6 horas, considerando alva as 6 da manhã, Ne 8:3. Todos os que podiam entender se reuniram. Podemos imaginar, então, as classes: crianças, adolescentes, jovens, adultos e anciãos. E muito provavelmente, subdivisões para casais, mulheres em geral, enfim, demais exigências da criatividade.
Leia lá e constate você mesmo: Esdras subiu num púlpito especialmente idealizado para esse encontro, leu a Bíblia de seu tempo, o povo ficava, reverente e atentamente, de pé e atento à leitura, Ne 8:5-6. Levitas também estavam à frente, e saíram a ensinar o povo, como os professores de escola dominical dessa época, Ne 8:7-8.
A preocupação de Ageu era a Casa do Senhor, o Templo e seu lugar, como referencial, na devoção do povo ao Senhor. Leve sua Bíblia à igreja. Esteja ela anotada, resultado de leitura prévia, permitam-me dizer aqui, como a de minha mãe, com sobreposição de três, quatro datas de leitura em meses e anos subsequentes.
Não use sua tela touch screen na igreja. O smartphone tem outros sons que indicam outras funções, cuja finalidade será dispersiva no lugar de culto. Muito útil, sim, no lugar de trabalho. Aliás, é num deles que estou digitando este texto.
Leia o livro dos doze profetas. Quando for em casa, leia no 'Bibilhão', he he, a sua Bíblia enorme, leia, releia, anote e faça o culto em parceria com esposa e filhos (outra tradição dos antigos que nunca deveria ser esquecida). No trabalho, acione a Bíblia da telinha, celular ou micro, enfim, tecnologia à serviço do comprometimento com a Palavra de Deus. Caso retornemos a ela, o nosso Templo nunca mais será o mesmo.

terça-feira, 29 de março de 2016

Sofonias

       "O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo", Sf 3:17.

        Caso escolhamos este versículo como síntese do livrinho, fica claro que Deus promete renovar em amor seu povo e, neste gesto, mais do que alegrar-se: regozijar-se. A vocação do povo de Israel, denominado povo de Deus no Antigo Testamento, está explicitada no livro do Êxodo, no contexto da aliança do Sinai.

        Porém, poucas vezes em sua história o perfil de Israel confere com a perspectiva esperada por Deus e descrita no texto acima. Por isso, nesta profecia, Sofonias confirma um destino de juízo igual para seu povo, para as nações vizinhas e todas as demais, frequentemente chamado na profecia dos doze de "Dia do Senhor".

      Uma ideia do estado de ânimo do que é assim profetizado está em Sf 1:14, que se refere a um dia de juízo: (1) que está perto, mais do que isso, que muito se apressa; (2) que é um dia amargo; (3) que nele até o poderoso clama desesperado.

      Judá, a parte sul do reino dividido, a quem se dirige o profeta, afastara-se do projeto de Deus indicado no Sinai, em Ex 19:5-6, o qual pressupunha: (1) obediência como resultado de ouvir diligentemente a voz do Senhor; (2) guardar os termos da aliança do Sinai acordada na celebração de Ex 24; (3) só então tornar-se propriedade peculiar do Senhor, sendo modelo evidente de santidade para as outras nações; (4) ser, para Deus, um reino de sacerdotes, ou seja, todo o povo seria mediador da revelação de Deus às demais nações.

        Sofonias tem como missão demonstrar que isso não se cumpriu para o povo de Israel e desenha no texto de sua profecia, em 3:1-4, os contornos do povo de Judá em seus dias: (1) não atende a ninguém, não aceita disciplina, não confia no Senhor, nem se aproxima do seu Deus; (2) os principes, leões rugidores; os juízes, lobos: os dois, conjuntamente, dilapidam o povo; (3) os profetas são levianos: homens pérfidos; e os sacerdotes são profanadores do santuário: violadores da lei.

      O quadro não poderia ser pior, cada encargo aqui indicado trazendo em si a contradição da vocação para a qual foram chamados. Daí ser o povo de Sofonias incluído no mesmo juízo determinado às demais nações: "Eu dizia: certamente, me temerás e aceitarás a disciplina, e, assim, a sua morada não seria destruída, segundo o que havia determinado; mas eles se levantaram de madrugada e corromperam todos os seus atos", Sf 3:7.

       Certamente virá o exílio. Sofonias, em alguns anos em seu ministério, antecede Jeremias, que presenciou a ida ao cativeiro. Porém, a partir de 3:8-20, o profeta aponta para uma profecia de restauração, que alcançará Judá, povo de Deus, e as demais nações: "ajuntar as nações e congregar os reinos", v.8. Porém essa obra de restauração realizada por Deus, não é uma caiação superficial.

        Somente Deus conserva, consigo mesmo, poder para salvar, como indica Sofonias. Somente Ele tem como atributo renovar em amor o tão viciado povo de Judá e as demais nações, a quem se estende Seu convite de salvação.

       E essa ação exclusiva de Deus por meio do Seu poder implica alegria e regozijo para Ele, bem como, certamente, festa de redenção entre os salvos pelo nome do Senhor.

        O paralelismo da poesia hebaica nestes versos permite definir que, para Sofonias, ser salvo é ser renovado no amor de Deus, o que traz, para o próprio Deus, intensa alegria e regozijo, celebrados em louvor conjunto no meio de Seu povo.

       Que possamos experimentar a mesma alegria de Deus, pela salvação trazida e celebrada por Ele em culto, no meio de nós. Que sejamos fiéis em nosso sacerdócio como igreja, para que essa genuína alegria do Senhor se renove continuamente, contados tantos salvos como resultado de nosso ministério como igreja povo de Deus.

Habacuque

  4   "Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé." Hc 2.

   A profecia de Habacuque traz a legenda que Paulo usou como tema de sua carta ao Romanos: "o justo viverá pela fé", Hc 2:4. E, em sua carta, o apóstolo forja outra legenda, qual seja: "Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê [...] visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé [...] o justo viverá pela fé", Rm 1:16-17.

      Por meio do profeta, temos a natureza e amplitude da fé e, pelo apóstolo, por que meio é obtida a fé e o modelo de vida resultante.

      Habacuque diz, fundamentalmente, duas coisas: (1) a fé produz vida; (2) a fé sustém a vida. E Paulo diz que (1) pelo evangelho se obtém fé; (2) pelo evangelho é revelada a justiça de Deus.

     No tempo de Habacuque, cerca de 600 a. C., Judá estava na iminência de ser, como reino, subvertido pela invasão babilônica. O profeta estava impressionado com o refinamento da violência dos babilônios, com a fragilidade do reino e a indiferença do povo frente à iminência da invasão.

       Perguntava a Deus por uma  saída e punha-se em sua "torre de vigia", como uma sentinela, esperando uma resposta. E a resposta foi que, acima de qualquer circunstância desta vida, com Deus só é possível caminhar com fé.

        Brevemente, como confirmariam Sofonias e Jeremias, o povo de Deus perderia seus referenciais como nação livre: a terra, o templo e a monarquia. Seria o êxodo ao inverso, porque seriam levados de volta ao cativeiro, desta vez ao Norte, na Babilônia. Somente a fé no Senhor restaria como referencial.

        Para o profeta, o justo, aos olhos de Deus, subsistirá unicamente dependente da fé. Pelo contexto do texto de Habacuque, fé opõem-se à soberba, enquanto esta opõem-se à retidão diante de Deus. O soberbo não avalia que necessita de Deus para andar em retidão, diante dEle, nem ao menos se interessa pela justiça.

       Para o apóstolo, o evangelho é fonte de fé, por meio dele é obtida e por meio da fé sustém-se a vida com Deus. Na carta aos Gálatas, Paulo demonstra como, de fé em fé, vive-se passo a passo com Deus, no dia a dia da vida: cada escolha confirma a natureza de vida possível na comunhão com Deus, Gl 2:19-20.

         É tão vital e indissolúvel este vinculo entre fé e vida com Deus que,  na carta aos Romanos, Paulo define pecado como "tudo (e qualquer coisa) que não provém de fé", Rm 14:23c. A fé é o ponto de partida da vida com Deus, assim como por meio dela, como resultado da graça de Deus e por meio do sangue de Jesus Cristo, somos aceitos como justos diante de Deus.

       A fé que nos conduz a Deus, ela mesma é o contraponto para a ação de Deus em nós. Por isso Tiago, numa aparente contradição com Paulo, diz que fé e obra operam juntas: a autenticidade da fé é demonstrada pelo modo como Deus opera naquele que crê: primeiro, a salvação; então, junto com ela, os frutos e resultados da fé, os frutos de justiça, a mesma retidão de que fala Habacuque.

            Foi recomendado ao profeta que a legenda "o justo viverá por sua fé" fosse colocada numa tabuleta visível, com letras garrafais, para que até quem passasse correndo pudesse ler. Fosse hoje, seria uma legenda na internet, à vista de todos: a fé como fundamento. Esta legenda foi o ponto central da Reforma Protestante, que comemora 500 no ano de 2017.

        Ponto para Habacuque. Lutero leu certo o profeta, tanto quanto o apóstolo. Não há outra legenda possível. Quem mesmo passa correndo leia, ainda que seja na tela touchscreen do seu smartphone: o justo viverá por sua fé.

Naum

7 "O Senhor é bom, é fortaleza no dia da angústia e conhece os que nele se refugiam". Am 1.

    A profecia de Naum pode ser lida como um contraponto àquela de Jonas. Este, um profeta que precisava compreender o alcance do amor de Deus, e Naum, o que reconhecia a capacidade do perdão, da parte de Deus, mas sofria com a consciência de que o juízo de Deus também era inexorável e certo que ocorresse.

      A experiência de Naum lhe indicava a grandeza da misericórdia de Deus e capacidade para até mesmo inocentar o pecador, deparando a propiciação de sangue pelo pecado. Mas até isso, mesmo para Deus, tem um limite.

      Essa mesma experiência teve Moisés no deserto, quando pediu para ver a glória de Deus, concluindo ser Deus misericórdia, perdão e salvação: "Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade [...] ainda que não inocenta o culpado", Ex 34:6-7.

        Em Deus há permanente esperança de salvação. Porém, uma vez rejeitadas (1) a revelação de Deus do pecado no homem, (2) o sacrifício que o próprio Deus propõe para resgatar o pecador e (3) a denúncia desse pecado e o chamado ao arrependimento, como diz o autor de Hebreus, "já não resta sacrifício pelo pecado." Este era o problema dos ninivitas na época da profecia de Naum.

     Enquanto Jonas não conseguia aplacar o ódio no seu coração, dando espaço ao amor de Deus, Naum sofria com a certeza de que todas as oportunidades foram dadas aos ninivitas, e sua tarefa era anunciar o juízo de Deus.

      A síntese de sua profecia está em Naum 1:2a: "O Senhor é tardio em irar-se, mas grande em poder e jamais inocenta o culpado". Trata-se de uma ressalva, mostrando que Deus é todo misericórdia, sempre oferecendo salvação. Mas não há alternativa se ocorrer rejeição da proposta do perdão de Deus.

     Outro versículo modelo da temática está em Naum 1:7-8: "O Senhor é bom, é fortaleza no dia da angústia e conhece os que nele se refugiam. Mas com inundação transbordante, acabará de uma vez com o lugar desta cidade; com trevas perseguirá o Senhor os seus inimigos."

       Definitivamente, era esta a mensagem que o profeta Jonas gostaria de proferir. Já aprendemos com Obadias que é um vício mórbido, rejeitado por Deus, alegrar-se com o juízo de Deus ou a desdita que recai sobre quem quer que seja. Não é sadio alegrar-se com o pecado e consequente punição do outro.

          Já está previsto no convite à salvação que Deus torna isento o pecador arrependido. Paulo menciona que somos "santos, inculpáveis e irrepreensiveis". Esta afirmação, que não é simples retórica, indica até onde vai a obra realizada por Jesus Cristo, justificando pela fé totalmente o pecador.

      Porém, como já indica João 3:16-19, há ressalvas: (1) a bondade de Deus é do tamanho da dádiva de Cristo como salvador: "amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unigênito"; (2) a fé em Jesus inocenta instantaneamente, sem que o volume do pecado seja obstáculo: "quem nEle crê, não é julgado"; (3) mas não resta o que fazer para quem rejeita essa oferta de cobertura do prejuízo do pecado: "o que não crê, já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus."

       O pecado, que se acumula sem volume, é praticado pelo homem. A graça e o perdão procedem de Deus, que não leva em conta esse volume e paga o preço. Porém se o homem não aceita essa forma única de pagamento, entra o argumento do autor de Hebreus 10:26-27: "já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador".

         Jonas é o profeta que anuncia salvação desejando, em seu conflito interior, ter anunciado o juízo. Naum, profeta que anunciou juízo, mas reconhecia a bondade de Deus. Numa sintese, desta vez nos socorre Paulo Apóstolo: "Considerai a bondade e a severidade de Deus", Rm 11:22.

      Definitivamente, Deus concede oportunidade de salvação. Mas até para a bondade de Deus há um limite que o homem não pode violentar. A medida da dívida do homem/mulher foi o preço pago por Jesus na cruz: não há nada que substitua esse preço de sangue.

Miqueias

      "Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede a ti: que pratiques a justiça, e ames misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus." Mq 6:8.

     Alguns textos bíblicos indicam características fundamentais da fé. Aquelas que, uma vez verificadas na vida do crente, autenticam sua fé e, com elas, agregam outras que definem vida com Deus no seu todo.

    O ministério profético, de um modo geral, pode ser definido como a efetiva ação de Deus, enviando homens que eram referencial de autenticidade para o povo de Israel e Judá, na tentativa de conversão desse mesmo povo. Pontos centrais da fé podem ser destacados e indicados, continuamente, na literatura desses homens.

       Este texto de Miqueias é um dos que trazem características que definem a vida de fé e marcam como autênticos aqueles que as possuem. Como se o profeta sintetizasse sua mensagem, do seguinte modo: "Ei, pessoal, vamos resumir: o que Deus espera de vocês é justiça, amor e humildade diante dele."

      Justiça, na Bíblia, no hebraico, é tradução de dois termos: mispat e tsedaqah: direito e justiça. No caso deste texto aparece somente o segundo termo. Justiça, tsedaqah, é o dado objetivo da lei, o mandamento prescrito, ao alcance do homem e que deve ser cumprido pelo e a partir do homem.

       Direito, mispat, é o padrão elevado, subjetivo e a capacidade que somente Deus tem consigo e concede ao homem para que obedeça à lei e agrade a Deus por meio de sua (do homem) conduta. Na Bíblia, os dois estão conjugados e somente é possível agradar a Deus e cumprir sua justiça por meio da observância desses dois conceitos.

        Quanto a "amar a misericordia", são duas palavras muito próximas no hebraico, visto que o termo hesed, misericórdia, no Antigo Testamento, pode ser traduzido amor. Portanto, é como se Miqueias estivesse dizendo 'apegue-se ao amor'.

       E quanto a andar em humildade diante de Deus, esta é a primeira virtude necessária a qualquer pessoa que de Deus se aproxima. Habacuque diz que o soberbo não tem reta sua alma, o que o inviabiliza a crer: "Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé, Hc 2:4. De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, diz o autor de Hebreus, Hb 11:6.

       Estamos diante de três elementos que são valores absolutos no trato com Deus. Seja no Antigo, quanto no Novo Testamento: justiça, amor e humildade.

       Com relação à justiça, somos justificados pela fé, único meio de acesso à graça de Deus: "Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes", Rm 5:1-2.

       Com relação ao amor, fruto do Espírito, é a síntese do caráter de Deus e principal indicador da conversão: "Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor", 1 Jo 4:8.

       Com relação à humildade, é a síntese do caráter de Cristo, indicado por Paulo Apóstolo como o "sentimento de Cristo": "Pois ele (Jesus), subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus, antes a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo [...] a si mesmo se humilhou", Fp 2:6-8.

      Miqueias sugere que o homem/mulher de seu tempo busque, por meio da fé, a justiça de Deus; pela comunhão com Deus, apegue-se ao amor; e ande em humildade diante do Senhor. Tiago, em sua epístola, indica a necessidade de nos humilharmos diante do Senhor para que, no tempo da oportunidade, sejamos exaltados.

        Exaltação, aqui, significa ser da estatura de Deus, na medida de Deus, colocados por Deus na medida certa diante dEle: "imitadores de Deus, como filhos amados", Ef 5:1, em justiça, humildade e amor.

domingo, 27 de março de 2016

Mal traçadas linhas 16


        Tenda, poço e altar.

         Certa vez li na Bíblia que Isaac, sempre adiante, fugindo de provocações, não permitia revanche de seus pastores, quando pastores alheios entulhavam os poços que os seus próprios haviam cavado.

        Lá na frente, cessadas as provocações, visto que Isaac cedeu, cansando seu desafeto, demonstrando ser Isaac pacífico e pacificador, finalmente puderam seus obreiros cavar poços definitivos, erguer tendas e levantar altares.

     Pois aí estão três figuras que bem representam o destino do homem na face da terra: cavar poços, erguer tendas e levantar altares.

        Jesus disse certa vez, pretensão dele ou verdade que, quem cresse nEle, como que de seu interior fluiriam rios de água viva.

      Onde cada homem estiver, que tenha como destino seu ser poço perene, fonte de águas vivas nesse mundo carente de saciar-se de sua sede, lavar-se de sua sujeira e necessitado de refrigério para sua alma e suas dores.

      Que levante altares a Deus, reconhecendo que Ele se agrada da verdade no íntimo e, como disse Jesus à samaritana, que Ele procura verdadeiros adoradores. Assim como exortou Elias que seja, em cada homem, restaurado o altar do Senhor.

          E que por onde andem os homens, de quando em vez, por cansaço ou intuição, levantem ali sua tenda. Nunca esqueça, homem/mulher, que são peregrinos na terra e, como disse Jesus, ilusão sua: o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.

        Na verdade, esse Jesus disse que edificaria sua igreja, sua eklesia, sua comunidade, sua tenda. Para isso, pelo menos, eu acho, dizendo isso, deve ter um padrão, um modelo, uma matriz.

         Pois ninguém como ele armou uma tenda, cavou fonte de água de vida ou ergueu um altar. Na verdade, ser igreja dele, ser igreja como resultado da comunhão com ele, constitui-se saber fazer assim, como ele fez, ao longo da vida.

        Levante, arme e desarme sua tenda, erga um altar e cave um poço. Se você for esse tipo de homem/mulher que, por onde anda, de dentro de você brotam rios de água viva, perto de você sobe desse altar erguido aroma suave ao Senhor, cheiro que agrada a Deus, perfume de Cristo e, por fim, se por onde você passa, que seja por breve tempo, você ergue a tenda que traz consigo, muito parecido com Jesus você se tornou.

    Você, na vida, é um verdadeiro boêmio. Você é igreja, e isso basta.

       


domingo, 20 de março de 2016

Mal traçadas linhas 15




         Repetição. Repetição. Repetição.

            Ctrl C. Ctrl V. Jesus, no assim denominado Sermão do Monte, diz: Não useis de vãs repetições. Há, pelo menos, dois sentidos de repetição: um deles, positivo; o outro, esse destacado por Jesus, negativo.

             Eu, por exemplo, já contabilizo uns mais de 35 anos de sala de aula. Professor, na vida. Pois nessa profissão, a repetição é chave para a compreensão e para a condução do aluno ao sucesso. E eu repetia, porém nunca exatamente do mesmo jeito, minhas aulas, muito embora saibamos que, mesmo variando a forma de apresentação, na vida de professor o conteúdo, muitas vezes, tem mesmo de ser repetido.

           E o pôr do sol? Que desde que mundo é mundo, se repete? Nunca deve ter sido do mesmo jeito e a própria Bíblia diz que, nesse descanso do sol, do nascer ao poente, por toda a terra, na linguagem do silêncio, proclama-se a glória de Deus. Árvores da Magalhães Couto. Minha mãe reside nessa rua desde 1967. Eu residi nela desse ano aí até 1993. Pois quando aqui chegamos, muitas das árvores que aqui ainda estão, com seu velho e escuro tronco retorcido, em estado de arte, já existiam. E nenhuma delas teve, em todos esses anos e nem antes duas folhas, sequer, absolutamente iguais. Neste caso, não houve repetições.

             Repetir aquele sorvete. Mas cuidado com a gordura. Já passou dos 35 anos? Mais cuidado ainda. Aliás, mesmo antes, não se pode abusar com doces, comidaria, gordura, refrigerante, enfim, gula: vivam as nutricionistas! Cuidado, nesse caso, com repetições. E a mágoa? Tem alguma? Quantas? A Bíblia diz que não devemos deixar brotar, porque mágoa gera raiz de amargura e isso contamina. Que tal repetir toda a cena na sua mente? Repetir, revisitar toda a história, rever com detalhes a sua versão dessa mágoa, sabe para quê? Para que venha o perdão: santo remédio de Deus este remédio, o perdão, repito.

           Deus revisitou o nosso pecado, o meu e o seu, na cruz. Pecado tem muito de repetição. Quem diz que não repete pecado, segundo João Apóstolo, em sua 1ª carta, chama Deus de mentiroso: quem não confessa que repete pecado, mais do que mentir, está chamando Deus de mentiroso, porque é Deus que aponta o meu e o seu, o nosso pecado, visando que nos arrependamos. Se Deus revisitou e reviu o nosso pecado na cruz e continuamente nos perdoa, como é que não vamos, na mesma medida, perdoar? A Bíblia, em mais de um lugar, diz que devemos perdoar do mesmo modo que Deus perdoa. Repetição tem a ver com perdão, perdão tem a ver com repetição.

         Mantra. Tenho muito respeito pelas religiões. Não sou muito entendido nelas, mas a importância que costumo dar a elas está na medida do valor que a elas dão os seus seguidores. Explico e vivo dizendo que qualquer pessoa é sempre mais importante que a religião que ela professa. Nenhuma religião, por mais antiga e complexa que seja sem importar os milhões, a quantidade de seguidores que tenha, considero mais relevante do que uma ou qualquer pessoa. Mantra é repetição. A religião hindu, da qual se originou o budismo, costuma utilizar mantras em suas sessões de meditação. Eu, ocidental que sou, acho que mantra é vã repetição. Pronto: está aqui uma variação de ótica, de visão entre dois modos de encarar religião.

            Repetição tem sua função. Deve ocupar um lugar de inteligente consenso e sabedoria. Vãs repetições, nas orações, são desnecessárias porque, além de Deus estar cansado de saber do que necessitamos, não é pelo muito falar ou pela muita repetição que seremos ouvidos. Mas repetir, na oração, uma história, um causo ou um problema, pode estar relacionado a sua solução, porque a oração permitirá sondar o nosso coração junto ao coração de Deus na melhor equação e lucidez da visão que Ele vai nos proporcionar. Nesse caso, repetição é positivo.

         Mas, por favor, para de repetir corinhos ou cânticos feios nos cultos, nos chamados períodos de louvor, como se fossem mantras, principalmente se a letra for pobre e não houver harmonia, ou seja, respeito ao estado de arte, que é ajuste de letra à melodia. Há aqueles de boa letra e melodia ruim, ainda vale, porque a letra compensa. Mas há aqueles de letra ruim que, mesmo com boa música, não dá para engolir. Música na igreja tem que respeitar subordinação ao texto da Bíblia. Ela não é, em si mesma, uma finalidade, mas sua função é ressaltar a beleza, grandeza e advertência do texto bíblico. Repetição aqui é puro mau gosto, se não for respeitado o estado de arte, se não for respeitada a harmonia.

      Há repetição e repetição, um jeito e outro, uma oportuna e necessária, outra inoportuna e desnecessária. Eu, para não me tornar repetitivo e chato, encerro. 

terça-feira, 15 de março de 2016

Mal traçadas linhas 14



      Nu

            Adão jamais poderia imaginar que a desculpa esfarrapada com a qual tentava, no Jardim, emparedar Deus revelava sua verdade. Ele disse que se escondera, porque estava nu. Tentativa tola de ocultar-se por entre as árvores, como se fosse possível fugir de Deus. Pode continuar tentando, ridícula tentativa fugir de Deus.

          Nesse caso, desta vez pareceu, mesmo, coisa de homem, essa suprema covardia. E deve ter sugerido a Eva essa fuga que, cúmplices e parceiros na suprema burrice da queda, empreenderam. Ora, se a sugestão de comer do fruto foi de Eva, a sugestão de empreender fuga e esconderem-se foi, certamente, de Adão.

         Em dois sentidos o casal estava nu: (1) frente a frente com a vergonha de ver e constatar a si mesmos incapazes, diante de Deus, de agir certo, segundo o padrão e a vontade original do Criador: nudez de si mesmo para Deus, nudez aos olhos do homem; (2) verdadeiro sentido de nudez, que é quando Deus faz o homem enxergar-se, sem máscara, a fim de que perceba a extensão de sua condição e até onde vai o abismo moral na direção do qual caminha: nudez aos olhos e com os olhos de Deus, nudez a partir do ponto de vista de Deus.

           Caiu a sua máscara. Caiu a minha máscara. Confissão de pecado é quando a gente se vê nu, quando cai, definitivamente, a nossa máscara. A partir desse ponto, caminha-se na direção da conversão. Deus foi procurar o casal primordial no intuito de lhes propor conversão, ou seja, retorno a Deus. Não sabemos se cada um dos dois atendeu a esse chamado. Detecta-se, no texto bíblico, uma tendência de sinceridade maior da parte da mulher, logo após esse primeiro diálogo, quando ela diz, num jogo aberto, “a serpente me enganou e eu comi”.

           Suprema franqueza da mulher. Talvez esteja aí o nascimento da covardia. Toda a vez que um homem se insurge contra uma mulher, usando a força, é porque perdeu. Perdeu, mermão: perdeu. Adão deve ter olhado de soslaio para Eva, murmurado contra ela, contra si mesmo e contra Deus: “desgraçada”, por causa da sinceridade dela. Enganou-se Adão: era o primeiro sinal da graça de Deus.

   Paulo Apóstolo esclarece que somente a tristeza segundo Deus produz arrependimento. E que somente com arrependimento ocorre salvação. Desgraçada, sim, desesperadora, sim, é a condição do homem. Homem e mulher são incapazes, até, de se enxergar, de autoavaliar sua condição. Nem capazes de se entristecer eles são. A primeira discussão do casal após a queda, sua primeira discordância - até porque fugir, os dois concordaram em fazer - foi quando Adão disse a Eva (a Escritura não registra, mas esse diálogo deve ter ocorrido): poxa, Eva: tinha que ser sincera, tinha? Que língua, a sua. Data daí a fama de fofoqueira da mulher (quanta injustiça!).

         A máscara caiu. A minha máscara caiu há muito tempo. A sua máscara caiu? Você consegue enxergar a sua nudez? Deus já abriu teus olhos? Você já parou de fugir de Deus? Ou continua como o homem original, pensando que pode se esconder entre as árvores do jardim? Ridículo. Mais ridículo ainda que a sua falta de fé, é a sua tentativa de fuga. Vai se cansar, e não vai conseguir se esconder de Deus.

      
       Paulo Apóstolo, ele novamente, chama-nos de “homem natural”. Homens/mulheres que fogem de Deus são chamados naturais, sabe por quê? Porque a fuga é natural. Porque enxergar-se a si mesmo trata-se de se ver como se é, como se tornou o ser humano, um arremedo de gente. E homem/mulher têm medo dessa visão. Por isso, fogem. Você tem dúvida disto, de que o homem é, existencialmente, um arremedo, uma mancha? Se tem dúvida, é porque está em fuga. Se decidir não mais fugir, vai ter um encontro consigo mesmo, somente possível diante de Deus, que vai te fazer enxergar-se. Caiu a tua máscara. Saia ao encontro de Cristo carregando contigo a vergonha da tua nudez.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Mal traçadas linhas 13



 
    Servo, ainda vai: mas amigo?
          
            Sendo servo, caso seja magnânimo o Senhor, ainda vai. Pode ser desconfortante, até, mas os anos e a relação podem se aprofundar e surgir até mesmo amizade. Porém, será essencial que seja mantida a distância, o reconhecimento do afastamento que a diferença de níveis propõe, antecipada e fundamentalmente como regra.

          Já amizade é diferente. Se for, desde sempre, real e não apenas retórica, implica reciprocidade, intimidade e descortinamento. Uma certa cumplicidade que põe os dois no mesmo nível. Muito provavelmente, é certo, haverá um preâmbulo que, em avanços e recuos, definirá a proposta de amizade. Por isso que Senhor e servo podem, um dia, tornar-se amigos. Se havia distância, esta se estreita, definitivamente. Pode haver amizade interesseira, na verdade, falsa. Assim como pode haver servidão.

            Mas se o Senhor é indulgente e o servo fiel, haverá reciprocidade e gérmen de amizade. Pode ser que Senhor e servo, mantido um distanciamento regulamentar, sondem-se um ao outro: o Senhor a ver se não está a conceder liberdades excessivas ao servo; este, a verificar se seu Senhor não há de manter o status. O servo reconhecerá o seu lugar e posição, evitando intimidades inoportunas, assim como o Senhor avalia essa mesma conduta. Com o grau de confiança se aprofundando, ao longo de épocas, dado certo tempo, surgirá amizade.

           O que se espera, mesmo, é que a distância caia a zero. Servir é preâmbulo de amar. Amizade surge, certamente, quando a medida do serviço se revela sincera, desprendida e gratuita. Há quem julgue que servir sempre será subserviência, humilhação e cativeiro. Aquela menina anônima que a Bíblia diz ter sido sequestrada a sua família e levada cativa à Síria, trabalhando em casa do Comandante sírio hanseniano, não maldisse seu senhor, mas supôs que, pela palavra do verdadeiro profeta, haveria cura para ele em Samaria. José teve diversas oportunidades de mágoa: servo dos irmãos, servo de Potifar, servo do guarda penitenciário, chegou a grão-vizir do Egito.

            Servo do Senhor. Quem é servo do Senhor não alimenta mágoa. A distância se torna zero. O nome disso é comunhão. Deus anulou a distância entre Ele e o servo. Por isso, dizem as Escrituras que não mais somos chamados servos, mas amigos. Na verdade, até para que fôssemos servos, somente por meio de Cristo, de quem a Bíblia diz que não veio para ser servido, mas para servir. Retórica de Deus: já não vos chamo servos, mas vos tenho chamado amigos.

            Do servo, o Senhor ainda pode esconder o que for, sem que aquele tenha qualquer direito a reivindicação. Mas o amigo priva confidências. Não se podem imaginar amigos entre os quais existam segredos. Por isso as Escrituras equiparam servos a amigos. João, na perícope da videira, no capítulo 15 estreita, definitivamente, a relação entre Deus e o homem/mulher, quando diz que Jesus não mais nos chama servos, porém nos torna amigos de Deus. 

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mal traçadas linhas 12



        Ora, ver Deus.

            Moisés pediu isso no Antigo Testamento. Felipe, a mesma coisa, no Novo. E daí? Respeitemos essa intuição, mas garanto que seria absolutamente desnecessária, se não fosse absolutamente impossível. Supondo que Deus permitisse, de que adiantaria?

           Se quando vemos, o que vemos, distorcemos, nossa visada não é exata, ver Deus, que alguns pensam ser suficiente para crer, seria perda de tempo, ou seja, quem antecipadamente já crê, continuaria a crer e, quem antecipadamente se constitui a si mesmo incrédulo, aqui me permitam, mais incrédulo ficaria.

           Mesmo porque, como já diz a própria Bíblia – e olha que estou falando do compêndio autorizado -, o que de Deus se pode conhecer já está manifesto entre nós, humanidade. Quando vemos estrelas, à noite, não são azuis. Quando vemos céu azul, durante um dia limpo, sem nuvens, aquilo não é céu. Quando vemos o sol percorrer o céu, de ponta a outra, é ilusão, porque nunca se moveu.

         Para ficar só nestes três exemplos. Já é suficiente para fazer entender que vemos o que pensamos estar vendo e não o que, na verdade, é. Logo, nossos sentidos são, sim, fundamentais para nos transmitir uma ideia do mundo à nossa volta. Só isso. Uma ideia. Mas a resposta última requer uma distinta visão. Basta, por exemplo, citar o caso em que algum sentido falta a qualquer. O que dizer? Diga-se que a visão deste é distinta. Pronto. Priva de uma outra ótica, enxerga por outro viés, mas também vê.

        Por que dizem, então, que fé é um tipo disfarçado de cegueira? Realmente, a definição de fé, inclui a citação de um dos sentidos, exata e precipuamente a visão: “certeza de fatos que não se veem”. Qual seria aqui o erro no raciocínio? Entender que a visão é fundamental, sobrevalorizá-la quando, na verdade, somente por provocação foi citada, pois seria, entre os sentidos, o primeiro deles a questionar o objeto da fé.

       Porém, essa ansiedade por ver Deus, com olhos humanos, é plenamente compreensível. Pelo menos por dois modos, quais seriam, o desejo sincero de ver ou o uso desse argumento como provocação. Aqui me lembro de duas perguntas iguais, feitas por pessoas diferentes, nas Escrituras, muito provavelmente com variação no tom: Zacarias, diante do anjo Gabriel, duvidando que sua mulher engravidasse, perguntou em tom de incredulidade: “Como saberei isso?”, demonstrando desconfiança. Tempos depois, o mesmo anjo interpelou Maria, que fez a mesma pergunta, porém num tom de precípua curiosidade, de como se daria sua gravidez sem o concurso humano, utilizando outro verbo: "Com será isto?", demonstrando certeza.

         Aliás, esse filho de Maria nasceu, exatamente, para Deus mostrar seu rosto. Para negar que Deus possa ser visto, é necessário negar essa história do recado que o anjo Gabriel trouxe a essa mulher. E necessário, do mesmo modo, negar que Jesus seja o rosto de Deus. Paulo Apóstolo afirma que “nele (em Jesus) habita corporalmente toda a plenitude da divindade.” E o autor anônimo da Epístola aos Hebreus emenda que ele (Jesus) é “a expressão exata do seu (de Deus) ser.”

        E o próprio Jesus, referindo-se a Felipe, que pediu, diante da circunstância nua e crua da despedida de Jesus, que este lhes mostrasse o Pai: “mostra-nos o Pai e isso nos basta.” Não basta. Não bastaria. Ver não adiantaria. Mas Jesus respondeu: “Quem me vê a mim, vê o Pai; e como dizes tu ‘mostra-nos o Pai?’. Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim?”. Para escapar, passar batido destas afirmações, há três possibilidades, que anoto a seguir.

         A primeira delas é descrer que sejam, autenticamente, palavras do próprio Jesus, como afirmam modernos exegetas, e atribuí-las a alguém que, como retórica de sua teologia, floreou-as como argumentação do Mestre. A segunda, é considerá-las verdadeiras, porém classificar Jesus como um místico qualquer que, também de modo retórico ou por pura loucura atribuía a si, com exagero, a qualidade de tanta intimidade com Deus. A terceira possibilidade, na qual eu me incluo, é considerar tais palavras verdadeiras e dito mesmas por Jesus, refletindo uma verdade central da Bíblia.

        Deus mostrou o rosto. É a cara de Jesus. Deus tem cara de Homem. E não há outra maneira de se mostrar assim, tão expressamente. E a Bíblia vai adiante, quando afirma que a glória desse rosto, do rosto de Deus refletido no rosto de Jesus, reflete-se no rosto dos que, verdadeiramente, creem nisso. No quê? Creem que em Cristo Deus mostra a Sua cara. Quando você encontrar um desses, preste muita atenção, vai ver refletida nesse rosto a glória da face de Deus. Então, nunca mais diga que não esteve cara a cara com Deus. A grandeza de Deus está no fato de, um dia, ter desejado e terminou por tornar efetivo, por meio de Jesus, refletir Sua glória na face daqueles que nEle creem.