Vi um louco hoje pela manhã vagando pelas ruas
Na verdade, vi uma louca hoje pela manhã vagando pelas ruas. Vestia-se maltrapilhamente, assim, talvez, fosse avaliado. Camiseta amarela, meio manchada, mas, também, vi-a num relance, cruzei com ela duas vezes, pois arrodeei na quadra para deixar a família no Colégio.
Vi-a duas vezes, na primeira, na esquina, ainda sobre a calçada, magricela, aparentando, certamente, mais idade do que, na verdade, tinha, falando consigo mesma. Não balbuciava ou fazia movimentos com os lábios, apenas movimentava em meios círculos a cabeça, raciocinando algo consigo mesma.
Ah, sim, bermudas, quase um short, mesmo, meio amarronzado, descalça, dei a volta na quadra, deixei a família no Colégio, segui só com meu menino, dei com ela, agora atravessando a rua, passei por ela e comentei com ele o que me ocorreu: "Louca. Isaías diz que nem eles errarão o caminho".
De oitiva, lembrei-me do texto de Isaías. Afinal, há loucuras maiores do que outras loucuras. A alienação dos loucos os livra de outras loucuras, essas sim, espreitam todos aqueles que fazem uso da razão e muito provavelmente nem diagnóstico de loucos apresentem.
Esses têm, pelo menos, duas opções, ficar com sua rotina encadeada de raciocínios para seu gasto, sem demonstrar nenhum sintoma de loucura, socialmente aceitos ou, pelo menos, apenas com as neuroses de plantão, aquelas que todos temos, de que todos fazemos uso, pegadas a nós como manchas, nódoas de que não nos vemos livres. Não são loucos, mas erram em não enxergar o caminho ou seguir seu rumo como quem não enxerga ou como se não enxergassem mesmo.
E os loucos, assim identificados, claramente, até mesmo por leigos, como eu, que nada sei nem de psicologia e nem mesmo de minhas neuroses (ou de minhas loucuras), esses loucos têm sua absolvição, porque seguem seu rumo, ensimesmados, essa, por exemplo, vagava por ali, pelas cercanias da escola, talvez conhecida até mesmo dos alunos, porém inofensiva.
Caso não cause maiores problemas, não incomode o sossego sagrado dos sãos, não mexerão com ela, seguirá seu rumo, falando consigo mesma. Livre. Mas loucura mesmo é quando se tem, pelo menos, dois rumos a seguir, pelo uso da razão, pelo tino em dia, e se escolhe (ou não se escolhe) aquele rumo entre todos os outros o mais lógico e racional. Segue-se como que sem rumo ou desconhecendo o caminho a seguir.
Acho que é nesse sentido que Isaías adverte que há um caminho, há um rumo tão óbvio de escolha que nem os loucos errarão esse caminho. Que caminho, afinal, é esse? A qual caminho se referia o profeta? Advertia que aqueles que têm, ou assim pensam que têm, preservada sua razão, seu tino, sua lucidez de escolha em meio aos rumos da vida, não devem desprezar essa escolha, visto que nem mesmo os loucos deixarão de fazê-la. Que caminho será esse? Só mesmo indo ao texto do profeta e conferindo o contexto.
Fico por aqui, com a imagem da louca, já se esvaecendo, mesmo porque tenho que produzir, outra neurose, no ambiente de trabalho e não ficar lucubrando loucuras. Mas a imagem da louca, da loucura dela e da loucura como opção ficou comigo nesta manhã. E fiquei pensando na loucura de quem não é louco, mas despreza a escolha do caminho de que nem os loucos errarão, ou serão acusados de ter errado, ao fazer ou deixar de fazer sua escolha.
Cid Mauro Oliveira.
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