terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Artigos soltos 15


    A vida que pedi a Deus.

    Engano. Não pediu e não foi essa a vida que Deus quis dar. Perder mãe com câncer, avião cair com time inteiro e divórcio de casal não é, definitivamente, vida que se pediu a Deus.

   Entre um esgarçar e outro de preguiça matinal, me incomodaram esses três aspectos da existência, agrupados, nesse torpor, em minha mente, talvez, quem sabe, por pressão de uma agenda qualquer do calendário.

   Não foi a vida que se pediu a Deus. Essas coisas são consequências da escolha humana. Não entraram na agenda de Deus, uma vez suposto que avaliou tudo quanto fez, e eis que era muito bom.

  Acredita-se Deus assistir a tudo isso incólume. Pretende-se atribuir a ele responsabilidade por tudo. Onde fica, então, a tão reclamada liberdade de escolha? Ora, a decantada liberdade, não sabe, desconhece o homem como exercê-la.

  Livre arbítrio. Outra terminologia tão desgastada pelo uso. Mal sabe o homem exercer. Aliás, no meu improvável discurso, costumo afirmar que o homem não possui e não exerce o livre arbítrio: é prisioneiro de si mesmo.

  Quando aparecem os malfeitos, põe a culpa em Deus. Listei três deles. Queda de avião, é checar que princípio da física foi contrariado. Câncer, meandros da ciência médica, em suas disposições e limitações. Quanto a divórcios, caprichos da escolha humana.

  Não era para cair avião, não era para dar câncer em gente (nem em bicho) e não era para casais se separarem. Diz o mito da Criação, no Gênesis, que Deus viu tudo quanto fizera e eis que era muito bom. Houve tarde, manhã, sucessão de dias e a reviravolta pós queda. Mas recai, exclusivamente, sobre o homem essa responsabilidade.

    Escolhas suas. Poderá ser, alguém diria, das três, não dá para pôr câncer no rol das escolhas humanas. É involuntário aperceber-se com esse mal. Seria, então, mais atribuível a Deus essa responsabilidade. Terá posto o Altíssimo, na condição humana, esse desvio de finalidade?

   Ora, realmente, caso a razão esteja com os ateus, para o câncer há explicação científica, embutido entre todos os fenômenos de entropia existentes. Mas se a razão estiver com os deístas, a probabilidade de Deus ser acusado por indiferença, diante da presença dessa moléstia entre nós é grande.

   Trata-se da profunda insatisfação humana e a vontade de sempre responsabilizar os outros por suas próprias mazelas. O menor, mais brando, autêntico e inocente dos cânceres é esse, o biológico.

   Cânceres sociais são piores, escandalosamente notáveis, acentuadamente danosos e de flagrante responsabilidade do gênero humano. Nem por isso são mais concorridos ou denunciados como causados pelo Altíssimo. Seria ridículo responsabilizá-lo, porque são descaradamente urdidos por deliberações humanas.

   Essa é a vida que pedi a Deus. Não foi. Trata-se da escolha feita. Se há Deus, não ponha nele a culpa que cabe a todos nós. Se não existe Deus, descaradamente é nossa própria responsabilidade. Afinal, não deixa de ser nossa exclusiva responsabilidade.

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