sábado, 4 de junho de 2016

Mal traçadas linhas 31

 
     Sarça
     Lembram dela? Planta de regiões desérticas, com aspecto de cabeleira black power, lembram delas?
     Inclusive, dei uma olhadela no Google, curiosidade, dizem serem duas. Estava lá seu, das duas, nome científico: uma, "espinheira da família das fabáceas", hospedeira da outra, Loranthus acaciae.
     A parasita tem cor avermelhada, destacando-se a partir dos contornos de sua hospedeira, dando a impressão de uma chama em forma de leque.
      Assim se explica. Mas, nas Escrituras do Antigo Testamento, é mesmo a planta que Deus usou para chamar a atenção de Moisés, a qual queimava sem se consumir, simbolizando providência, aflição ou fatalismo, três coisas que subsistem, enquanto existir o ser humano.
       Fatalismo, porque basta que esteja nas mãos dos homens, na dependência de seus desígnios, para que finde dando em má história. Há uma sina da qual a humanidade não se livra, de que sempre dará curso a sua história para um final fatal, injusto e infeliz.
       Aflição, porque não há experiência humana sem que o sofrimento se avizinhe e atropele a história, seja ela individual ou coletiva.
       Providência porque, acima do que a humanidade engendra e do sofrimento que depara, destaca-se a ação de Deus. Mesmo que tudo pareça e, além disso, o próprio  homem formule sua não existência, Deus age. Deus é um que age.
      Neste contexto, justo na história da sarça reside, para a opinião vigente, imponderabilidade. O povo do Egito, celeiro do mundo na época, acolheu em Gosem, às margens do Mar Vermelho, um clã de atividade agropastoril egresso da fome que grassou na Palestina daqueles idos. Foi mantido um distanciamento coerente, pelo choque cultural plausível. Isso é factível, pois há antecedentes históricos.
       Mudar no Egito a dinastia e subir ao trono um déspota, puxa, aí sim, submeter os povos outrora abrigados da fome, tornando-os escravos que edificassem um Império, aí sim, mais rotineiro do que isso, na história, não existe: também, mais ainda, plenamente factível.
       Agora, despertar Deus um libertador, fazendo com que veja, do meio de um fogo que não consumia a sarça, um anjo, para fazer com que a atenção se voltasse à palavra de Deus, designando-o profeta aos escravos cativos no Egito, jamais: isso não é plausível e muito menos factível.
      Plausibilidade não há. Se há Deus, não será assim que agirá. É necessário inventá-Lo ou submetê-Lo à lógica humana. O homem é capaz de engendrar sofrimento, além daquele que a própria existência já traz consigo.
      Nunca será capaz de prover solução para a exploração, para o despotismo ou para a injustiça social. E quanto a Deus, suprime-se a possibilidade de que exista e possa agir em favor da humanidade. Ao contrário, não é factível, não é plausível.
      Aliás, cita-se mesmo que Deus foi inventado precipuamente em função de e como resposta ao sofrimento humano. Por não suportar sua própria história, com toda a sua rudeza, é que a humanidade provê um consolo abstrato, imponderável e fictício.
       Sarça: consumição. A humanidade arde e não se consome, em seu fatalismo e sofrimento. Mas sobre ela também arde a chama da providência de Deus em seu socorro. Não há, para ela, saída, pois já demonstrou que não tem capacidade de ser diferente, para melhor.
       Caso tenha inventado Deus, pobre humanidade, arde a chama de sua desdita, perdida em meio ao que não pode e nem pôde controlar. Caso Deus exista, arde a chama de Sua providência.
       Então, se é assim, tira a sandália dos teus pés, porque o lugar onde pisas é terra santa.

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