terça-feira, 18 de junho de 2024

Crônica do Viver Baiano Seiscentista A Nossa Sé da Bahia de Gregório de Matos

 A NOSSA SÉ DA BAHIA

 

com ser um mapa de festas é um presépio de bestas.

E se nisto maldigo ou me engano,

eu me submeto à Santa Madre Igreja.

 

Se virdes um Dom Abade sobre o púlpito cioso,

não Ihe chameis Religioso chamai-lhe embora de Frade

Jesus, nome de Jesus!

 

AOS CAPITULARES DO SEU TEMPO.

 

A nossa Sé da Bahia,

com ser um mapa de festas,

é um presépio de bestas,

se não for estrebaria:

várias bestas cada dia

vemos, que o sino congrega,

Caveira mula galega,

o Deão burrinha parda,

Pereira besta de albarda,

 tudo para a Sé se agrega.


PONDERA ESTANDO HOMIZIADO NO CARMO QUAM GLORIOSA HE A PAZ DA RELIGIÃO.

 

Quem da religiosa vida não se namora, e agrada,

já tem a alma danada,

e a graça de Deus perdida:

uma vida tão medida

pela vontade dos Céus,

que humildes ganham troféus,

e tal glória se desfruta,

que na mesa a Deus se escuta,

no Coro se louva a Deus.

 

Esta vida religiosa

tão sossegada, e segura

a toda a boa alma apura,

afugenta a alma viciosa:

 há cousa mais deliciosa,

que achar o jantar, e almoço

sem cuidado, e sem sobrosso

tendo no bom, e mau ano

sempre o pão quotidiano,

e escusar o Padre nosso!

 

Há cousa como escutar

o silêncio, que a garrida

toca depois da comida

pare cozer o jantar!

há cousa como calar,

e estar só na minha cela

considerando a panela,

que cheirava, e recendia

no gosto de malvasia

na grandeza da tigela!

 

 Há cousa como estar vendo

 uma só Mãe religião

sustentar a tanto Irmão

mais, ou menos Reverendo!

há maior gosto, ao que entendo,

que agradar ao meu Prelado,

para ser dele estimado,

se ao obedecer-lhe me animo,

e depois de tanto mimo

ganhar o Céu de contado!

 

Dirão réprobos, e réus,

que a sujeição é fastio,

pois para que é o alvedrio,

senão para o dar a Deus:

quem mais o sujeita aos céus,

esse mais livre se vê,

que Deus (como ensina a fé)

 nos deixou livre a vontade,

e o mais é mor falsidade,

que os montes de Gelboé.

 

Oh quem, meu Jesus amante,

do Frade mais descontente

me fizera tão parente,

que fora eu seu semelhante!

Quem me vira neste instante

tão solteiro, qual eu era,

que na Ordem mas austera

comera o vosso maná!

Mas nunca direi, que lá

virá a fresca Primavera

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