Eu tinha que escrever este texto. Virou patológico eu escrever no blog. Deixa pra lá: combina com era
digital ao mesmo tempo que com minha psique.
Jesus teve muitas.
Talvez mais discipulas do que discípulos. Não as podia enumerar ou chamá-las a
desfilar com ele pelas ruas. Mas foram essenciais ao seu ministério.
Lucas indica isso,
citando pelo nome Maria Madalena, Joana, esta meio que do mitiê
político, esposa de um procurador de Herodes, e Suzana. Ele completa,
dizendo: "muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com seus
bens". De todos os níveis sociais.
Valeu, Lucas.
Quebrou o machismo institucional. É tão sutil que até o autor do Gênesis
afirma, sobre Enos, neto de Eva que, a partir dele se "começou a invocar o
nome do Senhor". Espera aí: Eva não conta?
Pelo menos, dissesse:
"a partir de Enos, os homens retornam a invocar o nome do Senhor".
Mesmo porque, certamente, se esse neto invocava Deus, deveu isso a
sua avó, como Timóteo deveu a sua mãe Eunice e a sua avó Loide.
Muitos dos que leem
estas linhas sabem do que estou falando, dever a mulheres os rudimentos
da fé. Ainda mais se são a mães e/ou avós. Comigo a experiência foi pai ensinar
apego às Escrituras e mãe ensinar apego à igreja.
Sim, qualquer e todas
as igrejas. Com vícios e defeitos que carregamos conosco para dentro delas,
quando nelas entramos, para misturar com os vícios (e virtudes também) que
coexistem ruminantes, lá dentro, numa mistura.
Sim, porque ser
humano, pobre ser humano, é elitista, coitado, não suporta
ser igual. Tem de se ver e se sentir por cima. Quando Jesus manda misturar na
vida de comunhão, detestamos. A gente sente gastura. E nojo também.
Por isso os vícios tão
frequentes, nesses ajuntamentos, de rejeitarmos diversidade. Deixa de ser
hipócrita, leitor, seu discurso de aceitação da diversidade tem seus limites.
Não me venha com churumelas.
Serão limites, seja na
aceitação de gênero (está na moda), ou de raça, ou de nível social,
ou intelectual, ou posição liberal, neoliberal, neopentecostal, não importa: só
o milagre de Jesus na sua e na minha vida vai quebrar barreiras e paredes de
separação que construímos a todo instante. É por defesa. Temos medo.
Jesus quebrou mais
uma quando pediu água àquela mulher. Água, ela gritou? Como pede
água a mim, samaritana? Jesus encurtou, não, anulou a
distância. Teria sido Jesus machista em sua abordagem? Teria sido machista
o autor que registra essa história?
Sim, porque vivemos uma época notória por questionamentos. Não se aceitam assim, de graça, conceitos. Neste Dia Internacional da Mulher, a que tipo de
pressões estava submetida a samaritana? O que significou para ela a conversa
com Jesus? Libertou-a, afinal, do quê?
Só pedi água. Não há
crime em pedir água. Você, mulher, supra minha carência. Ela, surpresa,
acho até que assustada, disse que não fazia sentido. Ele homem judeu, ela
mulher samaritana: não fazia sentido nem diálogo entre os dois. Completa a cena
uma reprovação velada até mesmo dos discípulos.
“Como nos esforçamos para limpar a barra, para manter isenta a imagem do
Mestre e ele queima seu filme conversando com uma mulher dessas”, atualizando o
que pensaram. Jesus continuou concentrado no que fazia. Seria mais uma
discípula.
A água que tenho, só
eu tenho, disse Jesus. Que água, perguntou a mulher? Que sede? Sede de Deus,
esclareceu Jesus. A minha alma tem sede de Deus, diz o salmista. Toda alma tem
sede de Deus. Toda mulher tem sede de Deus. Todo homem tem sede de Deus.
Vá
buscar teu marido. Por que Jesus perguntou isso? Invadiu o direito dela de ter
quantos quisesse? Jesus invade os direitos, para estabelecer justiça com Deus.
Paulo Apóstolo chama isso perda total. “Perdi todas as coisas para ganhar a
Cristo”. Não adianta. A sociedade atual não entende isto.
Ou você contraria direitos na
apresentação do evangelho e põe em cheque este século, ou você contraria o
evangelho, apresenta outro evangelho, e fica bem com este século. Jesus
contrariou.
Aliás, ela que foi verdadeira. Para ela,
a relação que tinha com homens desabonava sua conduta. Avaliou que, para
medir-se por Jesus, tinha que revelar sua conduta. Abrir o coração.
Esquece.
A definição para pecado é, primeiro, vertical. Costumes praticados na
horizontalidade e consenso da humanidade não são validados por decurso de
prazo. O nome disso é santidade.
Talvez achemos
que Jesus tenha sido menos feminista do que deveria. Porque teve limites,
como defendem alguns machistas hoje, como argumento, não
tendo carregado apóstolas consigo.
Jesus cedeu às
pressões de seu tempo. Isso mesmo. Fazendo-se homem, limitou-se muito mais do
que somente sendo menos feminista do que se deseja. Há muita besteira junto no
discurso feminista (e em muitos outros), quando se torna rasteiro e menos
inteligente.
Jesus pôs a luta no
nível certeiro e correto: dentro. "O Reino de Deus não vem, agora, com ou
por visível aparência". Não quis dizer que deixa de ser luta e conquista
constantes.
Quis dizer que começa
dentro. A partir do encontro com Cristo. Jesus disse à discípula: "Eu, que
falo contigo". A partir da revelação de Jesus na vida, inicia-se a luta pelo
reino. Nesse sentido, como diz Paulo, mulher e homem se igualam. Não pode
haver mulher ou homem, numa diferenciação, quando Cristo é tudo e em
todos.
A luta pelo reino de Deus começa no encontro com Deus. A luta pelo reino
requer liberdade íntima ou, pelo menos, a luta por ela. Que só se configura na
comunhão com Jesus. Por isso a discípula largou o cântaro à beira da fonte.
A discípula sorveu a água de Jesus. Saiu fazendo propaganda. Será que
encontrei o Messias? Aquela mulher encontrou o Messias. Dentro. A discípula de
Jesus. Mais uma discípula.
Retoma-se o Gênesis,
quando diz: "À sua imagem os criou, homem e mulher os criou". Homem e
mulher são criados à imagem de Deus. Quando Jesus convoca para ser discípulo ou
discípula, anula todas as diferenças.