Caia sobre nós o sangue
René Girard (1923-2015). Este é o cara. Filósofo francês que cismou por reafirmar a violência como fator fundante da sociedade.
A seguir, um alinhavado de seu raciocínio: Para Girard, "o sacrifício é compreendido num duplo aspecto: sagrado e criminoso [...] do questionamento sobre a relação entre sacrifício e violência, definindo o sacrifício como uma espécie de violência alternativa."
René Girard descreve o sacrifício como "canalização da pulsão violenta do homem e pondera que a violência do sacrifício funciona como uma espécie de ludibrio das pulsões destrutivas humanas que ameaçam a ordem social, ou seja, vida sacrifical seria colocada no lugar daquele a quem se direciona o ato violento."
Resumindo, somos violentos em essência e, por natureza, canalizamos para uma vítima nossa sede de sangue. Por esse raciocínio, o sacrifício de Jesus Cristo se torna emblemático.
E o reclame cristão seria, nada mais, nada menos que a tentativa de inocentar-se, uma vez transferido à vítima o gosto de sangue na boca.
Calcadas em cima de Cristo todas as nossas frustrações, a partir dele, cinismos à parte, saímos declarando aos quatro ventos nossa, agora, pureza, santidade e, por que não frisar, inocência.
De um modo ou de outro, levada em conta apenas a personalidade histórica do Cristo, sem fundir nela a pessoa mística, cedo ou tarde ele haveria, mesmo, de acabar se dando mal.
Por mais que espalhasse o "bem", e é difícil encontrar quem se negue a reconhecer(-se) um adepto do "bem", numa hora dessas Jesus esbarraria com a necessidade de contestar os maus.
Ele teria de tirar-lhes ou, pelo menos, denunciar-lhes a máscara. Pronto, a partir daí estaria agendada a gana de sacrificar (como mesmo ressaltaram os saduceus/fariseus) um em lugar de todos os outros.
Intuitivo em nós: "Não veem que é melhor que morra um só homem pelo povo do que toda a nação ser destruída?". João 11,50. Nunca aponte o dedo de crítica aos fariseus.
Você e eu também desejamos que assim fosse. Quisemos e fizemos por onde. A violência subjaz em nós. Se não é contra todos, é porque a direcionamos para Jesus, o "bode expiatório".
Estou no grupo dos que dizem: "caia sobre nós o sangue desse homem". Pilatos quis dizer: "Estou inocente do sangue deste justo". Enganou-se, nunca esteve.
E o povo, em coro, respondeu (a sentença não ouvida no filme de Mel Gibson): "E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos".
Mateus 27,25.
Já caiu. Sobre minha cabeça e a de meus filhos. Sobre tua cabeça e de teus filhos, se tens. Sobre todas as cabeças, fosse ou não invocado por essa mesma sentença.
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