quinta-feira, 19 de agosto de 2021

A velha - 2

    Fortuito aceno. Tarso naquele dia levantara cedo. Madrugou, hein, ironizou a mulher. Vou ao município. Ela remexia os ovos mexidos, remexendo estava, remexendo continuou. Sei...reagiu, irônica.

     Posso saber qual deles? Eram 22, ao todo, uns mais perto, no entorno da capital, outros mais isolados. Sim. Pode. Cruz Alta. Huuummm... Sei. Pertinho. Logo ali, agora foi ele o irônico.

    Não dava não, pra você me prevenir quando vai dar essas estiradas? Mulher, é meu trabalho. Tranquilo. Uma coisa não conflita a outra, ela respondeu. Que é seu trabalho, eu sei. Mas avisar à esposa, prevenir, e aí, já despejava no prato dele, gesticulando com o colher, avisar, prevenir, nada custa, você não acha?

      A mulher tinha razão. Ele que era o máximo desligado. Imagina que eu vou ali, digo ali, em Senador Caiara, aqui do lado, enfática, indicando pela colher, com uma circunferência no ar, você acordasse, altaneiro (gostava dessas palavras ditas do nada, desses adjetivos), acordava altaneiro e não me encontrava aqui, agora disse apontando, com ênfase, a colher para o chão, e nem seus ovinhos mexidos. Sabe o que ia acontecer: meu celular aqui ia tocar e, do outro lado, mulher, cadê você? Eu então ia dizer, estou aqui, benzinho, no Caiara. Apelido do município. Você ia dizer caramba! Que era a expressão de espanto dele, marca registrada.

      Ele já degustava os ovos mexidos. Já havia consumido o mamão. Agora ia degustar a tapioca. Por último, o café. Você é muito desligado. Aliás, desligado demais pro meu gosto. Vai desculpando, mulher. Partia a metade da outra tapioca, para terminar o café.

     Haviam se conhecido por puro acaso. Ela trabalhava de diarista na casa do advogado dr. Gonçalo. Ele um dia, parou a motinha em frente, para a entrega de um pacote. Buzinou. Não seu nem 1min, clicou de novo na buzina. Aquelas estridentes, de moto barata, irritantes.

     Já vai, estorvo, gritou lá de dentro uma voz, a dela. Caramba! Precisa chamar de estorvo. Ora, você não tem paciência. Pensa que estou brincando, aqui dentro. Tô trabalhando que nem você. Por isso mesmo, disse ele. Olha aqui, mostrou atrás o vagonete cheio de entregas para fazer. Também tô trabalhando. Então tenha educação e muita calma nessa hora.

     Ora, educação, educação, quem fala de educação. E já estendia a pranchetinha para ela assinar o recebimento, ela já abrira o portão, assinou, recebeu, grato, disse ele.  Seja mais prestativa. Ela olhou com indiferença, com cara de nojo, e disse seja menos pra frente.

      Ele acelerou, agora foi ele que olhou com cara de desprezo, ela manteve o mesmo olhar de nojo, até nunca mais, disse ele, até o dia do juízo, disse ela, e não se despediram. Dia seguinte, por pura e, literalmente, co-incidência, a buzina irritante tocou defronte da casa do dr Gonçalo, muito conhecido e querido na pequena capital. 

      Lá de dentro, ela. Não acredito não. Mais uma vez, a buzina, desta vez repetida com menos de 30 seg. Ela veio irritadíssima. Ele esperava com um sorriso debochado escancarado na sua cara. Foi decisivo.

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