Mais ou menos assim
Nem sei se há foto daquele Fusca 1970. Mas foi o primeiro que Cid, meu pai, adquiriu. Já estava velho (meu pai), pelo menos, para apreender a dirigir.
Outro capítulo à parte, mas foi ajudado pelo círculo de amigos, principalmente o Cardoso, o ourives das jóias que Dorcas vendia, foi ensinar Cid a dirigir. Morava (o ourives) em Água Santa.
Como um assunto puxa outro, Dorcas, minha mãe, chamada dona Maninha, com sotaque, pelo portuga (só podia ser) ourives, vendia roupas e jóias para ajudar nas mensalidades do Ap do Méier.
E foi numa folga dessas que Cid, por fim, quer dizer, todo o (diminuto) clã, ele, Maninha e eu, discutimos adquirir um veículo o que, para nós, era sinal de prosperidade (e necessidade) também.
Deveria ser pelas calendas de 1974, meus 17 anos, coincidindo com o início de pastorado dele em Seropédica, na época Distrito de Itaguaí, km 49 da antiga Rio-São Paulo, como era identificado aquele recanto.
Por essa época também, por meio e influência de tia Nice, a Eunice filha, irmã de Dorcas, frequentávamos o sítio do Ari Flores, esposo de Ivete que, por sua vez, com a irmã dela, Célia, eram amigas dessa minha tia desde os tempos da mocidade da Congregacional de Nilópolis.
Tem a ver sítio com igreja batista do km 49, porque ficavam próximos, um destino ligado ao outro, aproximados pelo Fusca cor vinho, placa FA 3900, eu acho.
Minha memória não é lá esse prodígio e os documentos velhos podem se ter perdido, nesses acessos de minha esposa, que andou jogando no mato, como se diz aqui, alguns arquivos meus.
Era muito, deveras gozado, meu pai aprendendo a dirigir ajudado pelo Cardoso: "Sinhori Cid" dizia, com o sotaque lusitano e mais seu riso debochado. Ao chegar a casa, na verdade ao Ap da Magalhães Couto, narrava os apertos.
Os dois riam juntos, Cardoso fechando os olhos, com seus cacoetes de revirar narizes e bocas, e meu pai de balançar a cabeça ao lado no ritmo da meia gargalhada.
Cid tinha um relógio de bolso, pensa, quando queria consultar a hora e, para isso, largava de mão (não literalmente) o volante, mas era óbvio que tinha de baixar a cabeça exatamente para tirar o relógio de bolso Omega do "bolso do relógio".
"Sinhori Cid", era a voz do Cardoso, advertência com /s/ e /d/ lusitanos. "Que é, Cardoso?", perguntava o aprendiz, como a dizer que não era nada de mais.
Ou quando meu pai, para passar a marcha, olhava para baixo, é claro, para localizar a barra das marchas, enquanto a não esquerda, não mais compensada pelo peso da mão companheira do outro lado, então quedava-se, teimosa, a guiar o carro à esquerda: "Sinhori Cid ", falava Portugal.
Cheguei a dirigir esse velho primeiro carro. Como no dia em que, domingo de sol, numa curva logo e pouco à frente da entrada, o chamado Retão, para Itaguaí eu, com 19 anos, pedi para levar os derradeiros 2 a 3 km até o 49. Foi quando.
Logo à frente um carro da Rodoviária Federal nos parou, eu tinha 19 anos, sem carteira, não adiantou apelar, levaram-nos, pela Reta, à Delegacia de Itaguaí, retornaram à rodovia, disseram, muito $$$ movimento, chamaram o Escrivão, que veio irritadíssimo de seu churrasco de domingo, perguntou pelos Federais, o plantonista falou que voltaram à rodovia, ele disse que, sem eles ali, não lavraria ocorrência, Dorcas foi, com Glaucia, para a Congregacional, lá para adiante ela volta com um político que a viúva do pr Gerson Costa conhecia, o camarada argumentou com o delega, "puxa, o garoto com 19 anos, com o pai, indo para a igreja", e o delega "sim, mas se eu libero e eles vêm, como que eu fico: passamos um rádio para eles".
Para encurtar, o delegado nos liberou, após toda a manhã perdida e, ao sair da cidade preferida de Machado de Assis, Cid dirigindo, é claro, cruzamos com os Federais da azulado-amarelada viatura. Ainda achei que ia ouvir uma sirene ligada atrás da gente. Mas sou alarmista mesmo.
Que sufoco. E ainda fiz um voto com Deus de nunca mais pegar no carro sem carteira. Acho que cumpri, metade, porque cheguei a treinar, mas não na estrada, e sim no campo de cima lá no sítio do Ari. Acho que não vai dar enquadramento no juízo final. Menos um pecado a inventariar.
Grande primo, sempre um prazer ler suas memórias.
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