Poeta haikai
Paulo Leminsk mediador
Bashô professor
Quero trazer à memória o que pode me dar esperança
Frustrações. A primeira impressão que esta frase pode transmitir é essa. Pois é isso mesmo. Foi proferida por um profeta, Jeremias, e queria dizer, à época em que foi dita, exatamente isso mesmo: frustração. O profeta, num certo sentido, tem ou experimenta frustrações.
No caso de Jeremias, quando começou a perceber que suas pregações e seu ministério não evitariam a maior catástrofe que seu povo haveria de enfrentar, que era o Êxodo ao inverso. O êxodo do Egito foi a experiência fundadora de Israel, o povo de Jeremias. Agora, no tempo do profeta, ocorreria o inverso.
Israel, ou o que restava dele, porque Jeremias mesmo lê Oseias e sabe que Israel do Norte já não mais existe. A idolatria o destruiu. Mas o Israel do Sul, assim denominado Judá, segue o mesmo caminho da irmã do Norte. Jeremias afirma que nunca viu nada igual, qual seja, povos que eram mais fiéis a seus ídolos, posto que não eram deuses, enquanto que Israel não era fiel ao seu Deus.
A irmã do Sul se prostituía da mesma forma que a irmã do Norte. Essa imagem das duas prostitutas é recorrente: Ezequiel, outro profeta de exílio, este em Babilônia, Jeremias em Jerusalém, Deus cerca pelos dois lados para deixar o recado de verdade, em meio a tantos profetas profissionais. Mudou pouco, tantos são os profetas profissionais hoje em dia, não é mesmo?
Profeta é um mediador. Deus somente fala por meio de homens/mulheres a quem denomina profetas. E a memória do profeta lhe permite registrar visões, as visões que Deus lhe concede. Profeta é aquele mediador das visões que Deus lhe concede.
O que angustia o profeta, e é esse o tema das chamadas Confissões de Jeremias, é a distância entre as visões de Deus e a realidade que ele, profeta, enxerga. O profeta deseja uma aproximação entre a realidade e as visões que recebe de Deus. E ainda tem de lidar com suas próprias limitações. O profeta é homem/mulher, com todas as suas imperfeições.
É por isso que existe uma fase na vida do profeta, aliás, sem falsa modéstia ou hipocrisia rasgada, em que, pelo menos os verdadeiros, desejam fugir. Quando enxergam a dimensão do que significa ser profeta, por razões que até podem variar, de profeta a profeta, desejam vazar, como diz a gíria, simplesmente, fugir.
Só para citar alguns, Moisés, não queria assumir seu ministério. Jonas, não queria sentir amor pelos assírios. Elias, que enfrentou quase 1.000 homens, entre falsos profetas e sacerdotes de Baal, tremeu diante de uma única rainha, escondeu-se numa caverna e pediu a morte. Isso é uma fuga total, semelhante à de Jonas. Isaías, como Paulo, achava que era o mais pecador entre os homens e o próprio Jeremias dizia que não passava de uma criança.
Quase dá para ouvir o tom de reprimenda do Altíssimo com Jeremias, parecendo pirraça de menino mesmo, e o tom de reprimenda de Pai: "Não digas 'não passo de uma criança'". Na'ar, era a palavra que Jeremias usava, não propriamente uma criança, em termos de faixa etária real, mas uma criança fora de tempo, era mesmo uma desculpa para não assumir a tarefa de profeta.
Memória do profeta é aquilo que Deus o fez enxergar e que, definitivamente o compromete com a sua vocação, com o chamado de Deus: não dá para fugir, anymore. E, depois do Pentecoste, segundo, muito sábia e propriamente Pedro ressaltou, citando Joel, depois do derramamento do Espírito, profecia, visões e sonhos é para todos. Como está lá escrito, jovens, velhos, velhas, meninos, meninas, isso mesmo, Jeremias, nem por ser ou por considerar-se criança vai deixar de, autenticamente, da parte de Deus, ser profeta.
Memória do profeta é a distância ou a tentativa de aproximação entre a visão com que Deus supre e autentica sua vocação e a mesma e própria realidade. Ainda resta a visão que Deus tem da realidade, a visão que o profeta tem da realidade e a visão que o povo tem da realidade. Aproximar as duas (ou três) visões e, ainda, lutar contra as suas limitações, misturadas às do próprio povo, essa é a tarefa do profeta.
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