segunda-feira, 2 de março de 2015

Fase intermediária


 A fase intermediária

   Falar de memória, acabou por ativar minhas reminiscências. São, mesmo, a leitura que faço de minha experiência de vida. E assim vamos, fazendo leituras, até não mais poder, por velhice, caduquice ou, definitivamente, morte.

    A fase intermediária foi a adolescência que, no meu caso, divido em duas partes: a primeira, que talvez seja mais propriamente a pré-adolescência, foi uma fase de inocência, que eu diria, até, de uma espiritualidade nascente. A segunda, foi mais áspera, nem tão inocente assim, que eu digo que foi dos embates contra o pecado e, mais propriamente, a descoberta dele.

     Digo isso porque noções mais infantis sobre pecado, no meu caso, filho único de pastor batista e mãe congregacional, essa noção de desobediência, não falar mentiras, não falar palavrão, enfim, pecados light, digamos assim, mas que não deixam de ser fundamentais na construção do caráter desde essa tenra idade.

     A segunda fase da adolescência torna-se mais hard, dura mesmo, pela entrada da malícia que, hoje em dia, até pode chegar mais cedo, o que, infelizmente ocorre, principalmente quando se trata de crianças desassistidas ou largadas mesmo que, nesse tempo de internet e acesso fácil pela telinha dos celulares, ela, a malícia, chega mais rápido e fácil.

     Pois nessa pré-adolescência, minhas orações giraram em torno de duas experiências que tive, ambas ligadas à vida de crente, a primeira delas lá no Acampamento Ebenézer em Pedra de Guaratiba, num dos cultos noturnos, exatamente a última noite do acampamento, aquela da programada noite especial, em que esse culto é antecipado por causa do chamado banquete.

     Nessa noite, jantar mais tarde, culto antecipado, cria-se um clima, pela própria inversão da programação, assim como é aquele dia em que, desde o entardecer, os meninos, vejam bem, aqui, geração dos anos 60, convidam meninas como par oposto, uma coisa fantástica, e estamos, no meu caso, lá em 1970 ou 71, eu com 14 anos.

      Tendo cuidado, porque me perco, quando começo com reminiscências, como o assunto é oração, naquele culto houve um momento de emoção pura, por causa do apelo de consagração, memória falha a minha, não me lembro quem pregou, mas me lembro que o apelo feito levou todos à frente. aquele mundo de (pré)adolescentes, aceitando a Cristo, alguns, consagrando suas vidas, outros, abraços, confraternizações, lágrimas.

        Então, saídos dali, fomos em direção ao refeitório, o mesmo, ainda hoje, desde a década de 40, super decorado, escorregamos pelo declive, a partir da capela, ainda lá e a mesma desde essa época, como uma reformazinha aqui, outra ali, tudo era alegria. Jantamos, e coisa e tal, ficamos até mais tarde acordados, era praxe (sim, eu, de tão tímido que sempre fui, nem me lembro se tive companhia no Jantar...).  

      Despedida no dia seguinte e eu, mais tarde, refletindo cada etapa dessa noite, desconfiava mesmo daquele momento lá na Capela, até onde as lágrimas, a oração, o atendimento ao tal apelo de consagração, tudo junto, a idade, a fé que, no meu caso, estava ativa, mesmo numa cabeça ainda imatura, tudo isso me levou a orar, avaliando que tipo de experiência foi aquela, qual seria o seu prazo de validade e o que, na verdade, representava.

      Essa oração caracterizou-se por refletir essa dúvida, em meio à honestidade de sentimentos que eu desejava ter em relação ao momento vivido. Posteriormente, aconselhei-me com dona Rute Jardim, porque ela esteve presente lá na Capela, onde eu já havia conversado com ela, no ápice da emoção. Por ser ela membro de minha igreja, a Congregacional de Cascadura, trabalho originado de um grupo saído de Piedade em 1958, que passou a ser congregação da Fluminense, e o pastor Amaury Jardim, na época presbítero, juntamente com o avô de minha esposa, Jeconias Celestino dos Santos, juntamente com Manoel de Carvalho, esses três acharam o templo onde, a partir de 1960 e pelos 40 anos seguintes a igreja se hospedou.

       Minha conversa com dona Rute Jardim, em Cascadura, balizou as ideias que comecei a nutrir por esses rasgos de emoção e pinceladas de espiritualidade. No meu caso, muito particularmente, comecei a desconfiar de mim mesmo, com relação a várias outras que, porventura, viessem pela frente. Que foram poucas, somente de mais uma eu me recordo, associada à vocação, da qual eu já começava a desconfiar e dela querer fugir. Desta falarei depois (ou seja, vocação, outra oração, e da própria experiência-pura-emoção II).

      Pois considero a oração dessa fase, ligada a essa experiência do Culto da Noite do Banquete, uma vacina com relação a tudo o que, daí para a frente, em minha vida, corria o risco de representar alienação espiritual, evidentemente, correndo eu todos os riscos de ser interpretado como alguém espiritualmente frio ou, como posteriormente fui classificado, "tradicional". Sim, corri esse risco, e ainda corro, de ser acusado de ter reduzido Deus a uma personalíssima e individualíssima compreensão, mergulhado (eu) na mais pura frigidez espiritual.

      Posso dizer que, nessa fase intermediária, a oração que a representa, é essa de uma tentativa de interpretar espiritualidade, de defini-la como uma experiência regida por minha (personalíssima) racionalidade. Desconfiando de que um traço qualquer de emoção, não que eu a rejeitasse, mas sempre desejando compreendê-la, sem que um traço qualquer dela pudesse me confundir ou, até, subverter. Fase intermediária, assim a defino aqui. 14 anos de idade, anos 70, e com essas preocupações.

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