Bíblia, hinário e
revista da EBD
Parte II
Fontes da Bíblia
Agora, falar das fontes da Bíblia
torna-se mais problemático. Esbarramos na questão de que, do tempo de sua
formação até hoje, estabelecer autores e fonte das Escrituras tornou-se tarefa
que, segundo alguns, compromete ou toca sensivelmente nos fundamentos de sua credibilidade.
Tão garantida, por nossos
antepassados, como Palavra de Deus, verbal-plenariamente inspirada, vista pelo
prisma a que hoje chegam as pesquisas da história do texto, com Renascença,
Iluminismo e Racionalismo no meio do caminho, as garantias de sua inspiração e seu status de Palavra, como anteriormente
compreendido, ficam abalados, senão seriamente comprometidos.
50 anos decorridos
bastam: música e EBD
Portanto, nos recentes 50 anos passados, os
três pilares-base da fé de nossos antepassados imediatos sofreram forte impacto
e não mais têm consistência como referenciais para a geração atual. Abandono do
hinário, no início trocado por cancioneiros improvisados, chegou aos tempos de
concorrência desleal com CDs, DVDs, smartphones, internet, Mp3 e Mp4. Principal alegação: os hinos seguem marca
europeizada ou americanizada, tornando-se necessário adaptá-los ou buscar
autoria nacional que, a um só tempo, facilita a compreensão da letra, atualiza
o gênero musical e adapta a melodia a tons, altura e semitons mais compatíveis
com a capacidade e cordas vocais latino-americanas. Perda de conteúdo, às
favas. A Globo já divulga, como é mesmo? Um efeito mais recente da onda gospel:
Você adora, a gente fatura...
Quanto às
revistas de Escola Dominical, o problema não está propriamente com elas, mas com
a escola. Cores, diagramação mais sofisticada, artes, antes offset, agora
computação gráfica, busca de uma linguagem mais atual, escolha do currículo
procurando temas em maior consonância com questões contemporâneas, uma mudança
de capa, mudança de papel, autores melhor qualificados, enfim, tudo isso foi
muito válido para adaptar as revistas aos novos tempos. Mas a questão principal foi que, apesar de todo esse esforço, quem
entrou em crise foi a Escola Dominical e as revistas, mesmo atualizadas,
começaram a perder sua clientela ou utilidade.
Novas fontes
A questão das fontes bíblicas ainda
esbarrou com Julius Wellhausen (1844-1918) e sua hipótese documentária.
Ganhei, recentemente, uma Bíblia Pastoral da Editora Paulus, oferecida
pelo Pe. Massimo Lombardi, Reitor da Catedral de Rio Branco, AC. Traz uma introdução
à versão nela constante, em linguagem simplificada, detalhando a problemática
da formação do texto, a título de quem vai lançar-se a sua leitura. Veja bem,
trata-se de uma edição católica popular, para o público geral.
De modo simples e didático
tem-se acesso à teoria de Wellhausen, assumida por essa versão, definitiva e
integralmente, como modo de compreender a história de formação do Antigo
Testamento. Estão
anotadas as 6 etapas de composição de todo o AT, começando com a tradição oral
e os textos mais antigos, por volta de 1300-1200 AC, passando pelo longo
processo de fixação, inúmeras revisões e editoração, ao longo de toda a história
de Israel, até sua edição definitiva, por volta de 200-100 AC. Revolucionário! Detalhar
aqui, no escopo deste artigo, seria exaustivo. Portanto, convido os leitores a
recorrer a essa edição da Bíblia Pastoral para ver tudo mastigadinho.
Uma guinada
Para a economia desta discussão,
imagine o que seria para a geração de nossos avós compreender a que ponto nos
conduziu a teoria documentária, desde a época deles até nossa época, e que
transtornos ela causaria na cabeça daquela geração, exposta a uma breve análise
dos efeitos da lenta e gradativa aceitação dessa ferramenta de compreensão da
história dos textos bíblicos, o modo como propõe mudanças na história do Antigo
e Novo Testamentos e como afeta ou não a credibilidade dos textos bíblicos,
como era dito, ‘divinamente inspirados’.
O bordão da
moda, ‘não sabe de nada, inocente’, poderia ser aplicado à geração que nos
conduziu à fé, baseados na crença que tinham (e têm) nos textos bíblicos.
Muitos deles, ainda entre nós, dedicam-se à leitura dos textos, desconhecendo os
fundamentos do famoso método histórico-crítico de dissecação das Escrituras. Leem,
por exemplo, o Pentateuco, como inteiramente escrito por Moisés. Evidentemente
não tão distraídos que não reconheçam outra pessoa, logo no começo do
Deuteronômio, quando mencionado ‘palavras que Moisés falou a todo o Israel
dalém do Jordão’, e no final, por estar escrito ‘então subiu Moisés das
campinas de Moabe ao monte Nebo’, ou seja, para morrer ali.
“Autores”
Entendia-se que essa pessoa só poderia ser
Josué, herdeiro literário do Moisés autor de todo o Pentateuco, agora começando e encerrando a narrativa dos Discursos
de Moisés (sim, dele mesmo?). A própria Escola Dominical (ela, de novo por
aqui), ensinava que Josué escreveu Josué mas, quando se trata de narrar a morte
dele, Samuel entrou em cena, escrevendo Juízes e começou a escrever o livro que
tem seu nome, mas quando ele morreu, quem narrou a morte dele foi... Enfim, ia-se, por assim dizer,
quebrando-se um galho e pretendia-se ensinar que cada livro do AT tinha seu
autor expresso pelo nome que constava em seu cabeçalho e, caso no meio da
história esse autor morresse, entrava na sequência o autor do livro seguinte.
Mais próximo da
realidade?
Méritos para a teoria de
Wellhausen e o método-histórico crítico que, a seu tempo, pretenderam
esclarecer detalhes que a visão romântica da tradição dos textos pretendia dar
como resolvidos. Mas
é necessário filtrar as conclusões, visto terem chegado a nós de modo
fragmentário, teoria e método, espremidos na linha tênue e dogmática do trato
dado pelos Seminários ao currículo de honra neles constante. Priorizando uma abordagem
conservadora da fé, denominavam esses estudos ‘alta crítica’: encarar a Bíblia
como literatura e buscar seu Sitz im
Leben (contexto vital do texto), detonando o dogma da sua inerrância.
Os alunos
eram mantidos afastados daquela ‘alta crítica’ e perto da ‘baixa crítica’, a
única admissível de ser estudada, constituindo-se no esforço pela reconstituição
do mais exato texto bíblico, sempre verbal-plenariamente inspirado e, por isso,
intocado, preservadíssimo pela atuação inconteste do Espírito Santo, inspirador
por excelência e, obviamente, vigilante preservador de sua integridade através
das eras. Aliás, postulam os defensores
dessa teoria histórico-crítica, tentar preservar fundamentos da baixa crítica,
como integridade do texto e inspiração verbal-plenária seria, hoje, fechar os
olhos a uma correta leitura das revoluções provocadas pela (pós)modernidade.
Fundamentalismo
A revista Diálogo (fevereiro-abril de 2012) traz um comentário do professor Faustino
Teixeira, Doutor em Teologia e professor do Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Religião em Juiz de Fora, MG: ‘O
fenômeno do fundamentalismo religioso’ seria uma reação ou bater-se contra
a ‘condição de incerteza permanente
provocada pelos ventos plurais’, também contra ‘a disseminação de ideias, ventos modernos do Renascimento, Iluminismo
e ‘Século das Luzes’ os quais
‘provocam desorientação em muitas pessoas e comunidades, que sentem perder o
chão conhecido da tradição, que lhes proporciona firmeza e segurança’. E
continua: “o fenômeno do fundamentalismo
implica a ideia de uma ‘tradição sitiada’, de uma identidade ameaçada [...]
rejeitar qualquer engajamento dialogal com a modernidade e buscar-se reconstituir
um ‘mundo curado’, livre de surpresas.”
Excelente e muito lúcida apreciação sobre o fundamentalismo e o modo como bloqueia a visão de muitos. Resta saber a que se aplica essa definição, pois há de ser feita uma mediação, para saber o que são 'marcos antigos', como diz Provérbios, portanto, irremovíveis, o que caduca e, portanto, novamente, necessita ser removido e, finalmente, sobre o que não se pode afirmar nada, porque nem a ciência reina soberana no contexto. A questão dos milagres, por exemplo, ou se acredita que o Deus Criador do Universo pode, na hora que desejar, alterar o que fez, de trás para a frente, de frente para trás e ao avesso, ou Deus está engessado. E, engessar Deus, é fundamentalismo também.
Excelente e muito lúcida apreciação sobre o fundamentalismo e o modo como bloqueia a visão de muitos. Resta saber a que se aplica essa definição, pois há de ser feita uma mediação, para saber o que são 'marcos antigos', como diz Provérbios, portanto, irremovíveis, o que caduca e, portanto, novamente, necessita ser removido e, finalmente, sobre o que não se pode afirmar nada, porque nem a ciência reina soberana no contexto. A questão dos milagres, por exemplo, ou se acredita que o Deus Criador do Universo pode, na hora que desejar, alterar o que fez, de trás para a frente, de frente para trás e ao avesso, ou Deus está engessado. E, engessar Deus, é fundamentalismo também.
Dilema diante dos olhos
As
lentes do método histórico-crítico mexem, sim, com a credibilidade do texto
bíblico, avançando pela Bíblia afora, Antigo e Novo Testamento, questionando
não somente a autoria dos livros, mas também a historicidade dos fatos
narrados. Reconhecemos que as narrativas bíblicas misturam história e visão
de fé e, pelos critérios modernos de historicidade, fatos narrados, locais
mencionados, datas especificadas, personagens mencionados estariam sujeitos a
critérios mais exatos de confirmação.
O
problema é que, aberta a temporada de caça, as regras de confirmação desses
fatos pulverizam-se e, para só mencionar o Antigo Testamento, detonam-se
personagens como Abraão, duvida-se até de que tenha sido uma personagem
histórica, incluídos, é claro, seu filho e netos, e bisnetos, enfim. Desconhecer,
pelo menos em linhas gerais, essa teoria, é enorme descuido, porque tais ideias
já chegaram até as bancas de jornal, em páginas de revistas como, Superinteressante, Galileu ou Mundo Estranho.
Milagres no Novo
Testamento
No Novo Testamento, a
autenticidade dos milagres de Jesus também é questionada, na troca de seu
hipotético valor histórico, por um valor simbólico, meramente teológico ou
doutrinário.
Deixando de lado, por hora, a questão da autoria dos livros do NT, citamos o
autor de O que é milagre na Bíblia, Alfons Weiser, 1978: “Não se tem certeza de que Jesus tenha feito
Lázaro sair do sepulcro. Isto não é impossível, contudo é improvável, com base
no julgamento acerca de outros relatos de ressurreição e na composição
teológica da narrativa de Jo 11. O que se sabe com certeza - se bem com outra
maneira de argumentar - é que Jesus ressurgiu dos mortos e que foi constituído Senhor da vida e
da morte, e que a fé em Jesus nos conduz a vida. É unicamente isto que todas as
narrativas do Novo Testamento nos querem comunicar. É aqui que elas pretendem
estar certas e exprimir a verdade.”
Ufa! Ainda bem que há uma ressalva sobre a própria ressurreição de Jesus. Mas todo esse livro citado põe em dúvida os demais relatos dos demais milagres. Sempre fazendo prevalecer a falta de critérios inegáveis de comprovação desses mesmos milagres. Vez por outra, a ciência é mencionada como quem não pode garantir que tais milagres possam ter ocorrido. Mais uma vez estamos diante da possibilidade de Deus realizar ou não tais milagres. E, caso seja possível que o faça ou, ainda, na suposição que os tenha mesmo realizado, caberá, agora sim, evoque-se a ciência para que descubra como foram feitos. Eu fico com a possibilidade, ou melhor, com a certeza de que foram realizados e na expectativa de que a ciência descubra como Deus os fez, ou como os realizou, ou como os criou.
Ufa! Ainda bem que há uma ressalva sobre a própria ressurreição de Jesus. Mas todo esse livro citado põe em dúvida os demais relatos dos demais milagres. Sempre fazendo prevalecer a falta de critérios inegáveis de comprovação desses mesmos milagres. Vez por outra, a ciência é mencionada como quem não pode garantir que tais milagres possam ter ocorrido. Mais uma vez estamos diante da possibilidade de Deus realizar ou não tais milagres. E, caso seja possível que o faça ou, ainda, na suposição que os tenha mesmo realizado, caberá, agora sim, evoque-se a ciência para que descubra como foram feitos. Eu fico com a possibilidade, ou melhor, com a certeza de que foram realizados e na expectativa de que a ciência descubra como Deus os fez, ou como os realizou, ou como os criou.
De novo as fontes
Tomando como parâmetro a geração passada,
dá para refletir sobre o impacto das mudanças de paradigmas nesses, pelo menos,
últimos 50 anos, levando em conta que tudo isso chegou à pauta dos seminários
conservadores no Brasil com, pelo menos, quase 100 anos de atraso. De
qualquer modo, fica comprovado como, levando em conta a discussão das fontes e a
pesquisa histórica, a coisa se complica com relação ao texto bíblico, porém também afetará, indiretamente, o que segue escrito nas revistas da EBD e, remotamente, o conteúdo do hinário evangélico, isso porque é justamente este, o
texto bíblico, o responsável pela legitimação, em última instância, de si
próprio, assim como do que vai escrito nas revistas de EBD e do conteúdo e
mensagem do hinário ou dos ‘salmos, e hinos e cânticos espirituais’ que são
cantados por aí, movimento gospel afora.
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