terça-feira, 7 de outubro de 2014

Dodekaprofeton

Dodekaprofeton - Os doze profetas
      
      Curiosíssimo. Algum editor antigo e anônimo resolveu editar esses 12 livrinhos, reunindo-os num só volume. Só as razões por que se lançou a essa tarefa devem instigar-nos a conhecer seu conteúdo. Não se sabe, ao certo, a data precisa da edição, mas mão ou mãos deram um retoque final e mandaram ver essa pequena coleção.

     Assim, quando lemos poucas informações, muitas vezes só o nome do profeta (Obadias 1, Habacuque 1:1 e Malaquias 1:1), outras vezes só o adicional do nome de quem ele era filho (Joel 1:1 e Jonas 1:1), e ainda, por vezes, o nome da cidade natal (Naum 1:1), acrescido ou não se sua profissão anterior ao chamado (Amós 1:1), e ainda o período de sua atuação (Oséias 1:1, Miquéias 1:1, Sofonias 1:1, Ageu 1:1 e Zacarias 1:1), todos esses dados nos estimulam a reconhecer as razões por que o(s) editor(es) resolveram que era relevante estimular leitores a conhecer seu conteúdo.

     Aí, acima, estão os nomes desses heróis. Agora resta familiarizarmo-nos com detalhes que aparecem na linguagem de seus escritos. A leitura atenta, em si, já predispõe para o exercício da interpretação e ainda existe um exercício de leitura paralela: dicionários bíblicos, comentários e análises desses livros, que vão ajudar no destaque devido a essa literatura especial e seus aspectos particulares, somente percebidos numa leitura atenta.

    Mas o leitor não deve aprender a depender de modo direto da literatura de apoio, porém prender-se à leitura bíblica do texto de cada livro, estabelecer seu modelo de memorização e compreensão dos textos, somente para, então, demarcadas as dúvidas, recorrer a esses dispositivos para sanar essas mesmas dúvidas.

     Em linhas gerais é necessário reconhecer o período geral da profecia desse ciclo de 12 profetas, sabendo, de antemão, que todos se inscrevem num quadro de ocupação da Palestina da época por impérios deslocados a partir da Mesopotâmia, e que a terra prometida se subdividia em dois reinos judaicos: Judá, ao sul, e Israel, ao norte.

     Esse era o quadro político geral, um detalhe reconhecido por eles como, em si, recurso disciplinar de Deus que, histórica e geopoliticamente falando, permitia que a terra, uma vez dada a seu povo exclusivo como herança, fosse ocupada por estrangeiros que, em duas brutais ocasiões, uma pior do que outra, chegaram a levar cativos, para a Mesopotâmia, judeus do norte e judeus do sul.

     Assim, do século VIII ao século VI a. C., ambos antes de Cristo (a. C.), nesse período de três séculos, assírios, babilônicos e persas ocuparam, sistemática e seguidamente a Palestina, varrendo-a de norte a sul: assírios levaram cativos os habitantes do norte, Israel, em 722 a. C., babilônios levaram cativos os habitantes do sul, em 587 a. C. e, em 536 a. C., os exilados foram liberados pelos persas para retornar, em três levas, sob Zorobabel, Neemias e Esdras, à terra natal.

    Desse modo, podemos situar esses 12 profetas no tempo: Oseias, Amós, Miqueias e Jonas, no século VIII; Naum, Habacuque, Obadias e Sofonias, no século VII; Ageu e Zacarias, no século VI; e Malaquias, no século V. Joel é, dentre eles, o mais difícil de localizar no tempo.

    Um dado geral também é ressaltar que todos os profetas lidavam com a dificuldade do povo escapar da cultura religiosa comum a todos os seus vizinhos, que afetava Israel e Judá com tremenda força, que era a idolatria. Esse foi o principal esforço desses gigantes, os profetas: denunciar e lutar, muitas vezes ingloriamente, contra o costume entre israelenses, norte, e judaítas, sul, de seguir a religião dos vizinhos.

    Era muito difícil separar religião e vida prática visto que, no oriente (ainda hoje) as duas estão intrincada, estranha e entranhadamente, para quem é ocidental, unidas. Nas relações diplomáticas, no comércio, nas relações humanas entre vizinhos, muitas vezes tão perto um do outro como do outro lado do rio, o povo de Deus, assim reconhecido, permitia-se misturar com o culto, festas, tradições e modelos de sacrifício dos seus vizinhos.

    Luta inglória dos profetas. Vamos ver, nos textos, a radiografia desse esforço, os resultados da idolatria na vida do dia a dia do povo, o uso desse expediente por meio dos sacerdotes corruptos, dos profetas cooptados e manipulados pelo ganho dos reis, além de juízes desse mesmo time.

     Muitas vezes, sozinhos, enfrentavam toda a resistência, colocando até a própria vida em risco, com eco positivo na vida de uma anônima minoria que se matinha fiel ao Deus em quem os profetas professavam crer, autenticamente chamados àquele ministério.

    Vale a pena ler esses textos e atualizar sua linguagem, exercício de interpretação, contextualização e divulgação, para fazer valer hoje o que disseram há cerca de 2750 anos. Vamos aos textos.
  O estudo da Bíblia.
     Creio que, pelo menos para os herdeiros da Reforma, que muito breve completará 500 anos, em 31 de outubro de 2017, é ponto comum ter a Bíblia como referência para o que nos foi concedido, por meio da palavra, conhecer a respeito de Deus. Trata-se do sola escriptura de Lutero.
     Não somente conhecer, no comum dos termos, mas estudar. Qualquer curso de seminário comum, pelo menos os sérios, estabelece que o estudante terá a seu alcance exegese, hermenêutica e homilética. Que, no rasteiro, significa dizer que o estudante terá como interpretar, contextualizar e divulgar a mensagem do texto bíblico.
     E, caso seja dos mais aplicados, ainda poderá, com recursos a seu alcance, por meio de referência bibliográfica e, mais atualmente ainda, por meio da internet, aprender as línguas originais, grego, para o Novo Testamento, hebraico, para o Antigo Testamento, para, desse modo, honrar sua exegese com leitura, métodos e interpretação a partir das línguas originais.
     Mas mesmo que assim não proceda, as versões atualizadas das Escrituras, sejam elas confessionais ou ecumênicas, de leitura atualizada ou até mesmo, para efeito de pesquisa, paráfrases do texto original, servem como auxílio para um estudo aplicado, um estudo de qualidade. Não é necessário aprender grego e hebraico para traduzir o texto original: não se preocupe, já fizeram isso para vocês.
    Por que interessa estudar a Bíblia. Livro que já teve, no passado, um cartaz muito maior, entre os chamados evangélicos, do que hoje em dia. Havia até um lugar específico, chamado escola, que era priorizada para seu estudo, a outrora assim denominada ‘Escola Dominical’, atualmente quase extinta.
    Estudo da Bíblia, vou definir como a capacidade que alguém pode adquirir, ou melhor, caso queira classificar-se como ‘crente’ (sem adjetivos), é ponto de honra exercitar-se para construir modelos de compreensão dos livros da Bíblia, 66 ao todo, 39 no Antigo e 27 no Novo Testamento, falando-se aqui da ótica protestante de visão do cânon.
      Digo construir modelos de compreensão, para consumo próprio e para divulgação da palavra da Bíblia, porque ela mesma diz isso, que é necessário nela meditar dia e noite, cumprir o que vai escrito e divulgar como padrão de aceitação e imitação de seus conceitos, de suas verdades, de sua mensagem. E isso já é uma interpretação, pelo menos presente na comparação que pode ser feita entre o diálogo de Deus com Josué, no capítulo 1:1-8 desse mesmo livro, comparado ao capítulo 1 do livro dos Salmos.
   Isso para consumo, pelo menos esta associação entre essas duas unidades de texto para estimular a aceitação desse conceito de que Bíblia só existe e só serve se for para ser apreendida em meditação diuturna, prática de seus conceitos e divulgação dos mesmos para modelo de conduta. Isso mesmo: foi escrita para fazer a cabeça da moçada.
    Pois meu pretensioso objetivo é propor a construção de modelos de estudo dos Profetas Menores, que são 12, tanto na edição protestante quanto nas edições ecumênicas, e, na hebraica, estão reunidos num volume só, o chamado Dodekaprofeton que, em grego refere-se a ’12 profetas’.

     Trata-se de um estímulo a que os próprios leitores construam para si modelos de compreensão desses livros, atualizando sua mensagem para os ouvintes de hoje. Crentes, sem adjetivos. Vamos à tarefa.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Vi um louco hoje pela manhã vagando pelas ruas

  Na verdade, vi uma louca hoje pela manhã vagando pelas ruas. Vestia-se maltrapilhamente, assim, talvez, fosse avaliado. Camiseta amarela, meio manchada, mas, também, vi-a num relance, cruzei com ela duas vezes, pois arrodeei na quadra para deixar a família no Colégio.
  Vi-a duas vezes, na primeira, na esquina, ainda sobre a calçada, magricela, aparentando, certamente, mais idade do que, na verdade, tinha, falando consigo mesma. Não balbuciava ou fazia movimentos com os lábios, apenas movimentava em meios círculos a cabeça, raciocinando algo consigo mesma.
   Ah, sim, bermudas, quase um short, mesmo, meio amarronzado, descalça, dei a volta na quadra, deixei a família no Colégio, segui só com meu menino, dei com ela, agora atravessando a rua, passei por ela e comentei com ele o que me ocorreu: "Louca. Isaías diz que nem eles errarão o caminho".
    De oitiva, lembrei-me do texto de Isaías. Afinal, há loucuras maiores do que outras loucuras. A alienação dos loucos os livra de outras loucuras, essas sim, espreitam todos aqueles que fazem uso da razão e muito provavelmente nem diagnóstico de loucos apresentem.
   Esses têm, pelo menos, duas opções, ficar com sua rotina encadeada de raciocínios para seu gasto, sem demonstrar nenhum sintoma de loucura, socialmente aceitos ou, pelo menos, apenas com as neuroses de plantão, aquelas que todos temos, de que todos fazemos uso, pegadas a nós como manchas, nódoas de que não nos vemos livres. Não são loucos, mas erram em não enxergar o caminho ou seguir seu rumo como quem não enxerga ou como se não enxergassem mesmo.
   E os loucos, assim identificados, claramente, até mesmo por leigos, como eu, que nada sei nem de psicologia e nem mesmo de minhas neuroses (ou de minhas loucuras), esses loucos têm sua absolvição, porque seguem seu rumo, ensimesmados, essa, por exemplo, vagava por ali, pelas cercanias da escola, talvez conhecida até mesmo dos alunos, porém inofensiva.
   Caso não cause maiores problemas, não incomode o sossego sagrado dos sãos, não mexerão com ela, seguirá seu rumo, falando consigo mesma. Livre. Mas loucura mesmo é quando se tem, pelo menos, dois rumos a seguir, pelo uso da razão, pelo tino em dia, e se escolhe (ou não se escolhe) aquele rumo entre todos os outros o mais lógico e racional. Segue-se como que sem rumo ou desconhecendo o caminho a seguir.
   Acho que é nesse sentido que Isaías adverte que há um caminho, há um rumo tão óbvio de escolha que nem os loucos errarão esse caminho. Que caminho, afinal, é esse? A qual caminho se referia o profeta? Advertia que aqueles que têm, ou assim pensam que têm, preservada sua razão, seu tino, sua lucidez de escolha em meio aos rumos da vida, não devem desprezar essa escolha, visto que nem mesmo os loucos deixarão de fazê-la. Que caminho será esse? Só mesmo indo ao texto do profeta e conferindo o contexto.
  Fico por aqui, com a imagem da louca, já se esvaecendo, mesmo porque tenho que produzir, outra neurose, no ambiente de trabalho e não ficar lucubrando loucuras. Mas a imagem da louca, da loucura dela e da loucura como opção ficou comigo nesta manhã. E fiquei pensando na loucura de quem não é louco, mas despreza a escolha do caminho de que nem os loucos errarão, ou serão acusados de ter errado, ao fazer ou deixar de fazer sua escolha.

                                                                 Cid Mauro Oliveira.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Aforismos 1

            Pensando sobre a existência de Deus ou mais propriamente se o que escreveram na Bíblia merece crédito. O fato é que o Deus que ali vem expresso tomou algumas atitudes bem interessantes e próximas e perto do homem que o Livro diz ter Ele criado.

             A primeira delas, é que é dito que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Ora, em outros trechos do Livro, está escrito que o rosto de Deus ninguém jamais viu. Logo, imagem e semelhança não significa imagem fisionômica.

           Mas o que vai mesmo se especular aqui não é o tipo de imagem e semelhança a que o texto se refere, senão que é mencionado que o modelo que Deus escolheu com parecença ou matriz para forjar o ser humano foi Ele mesmo.

            Lá adiante, nas páginas do mesmo Livro, vai se dizer que Deus se fez homem. Na linguagem do Evangelista João, que se atreveu a voar assim tão alto, ele diz que o Verbo se fez carne e habitou, tabernaculou, diz uma versão antiga da Bíblia, entre nós. Deus quis morar em tendas, acampado improvisadamente, desde uma manjedoura, entre nós.

              Depois de identificar a expressão Verbo, logos, no grego, com o próprio Deus, João diz que esse Deus se fez carne. Está aí de novo a busca, por Deus, de uma identidade ou identificação humana, pelo que a Bíblia descreve.

           Se cairmos na cilada de que o Deus da Bíblia é uma invenção humana, resultado de esmerada ginástica literária, nau em que muitos autores embarcaram, a ponto de formarem o mosaico que é o texto bíblico, então somente teremos que elogiar essa turma, pela projeção de raciocínio que faz ao longo do Livro, desenhando esse arco, que começa lá no inatingível céu onde habita o Criador para, posteriormente, fazê-lo chegar ao mundo que criou, tornando-se homem, desta feita à imagem e semelhança da Sua própria criatura.

            Não deixa de ser uma história muito interessante, mesmo que inventada, traços de genialidade. Então Deus, que foi-é-sempre-será, e nunca deixará de ser, criou o homem. Então o homem resolveu deixar de ser, mesmo porque, caso essa criatura quisesse, essa poderia ser uma opção dela.

           Uma vez o homem deixando de ser, Deus veio em socorro dele, Ele mesmo fez-se homem, à imagem e semelhança de Si mesmo, e, como homem, nunca deixou de ser ou de sê-lo. Deus poderia tudo ou até qualquer coisa admitir, mas jamais que o homem decidisse deixar de ser.

            Uma vez assim decidido, haveria divórcio inconciliável entre Deus e sua criatura. Para isso e por isso Deus veio depressa, hurry, hurry, ao encontro do homem, a fim de convencê-lo de que, agora deixando de ser, pudesse recuperar sua existência original, homem, sim, feito livre, porém com identidade à imagem e semelhança de Deus.

           Mas o homem decidiu que desejava decidir até mesmo se queria ser a imagem e semelhança de Deus e, caso não quisesse, não seria, ou seja, não voltaria a ser, escolheria morrer. E a morte do homem não foi imediata, mas foi paulatina, um morrer progressivo, sintomático, verificável, que transparecia, patente e latente, ao longo de sua existência.

          E mataram o Homem que Deus decidiu ser. O que significa dizer que o homem radicalizou sua escolha, definitivamente, com esse gesto, decidiu não ser, ele mesmo, além de, implicitamente, decidir não ser à imagem e semelhança de Deus, decidiu matar Deus. Isso mesmo, Deus está morto. Acho que pensou, definitivamente, acabar com essa pretensão de Deus, qual seja, de ser e ainda querer que o homem, definitivamente, também fosse. Liberdade. O homem chamou isso de liberdade.

          O homem quis a liberdade até para não ser à imagem e semelhança de Deus. Para não ter Deus colado no seu pé.  Para o homem, ser à imagem e semelhança de Deus constituiu-se numa prisão da qual quis ser liberto. Deus escolheu a Si para ser modelo para o homem e, adiante, Deus escolheu o homem para ser modelo para Si. Mas o homem, definitivamente, escolheu não querer para si Deus como modelo.

           Deus não se conformou com essa escolha, evidentemente, por isso escolheu Ele mesmo ser homem e, desse modo, ficou instaurada profunda divisão, cisão, rachadura mesmo no seio da humanidade, entre os homens que desejam ter de volta a condição original, ver em si mesmos imagem e semelhança com o Altíssimo, e aqueles que, absolutamente, não desejam isso.

           Seguirão divorciados de Deus, por não se submeterem a Ele, ao Seu modelo. Afinal, se Deus abrisse mão dessa exigência, que parece, para uns, tão singela, mas, para outros, tão mesquinha, qual seja, de querer ter para Si o homem à sua imagem e semelhança, Ele mesmo deixaria de ser Deus, tal e qual seja o comprometimento dEle com a criatura de Seu amor, que somos nós, os homens (e as mulheres, é claro, falamos aqui de humanidade).

           Uma vez escolhendo ser, de novo, imagem e semelhança de Deus, soavam estranhas uma série de coisas que, anteriormente, antes do homem decidir deixar de ser, eram naturais no modo humano de ser. Então, pareceram exigências descabidas de Deus, normas absurdas ou mesmo que roubavam a liberdade de ser do homem. Foi mesmo necessária toda uma reeducação, para a qual muitos, ainda, no meio do caminho, resolviam abandonar a empreitada.

             Empenho de Deus. Quis e fez homem e e mulher à sua imagem e semelhança. Quando se tornou necessário, porque homem e mulher se perderam, no meio do caminho, Ele, então, se fez homem. E a maior prova de que o homem (e as mulheres também) desejaram mais não mais ser do que desejar ser, foi que assassinaram o Homem que Deus se fez.

               Mas, inesperadamente, esse Homem ressuscitou, porque Jesus, o nome dele, nunca quis deixar de ser e nem deixar de ser à imagem e semelhança de seu Pai. Uma vez ele mesmo disse, que um filho nada faz de si mesmo, senão somente aquilo que vê o Pai fazer. E ele imitou, em tudo, o Pai. Só morrem os que desejaram deixar de ser e mostram isso, de uma vez só, com sua escolha e com as demais escolhas da vida.

             Na verdade, esses se tornam prisioneiros de suas escolhas. Liberdade é não ser prisioneiro das escolhas que se faz. Mas houve quem chorou quando viu Cristo morto. Porque julgaram ser o fim de tudo. Mas Jesus não poderia ficar morto, assassinado pelos que não queriam  mais ser. Então Deus o trouxe, de novo, à existência, e nisso não houve trapaça, porque o que prende à morte é o não ser, é a opção por não ser à imagem e semelhança de Deus, e isso Jesus nunca deixou de ser.

              A partir de então, todos os que choram, arrependidos, sinceramente desejando ser e chorando porque reconhecem que haviam optado deixar de ser, Deus decide que serão refeitos, criados em Cristo Jesus, de novo, restaurados à sua imagem e semelhança. Esses deixam Deus operar em sua vontade e suas escolhas passam a ser segundo o modelo de Deus. E não mais se sentem prisioneiros de suas escolhas. E quem não é prisioneiro de suas escolhas, é livre.

                                                                      Cid Mauro Araujo de Oliveira.

      

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Profeta Jonas

                                              Profeta Jonas
      
        19 de agosto de 2014. Há exatos 159 anos, nesse dia, a esposa do médico e pastor escocês Robert Kalley, D. Sara Kalley, a mulher por detrás do homem, começava uma escola dominical em sua casa, Gerheim - "Lar muito amado" - em Petrópolis, RJ. Nossa família, aqui em casa, 19/08/2014, reuniu-se para ler no livro do profeta Jonas, isso porque foi essa a primeira história bíblica contada por D. Sara, para um grupo de 5 crianças, na Escola Dominical nascente.

       Ora, ora, ora, que ironia, pois vivemos tempos em que Bíblia e Escola Dominical estão muito mal cotados, junto com a onda pós-moderna, considerados ultrapassados, a Escola e o Livro. Corre-se o risco de ser considerado fundamentalista que não se sintoniza com a nova visão hermenêutico-exegética do Livro e radicalmente ultrapassado quem postula virtudes para a decadente Escola Dominical. Aliás, basta mencionar a palavra 'escola', para que uma carga negativa paire sobre cabeças (não)pensantes.

       E olha só, dupla ironia, agora, porque logo com relação à história de Jonas, com aquela onda, e que onda!, do peixe, caramba, se você admite que tudo foi histórico, que houve viagem a Tarsis, navio que saía de Jope e, principal e  precipuamente, peixe que engoliu profeta, lascou-se, você é, certamente (mais um) fundamentalista. Patrulhamento de plantão, alô, alô-ô, acorda, estamos pós-século das luzes.

       Lembrei-me de Jack Miles, Deus, uma biografia, que sugeriu que alguém que escrevesse Bíblia, caso dos textos chegados até nós, e fosse uma fraude como autor, seria um gênio, que passou oculto pela história, fazendo com que todos que leram essas histórias entendendo-as como literais, tenham sido ludibriados, de muito boa fé, mas não entenderam como convinha que se entendesse.

       Pois aqui em casa recordamos  a história de Jonas, lendo 1:1-3, para orarmos pela UIECB, a qual consideramos um grupo herdeiro dessa escola dominical de 159 anos atrás, Denominação da qual fazemos parte, como Congregação que aqui em casa se reúne, vinculados como membros à centenária Igreja Evangélica Fluminense, a primeira fundada pelo Dr. Kalley, vamos assim chamá-lo, em julho de 1858 e que acaba por ser a primeira do Brasil inteiro.

       Consideramos, em nossa meditação em grupo, que Jonas, premeditadamente, fugiu, como vai esclarecer, posteriormente, no seu diálogo com Deus, porque avaliou, diante do chamado e tratando-se do Altíssimo que, se houvesse arrependimento em Nínive, Deus não exterminaria os odiáveis ninivitas. E ele, Jonas, particularmente, odiava os odiáveis ninivitas que, por sua vez, odiavam todo mundo e vinham demonstrando, na prática, essa sua (deles) postura.

         Comentamos em família que, geralmente, os profetas autênticos, avaliando o que significa ser investido por Deus de qualquer responsabilidade, assustam-se e desejam fugir ao chamado, como ocorreu com Moisés, hospedado na estalagem e teimando com Deus, nos limites de Sua divina paciência (Êxodo 4:24-25). Posteriormente Isaías, que tremeu ao constatar que não poderia ser incumbido dessa responsabilidade, por causa de seus antecedentes e cumplicidade (Isaías 6:5) especificamente com o povo a quem haveria de proclamar a mensagem (Isaías 6:9-10), ao inverso, de conversão, quando pareceu que o Altíssimo não desejava isso. Lembramos, aqui, de Atos 16:6-9, quando pareceu que o Espírito Santo não desejava que os missionários anunciassem o Reino.

            E o que dizer de Amós, contemporâneo de Isaías, que, no diálogo com o profeta profissional Amazias (Amós 7:14-15), admite que não é profeta por opção sua, vaidade ou oportunismo, mas por autêntica vocação. Demonstra que não correu atrás dessa investidura, ao contrário, nunca a haveria de experimentar, se não fosse o caso de ter confirmado, para si, o chamado de Deus. Mais uma vez o jogo de aceitação-rejeição pelo qual passam os autenticamente vocacionados. Não que seja somente covardia ou medo, mas pesa o peso da responsabilidade.

        E sobre Jeremias, mais de 100 anos depois desses dois, também afetado pela síndrome da rejeição de chamado divino, quis argumentar, no contexto de seu próprio chamado, que era por demais tenro, imaturo, jovem, nahar (Jeremias 1:6), no hebraico, pura desculpa, diante da qual Deus o repreende com veemência (Jeremias 1:7), "Não digas 'não passo de uma criança', porque a todos a quem eu te enviar, irás, e tudo quanto eu te mandar, falarás". E não adiantava contra-argumentar que era timidez ou gagueira, como dizia Moisés, porque se preciso fosse ele seria mais um cara-dura, como foi  com Ezequiel (Ezequiel 3:9).

            Em nosso culto doméstico paramos nessas observações, quanto a esses quatro profetas, para compará-los a Jonas, mas destacamos, também, que Jonas foi mais longe: ele não se converteu, ele não apenas titubeou, por causa do tamanho da responsabilidade, mas ele foi adiante, como diz o texto, Dispôs-se, sim, mas para fugir (definitiva e decididamente) da presença do Senhor. Jonas levou longe demais, mais longe do que os colegas aqui citados, essa sintomática loucura toda.

            Jonas cobriu etapas que poderia ter cancelado a qualquer momento, arcando com todo o prejuízo, como o profeta anônimo, homem de Deus, sugeriu a Amazias (2 Crônicas 25:9). Mas Jonas não abortou, legitimamente, sua missão ao inverso. Cumpriu todas as etapas: (1) desceu a Jope, (2) procurou - e achou - o navio para Tarsis, (3) pagou o preço da passagem, (4) embarcou, enfim, poderia ter, a qualquer momento, convertido-se ao Senhor, e morrer no prejuízo do preço pago. Mas foi criança igual ao casal primordial (Gênesis 3:8), ridículos, pensando poder esconder-se por entre as árvores do Jardim. O pecado nos ridiculariza. E Jonas pensou que, no porão do navio, estaria longe, longe, longe da presença do Altíssimo.

           Jonas teimava consigo que poderia fugir da presença do Senhor, isolando-se naquele porão, perdia sua identidade. Afundou-se na sua depressão, nem nela ou dela se foge da presença do Senhor. Pensou em suicidar-se. Tornou-se pior do que aqueles que não têm para quem orar (Jonas 1:5-6), porque os que não sabiam orar ao único Deus a quem se pode orar, pediam a Jonas que invocasse o Deus de quem tentava fugir. Continuava ridículo, porque mesmo os que não tinham um Deus a quem orar, tinham seu desespero e sua muda súplica, tinham por que orar - quem sabe Deus deixa após Si uma bênção (Joel 2:14) - e não estavam mergulhados na alienação e indiferença de Jonas.
            
            E Jonas, ao ser jogado no mar, quando pensava que havia chegado ao fim e ao mais fundo, Deus tinha como fazê-lo ir além e mais dentro de si, dentro do mar, conduzir ao abismo, mas com âncora da alma, segura e firme, e que penetra além do véu (Hebreus 6:19). Até onde vai um homem que deseja seguir adiante privando-se do amor. Jonas queria ou pensava que o amor de Deus era exclusivo para si, para ele, Jonas, e jamais alcançaria os ninivitas a quem tanto odiava. Queria Deus cúmplice dele em seu ódio. Não é assim, porque quem se quer amado por Deus, terá de amar todos e quaisquer, porque é assim que Deus ama: ama ninivitas (ou nazistas), não pelo que são, mas pelo tanto que Deus espera que sejam, ainda que se neguem a ser.

             Conversão é ser lançado para dentro de si mais fundo do que alguém pensa ou avalia seja possível. Por isso que Jesus compara a experiência da conversão, o sinal de Jonas (Mateus 12:40), à experiência da morte e ressurreição em Cristo, porque é esse o mergulho (batismo) que converte (Romanos 6:3-7), que nos faz soerguer-se salvo em Cristo Jesus. Mergulhar com Cristo dentro do inferno pessoal é sair dele convertido. A experiência de Jonas é o mergulho do egoísta, que pensa que o amor de Deus é exclusividade seu. Há pessoas que pensam e vivem assim, cheios de direitos adquiridos, legitimamente religiosos, e cuidando para não tê-los contestados. Mas não experimentaram o amor, pois amor é compartilhamento,  porque nem Deus guarda para Si mesmo o amor que tem (e é o único que tem no estado real, puro e verdadeiro, aliás, Deus não tem amor: Ele é amor - 1 João 4:8). Se assim não fosse, não seria Deus. 

             Um livro como esse de Jonas tem um gênio como autor. Terá forjado a história? Fraudador genial. Terá discorrido por fatos históricos? Ora, terá sido, então, a própria sequência dos fatos que deixaram transparecer o dilema do profeta, que decidiu não retornar do medo, da fuga, e decidiu pagar para ver, ao contrário de Amazias, para checar até onde se vai com teimosia no enfrentamento com Deus. Fico com esta opção, da historicidade, sim, mas e a modernidade, a ciência da visão do 'século das luzes', o que ela tem quando joga seu foco nesse livrinho, vai me dar nota zero nesse quesito.

               Deus ou Darwin: deixa a ciência descobrir, fica ao encargo dela, como pôde o profeta respirar em regiões abissais do mar, dentro do ventre daquele peixe. Que peixe? Com a palavra, Darwin, de novo. Pelo que se sabe, ficamos mergulhados em 'água' no ventre de nossa mãe até que, na 34ª ou 35ª semana, o pulmão esteja pronto para receber o ar que respiramos. Jonas retornou, não ao ventre de sua mãe, mas entrou no ventre do peixe. Ele não esperava que fosse assim. Esperava o suicídio. Mas o mesmo Deus que realiza, em Cristo, a nossa conversão, é capaz desse outro milagre, muito mais simples e menos absurdo de compreender, que foi fazer Jonas respirar por três dias e três noites.

             Será Deus capaz de assim proceder? O Deus dos autores da Bíblia, quem sabe, seja. O Deus do século das luzes, quem sabe, não. Que Deus queremos? Mais absurdo é reconhecer o mergulho que converte o homem, para que este mesmo tenha Deus nele habitando. Este é o absurdo maior a ser ou não confirmado. No mais, o Deus que isso pode, por menos, deparou esse peixe que engoliu Jonas. O que interessa é deixar-se mergulhar com Deus, o nome disto é batismo, até onde nos conduz, para de lá sairmos, para sempre, com Ele e a Ele ligados, o nome disto é conversão, em absoluta e eterna comunhão, o nome disto é igreja.

                     Cid Mauro Oliveira e família. 


               

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Possível avivamento – Esdras 8:1-12
     
       Muito se tem falado sobre avivamento. As pessoas têm uma vaga ideia do que ele representa. Mas é suficiente para que seja desejado e sobre ele seja feita muita propaganda. Entre o povo que retornou do exílio em Babilônia, em cerca de 536 a. C., mesmo que a intenção não fosse iniciá-lo, alguns elementos apontavam para sua possibilidade.

1.      Todo o povo se ajuntou como um só homem: havia, da parte do povo, um consenso. Alguma razão havia para que se ajuntassem como um só. Toda a vez que isso ocorre e, principalmente, quando ocorre no contexto da ação do Espírito de Deus, é sintoma positivo, como em Atos 2:44, no início da vida da igreja,ou como na congregação do deserto em Êxodo 36:5-7;

2.      Pediu para que Esdras trouxesse o Livro da Lei: outro sintoma do interesse do povo e da própria receptividade para a ação do Espírito era pedir para que fosse trazido o Livro da Lei, que era a Bíblia daquela época. Não há como haver um verdadeiro avivamento sem que a Bíblia, a palavra de Deus, seja colocada em primeiro lugar. Também em Atos 2:42 a igreja experimentava ‘perseverança na doutrina dos apóstolos’, o que representa fome e sede pela palavra de Deus;

3.      Esdras trouxe o livro da Lei para todos os que eram capazes de entender o que ouviam: a Bíblia é para ser entendida, lida e explicada para todos. Outro exemplo de avivamento e diligência para o aprendizado das Escrituras foi por parte do rei Josafá, em 2 Crônicas 17:7-9, enviando os mesmos levitas para ensinar a palavra de Deus ao povo, do mesmo modo que Josué e da herança que deixou aos israelitas (Josué 23:6);

4.      Os levitas ensinavam ao povo e o povo estava no seu lugar: três coisas são fundamentais no modo como a Bíblia foi transmitida ao povo: (a) a duração; (b) a abrangência e (c) a organização. A leitura e o ensinamento durou toda uma manhã, alcançou, certamente, de crianças a idosos, passando por adolescentes, jovens e adultos, e foi feita por uma liderança, os levitas citados nominalmente, preparada e disposta a fazer setorialmente e com inteligência.

         Talvez nem se soubesse se a intenção objetiva era promover um avivamento, como hoje se pensa em fazer frequentemente. Mas o começo e as atitudes definidas certamente e naturalmente se tornaram o ponto de partida de um deles.

                         Cid Mauro Oliveira

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sobre ordenações ao ministério e sobre como deve ser lá no céu.



               
  Sobre ordenações ao ministério e sobre como deve ser lá no céu.

                   De novo utilizando a vasta liberdade de que a gente dispõe ao escrever em blog, desta vez me dedico a um texto que procura avaliar ou fazer digressões a respeito do que vai definido no próprio título, ou seja, a propósito de ordenações ao ministério bem como as coisas lá na congregação celestial. As duas fotos acima dizem respeito, isto é, ilustram o assunto, visto que nelas aparece um sujeito ajoelhado, na primeira, enquanto um outro grupo de sujeitos impõem suas mãos, num cerimonial característico de igrejas evangélicas, assim denominado "Ordenação ao Ministério". Enquanto que a outra mostra um aspecto do púlpito como se apresentava no dia, o sujeito de pé, mais à esquerda da foto, olhando para as anotações sou eu mesmo, o mesmo que se apresenta ajoelhado na foto anterior.

                   Coisas do céu, digo, porque na galeria dos pastores presentes, incluído aquele que está também olhando suas anotações ao púlpito, ao centro, entre os outros cinco pastores assentados, conheço-os todos pelo nome: Jorge Mota, ao púlpito, no centro e, sentado ao seu lado, Maurillo Neves Moreira (que foi quem batizou a mim e a minha esposa), sentado bem abaixo de mim, à esquerda, José Alves Barbosa, amigo de meu pai há anos, ao lado dele Helio Rodrigues Martins, pastor de minha prima, na Congregacional do Encantado, RJ, e os dois à direita, meu pai, Cid Gonçalves de Oliveira e, ao lado dele, estrema direita, Antonio Limeira Neto. O placar desta foto é, incluído o meu nome que, a partir dessa data aí, 2 de janeiro de 1983, passaria a ser chamado "pastor", dá 7 X 3, quero dizer, três pastores ainda estão por aqui, eu, que escrevo estas notas, Helio Martins e José Alves Barbosa, enquanto quatro já estão no céu, Jorge Mota, Maurilo, Cid e, o mais recente assim promovido, o Limeira.

                 Por isso escolhi falar dessas duas coisas (1) ordenação pastoral ou ministerial e (2) coisas da congregação lá no céu. Vamos começar por essa segunda, mesmo porque serão digressões, como já mencionei, visto que não dá para saber ou, pelo menos, estabelecer com os critérios daqui, mesmo com toda essa tecnologia cada vez mais avançada, a nosso (des)favor, como e o que se passa lá, na congregação celestial. Apenas aprendemos (e divulgamos) no Seminário onde estudamos, com vistas a tal ordenação ao ministério, que há, pelo menos, três tipos de congregação (ou igrejas, ekklesia, no grego): (a) a igreja militante, (b) a igreja local e (c) a igreja celestial. Isso mesmo, entre outras coisas que, como pastores, divulgamos por aí, e que, resumidamente, confere com o que segue.

                A (a) igreja militante são todos os crentes em Cristo vivos e atuantes neste planeta - que acreditamos ser o único existente com vida; (b) igreja local é o grupo restrito de crentes de uma determinada comunidade, dessas situadas em bairros das diversas cidades, vilas, povoados pelo mundo afora; (c) igreja celestial são todos aqueles que, uma vez tendo crido em Cristo ainda em sua vida, morreram e aguardam a ressurreição prometida por Jesus. Está lá, na cartilha de Teologia. E a gente, assim denominado "pastor", crê, pratica e espalha por aí esses conceitos. Agora passo às digressões. Mais ou menos deve ter ocorrido o seguinte diálogo:

               "Oi, Limeira", assim disse Clovelina, com aquele clássico sorriso, belíssimo desde quando a conhecemos, porém muito mais bonito ainda lá, na congregação do céu. E Limeira, não tão sorridente ainda, terá respondido: "Poxa, Lilina, nem para me esperar...". E ela contra-argumentando: "Apenas fizemos uma troca: você me esperou na igreja, quando casamos e, agora, esperei você, mas só um pouquinho." E só então Limeira deu o sorriso dele. Assim estão os dois por lá, com aqueles sorrisões que, se já eram tão lindos aqui, imaginem por lá...

              Assim são as coisas por lá, na congregação celestial. O tempo contado não é o mesmo daqui. Por isso que, quando Lilina e Limeira lá se encontraram, não contava o tempo que Limeira reclamou. Ele só reclamou, por causa do impacto do encontro, ainda não refeito da troca da igreja de cá, pela de lá, e por meia chateação de Lilina ter-se adiantado. Mas, instantaneamente a chateação aqui mencionada se desfez, como tudo e muita coisa se desfaz lá, na congregação do céu. Logo, logo se enturmaram, fosse com os colegas de turma que aparecem na foto, do placar "sete por três", ou seja, três ainda por aqui, Cid Mauro, Helio Martins e Barbosa (como meu pai o chamava, "o Barbosa"), e quatro já por lá, Cid Gonçalves, meu pai, Maurillo, Jorge Mota e, agora, mais recentemente, o Limeira. E muitos outros que já nos anteciparam na volta para casa.

              Não dá para saber, sejamos sinceros e práticos, como é a congregação lá no céu, com detalhes, ou vá lá como seja, com os critérios e exigências do modo de conhecer as coisas como o desenvolvemos nesses séculos todos de vida aqui no planeta. Mas podemos imaginar, aí sim, com certeza, que a turma de lá não enfrenta uma porção de coisas como enfrentamos aqui embaixo. Uma delas, já mencionada, é a questão do tempo, como o contamos aqui no planeta. Uma vez lá, acaba esse negócio de contar anos, dias, meses, segundos, minutos, ufa, até o, literalmente (nosso) fim. Não. Lá na congregação de cima, na igreja do céu, o tempo é eternidade. O tempo não conta.

                Tristeza. Outra coisa da qual não adianta tentar fugir ou viver como se ela não existisse. Aliás, é Paulo, o apóstolo (de novo ele) que menciona a expressão excessiva tristeza, isto é, uma tristeza além da conta, e ele menciona essa expressão exatamente quando fala da morte de crentes, de entes queridos nossos que partem lá, para a congregação do céu (aqueles que, como está lá na cartilha, antecipadamente creram em Cristo): não sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Lá não existe mais tristeza. As coisas daqui ficam aqui e, uma delas, não adianta ser hipócrita, cínico ou insensível porque, com certeza, vamos esbarrar com ela pelo caminho, que é a tristeza, essa fica por aqui. Por isso digo que o sorriso, aquele sorriso que sempre nos encantou e que aparecem nas fotos que ficaram, os sorrisões de Lilina e Limeira, lá no céu, ficaram muito, mas muito mais bonitos mesmo.

                O tempo. A tristeza. A comunhão. Outra coisa - desculpem a palavra 'coisa', meio imprópria - que aqui define o que é igreja e que outro apóstolo, desta vez João, afirma que temos com Deus, é a comunhão, quando diz que a nossa comunhão é com o Pai e com seu filho Jesus Cristo, essa comunhão que experimentamos e por ela nos deliciamos, principalmente quando diz respeito ao contexto da igreja local, quando diz respeito ao testemunho que carregam consigo esses crentes que, ainda, por aqui peregrinam, e, com respeito aos que partiram e deixaram, após si, mesma qualidade de testemunho, que se constituem para nós, uns aos outros, como recomenda a cartilha (refiro-me à Bíblia) exemplo e modelo de fé - visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas - assim como Cristo, Ele mesmo se constitui modelo por excelência, sim, falando de comunhão, pois, no céu, a comunhão é perfeita. E a definição de igreja é comunhão. Privamos e devemos privar dessa comunhão aqui na terra, ela é real e deve formar, conceitual e praticamente, igreja - esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Mas lá na congregação do céu, entre si e com o Pai, nossos irmãos que lá estão experimentam perfeita comunhão.

               Não há intervalo de comunhão. A geografia é obstáculo, muitas vezes, para a comunhão que existe entre os irmãos na igreja daqui. Embora, pelo conceito em si, de comunhão, ela nunca deixe de existir entre nós, aqui na terra, muitas vezes, estando longe, há um, digamos, intervalo de comunhão. No céu não há intervalo de comunhão. Entre a igreja daqui e a de lá há, sim, um intervalo de comunhão. Mas um dia, Paulo de novo, ele diz que então Deus será tudo em todos, haverá comunhão total, sem intervalos. E aquilo que Jesus, na chamada oração sacerdotal, definiu como o que é igreja em essência, quando disse a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste, essa comunhão, que define o que é igreja aqui, que devemos ter como modelo e prática essencial da igreja, lá na igreja celestial já é perfeita. E o pessoal fica lá, aguardando a vez da nossa chegada. E nós ficamos aqui, cumprindo o ministério que Cristo deixou a nosso cuidado, tendo a rodear-nos essa 'nuvem de testemunhas'.

              Falta, para terminar essa licença a mais do blog, falar de ordenação. A foto mostra a minha ordenação. Uma coisa (de novo, a palavra quebra-galho) digamos assim, meio formal. Sim, porque é necessária, como cerimonial, mas independe de quem impõe a mão ou de quem recebe a imposição de mãos. Explico. Não há virtude em quem impõe mãos, não flui deles para o ordenado nada em especial e, também, se o tal ordenado, com todas as etapas anteriores que autorizam o tal cerimonial, quais sejam, lustrar as cadeiras de um Seminário, para ser aprovado nas sabatinas e provas, passar (ou sofrer) as inquisições (desculpem) as inquirições da famosa banca ou concílio, enfim, ser indicado para a ordenação, toda essa burocracia (até necessária, admito) não filtra ou não será definidora de nada, a não ser que, de Deus, realmente, haja uma verdadeira imposição de mãos (dEle, quero dizer, mãos de Deus) sobre o, assim chamado, candidato. Autenticamente vocacionado por Deus, então tudo o que fizerem, candidato, examinadores, colegas de ordenação, isso estarão fazendo em obediência ao e em nome do Pai. Se não...

                 Mas entre os pastores que ali estavam, cada um deles tem sua história e cada um deles, geração anterior à minha, algum tipo de exemplo deixam para mim. Posso até começar pelo mais conhecido exemplo, que foi o de meu próprio pai, numa pose característica sua, na foto, tão familiar a mim, que foi aquele que traçou em minha vida seu exemplo pessoal de fé. Costumo dizer que ele me ensinou o apego à Bíblia, enquanto que Dorcas me ensinou o apego à igreja. Ou outro, o pastor que, desde meus 10 anos de idade e até o dia dessa ordenação aí, 2 de janeiro de 1983, contava eu 26 anos incompletos, acompanhou-me, pregou, batizou a mim e a minha esposa, enfim, pastoreou por 15 anos a Igreja Evangélica Congregacional em Cascadura, RJ, o pastor Maurillo Neves Moreira e, coincidentemente (ou não) a quem sucedi no ministério, como pastor, nessa mesma igreja. Ainda mais um, que não aparece nessas fotos, Amaury de Souza Jardim, a quem convidei para o sermão do dia, a chamada parênese, que me viu chegar a Cascadura em 1966, de quem fui (e sou) amigo e companheiro de seus filhos e filhas, enfim, orou por mim na época de meu atropelamento em 1967 e me deu assistência no Hospital dos Servidores do Estado, juntamente com o pastor Teodoro José dos Santos, enfim, histórias e mais histórias, esses homens impõem mãos, literalmente.

               E Antonio Limeira Neto, casado com Clovelina, a amiga de infância de minha mãe, Dorcas, duas famílias que sempre caminharam, pastor os dois, Cid e Limeira, educadoras as duas, Dorcas e Lilina, em paralelo, sua família e a nossa, sempre sabendo nós das idas e vindas do casal, andanças e mudanças de ministério, entre Bahia, sua terra natal e Rio de Janeiro, eu conhecendo desde muito novo os filhos do casal, as meninas, Nídia e Nádia, e o casal posterior que Deus acrescentou, Paulo e Núbia. Se ordenação também significa que aqueles que impõe suas mãos sobre o ordenado têm, com ele, alguma identidade ou transmitem, não no ato, em si, explícito no cerimonial, mas na história de vida transmitem algum exemplo ou modelo, como a Bíblia afirma que Jesus planejou ser e desejou que fôssemos uns para os outros, Limeira transmitiu-me exemplos e em suas pegadas andei, se isso significa dizer que, com prazer, aceitei (e muito me honrou) o convite para pastorear Copacabana, igreja que ele ajudou a instalar na zona sul (a única congregacional naquela área da cidade do Rio de Janeiro), assim como segui os rastros de Nelson e Josilene Rosa, o casal que ele convidou para abrir campo missionário em Rio Branco, Acre, e para cá vieram em 1984, no ano seguinte de minha ordenação. E aqui estou, desde 1995. Pegadas de Antonio Limeira Neto.

                 Tempo na congregação do céu, não conta. Tristeza, na congregação do céu, não há. Comunhão, na congregação do céu, é perfeita. Ordenação, uma formalidade, mas, dependendo de quem é ordenado e de quem impõe mãos, há sentido. Eu tenho avaliado, basicamente, ao longo da vida, o sentido que tem ter sido eu, ou me permitir ter sido ordenado. Dos bons exemplos de meu pai, eu posso até dizer, vivo deles, pelo menos aqueles que consegui reter. Também daqueles que o pastor que durante 15 anos foi considerado o meu pastor, guardo lembranças e marcas. E do Limeira, presente em minha ordenação e também de quem guardo lembranças e com quem convivi e no rastro de quem andei e ando, guardo lembranças, sou grato a Deus e fico imaginando atividade e dinâmica suas lá na congregação do céu. Sorrisões, aqueles, de Limeira e Clovelina. Sonora gargalhada a dela, desenho cuidadoso, sorriso que se desenhava aos poucos, obra de arte curiosa e provocativa, enigmática, silenciosa, o sorriso dele naquele rosto enorme, característico, nordestino. Ele esteve presente em minha ordenação. Aceito mais essas mãos impostas sobre minha cabeça. Relutei, Deus sabe muito o quanto, em me permitir ser ordenado. Aliás, durante muito tempo, achei que fora um gesto meu de covardia. Mas ao longo do tempo, Ele, Deus, tem confirmado o chamado. Sou um dentre eles. Sou pastor. E prossigo na esteira e pegadas dos que me precederam. Até o dia de estar com eles naquela congregação.

  Cid Mauro Oliveira.