quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Profeta Jonas

                                              Profeta Jonas
      
        19 de agosto de 2014. Há exatos 159 anos, nesse dia, a esposa do médico e pastor escocês Robert Kalley, D. Sara Kalley, a mulher por detrás do homem, começava uma escola dominical em sua casa, Gerheim - "Lar muito amado" - em Petrópolis, RJ. Nossa família, aqui em casa, 19/08/2014, reuniu-se para ler no livro do profeta Jonas, isso porque foi essa a primeira história bíblica contada por D. Sara, para um grupo de 5 crianças, na Escola Dominical nascente.

       Ora, ora, ora, que ironia, pois vivemos tempos em que Bíblia e Escola Dominical estão muito mal cotados, junto com a onda pós-moderna, considerados ultrapassados, a Escola e o Livro. Corre-se o risco de ser considerado fundamentalista que não se sintoniza com a nova visão hermenêutico-exegética do Livro e radicalmente ultrapassado quem postula virtudes para a decadente Escola Dominical. Aliás, basta mencionar a palavra 'escola', para que uma carga negativa paire sobre cabeças (não)pensantes.

       E olha só, dupla ironia, agora, porque logo com relação à história de Jonas, com aquela onda, e que onda!, do peixe, caramba, se você admite que tudo foi histórico, que houve viagem a Tarsis, navio que saía de Jope e, principal e  precipuamente, peixe que engoliu profeta, lascou-se, você é, certamente (mais um) fundamentalista. Patrulhamento de plantão, alô, alô-ô, acorda, estamos pós-século das luzes.

       Lembrei-me de Jack Miles, Deus, uma biografia, que sugeriu que alguém que escrevesse Bíblia, caso dos textos chegados até nós, e fosse uma fraude como autor, seria um gênio, que passou oculto pela história, fazendo com que todos que leram essas histórias entendendo-as como literais, tenham sido ludibriados, de muito boa fé, mas não entenderam como convinha que se entendesse.

       Pois aqui em casa recordamos  a história de Jonas, lendo 1:1-3, para orarmos pela UIECB, a qual consideramos um grupo herdeiro dessa escola dominical de 159 anos atrás, Denominação da qual fazemos parte, como Congregação que aqui em casa se reúne, vinculados como membros à centenária Igreja Evangélica Fluminense, a primeira fundada pelo Dr. Kalley, vamos assim chamá-lo, em julho de 1858 e que acaba por ser a primeira do Brasil inteiro.

       Consideramos, em nossa meditação em grupo, que Jonas, premeditadamente, fugiu, como vai esclarecer, posteriormente, no seu diálogo com Deus, porque avaliou, diante do chamado e tratando-se do Altíssimo que, se houvesse arrependimento em Nínive, Deus não exterminaria os odiáveis ninivitas. E ele, Jonas, particularmente, odiava os odiáveis ninivitas que, por sua vez, odiavam todo mundo e vinham demonstrando, na prática, essa sua (deles) postura.

         Comentamos em família que, geralmente, os profetas autênticos, avaliando o que significa ser investido por Deus de qualquer responsabilidade, assustam-se e desejam fugir ao chamado, como ocorreu com Moisés, hospedado na estalagem e teimando com Deus, nos limites de Sua divina paciência (Êxodo 4:24-25). Posteriormente Isaías, que tremeu ao constatar que não poderia ser incumbido dessa responsabilidade, por causa de seus antecedentes e cumplicidade (Isaías 6:5) especificamente com o povo a quem haveria de proclamar a mensagem (Isaías 6:9-10), ao inverso, de conversão, quando pareceu que o Altíssimo não desejava isso. Lembramos, aqui, de Atos 16:6-9, quando pareceu que o Espírito Santo não desejava que os missionários anunciassem o Reino.

            E o que dizer de Amós, contemporâneo de Isaías, que, no diálogo com o profeta profissional Amazias (Amós 7:14-15), admite que não é profeta por opção sua, vaidade ou oportunismo, mas por autêntica vocação. Demonstra que não correu atrás dessa investidura, ao contrário, nunca a haveria de experimentar, se não fosse o caso de ter confirmado, para si, o chamado de Deus. Mais uma vez o jogo de aceitação-rejeição pelo qual passam os autenticamente vocacionados. Não que seja somente covardia ou medo, mas pesa o peso da responsabilidade.

        E sobre Jeremias, mais de 100 anos depois desses dois, também afetado pela síndrome da rejeição de chamado divino, quis argumentar, no contexto de seu próprio chamado, que era por demais tenro, imaturo, jovem, nahar (Jeremias 1:6), no hebraico, pura desculpa, diante da qual Deus o repreende com veemência (Jeremias 1:7), "Não digas 'não passo de uma criança', porque a todos a quem eu te enviar, irás, e tudo quanto eu te mandar, falarás". E não adiantava contra-argumentar que era timidez ou gagueira, como dizia Moisés, porque se preciso fosse ele seria mais um cara-dura, como foi  com Ezequiel (Ezequiel 3:9).

            Em nosso culto doméstico paramos nessas observações, quanto a esses quatro profetas, para compará-los a Jonas, mas destacamos, também, que Jonas foi mais longe: ele não se converteu, ele não apenas titubeou, por causa do tamanho da responsabilidade, mas ele foi adiante, como diz o texto, Dispôs-se, sim, mas para fugir (definitiva e decididamente) da presença do Senhor. Jonas levou longe demais, mais longe do que os colegas aqui citados, essa sintomática loucura toda.

            Jonas cobriu etapas que poderia ter cancelado a qualquer momento, arcando com todo o prejuízo, como o profeta anônimo, homem de Deus, sugeriu a Amazias (2 Crônicas 25:9). Mas Jonas não abortou, legitimamente, sua missão ao inverso. Cumpriu todas as etapas: (1) desceu a Jope, (2) procurou - e achou - o navio para Tarsis, (3) pagou o preço da passagem, (4) embarcou, enfim, poderia ter, a qualquer momento, convertido-se ao Senhor, e morrer no prejuízo do preço pago. Mas foi criança igual ao casal primordial (Gênesis 3:8), ridículos, pensando poder esconder-se por entre as árvores do Jardim. O pecado nos ridiculariza. E Jonas pensou que, no porão do navio, estaria longe, longe, longe da presença do Altíssimo.

           Jonas teimava consigo que poderia fugir da presença do Senhor, isolando-se naquele porão, perdia sua identidade. Afundou-se na sua depressão, nem nela ou dela se foge da presença do Senhor. Pensou em suicidar-se. Tornou-se pior do que aqueles que não têm para quem orar (Jonas 1:5-6), porque os que não sabiam orar ao único Deus a quem se pode orar, pediam a Jonas que invocasse o Deus de quem tentava fugir. Continuava ridículo, porque mesmo os que não tinham um Deus a quem orar, tinham seu desespero e sua muda súplica, tinham por que orar - quem sabe Deus deixa após Si uma bênção (Joel 2:14) - e não estavam mergulhados na alienação e indiferença de Jonas.
            
            E Jonas, ao ser jogado no mar, quando pensava que havia chegado ao fim e ao mais fundo, Deus tinha como fazê-lo ir além e mais dentro de si, dentro do mar, conduzir ao abismo, mas com âncora da alma, segura e firme, e que penetra além do véu (Hebreus 6:19). Até onde vai um homem que deseja seguir adiante privando-se do amor. Jonas queria ou pensava que o amor de Deus era exclusivo para si, para ele, Jonas, e jamais alcançaria os ninivitas a quem tanto odiava. Queria Deus cúmplice dele em seu ódio. Não é assim, porque quem se quer amado por Deus, terá de amar todos e quaisquer, porque é assim que Deus ama: ama ninivitas (ou nazistas), não pelo que são, mas pelo tanto que Deus espera que sejam, ainda que se neguem a ser.

             Conversão é ser lançado para dentro de si mais fundo do que alguém pensa ou avalia seja possível. Por isso que Jesus compara a experiência da conversão, o sinal de Jonas (Mateus 12:40), à experiência da morte e ressurreição em Cristo, porque é esse o mergulho (batismo) que converte (Romanos 6:3-7), que nos faz soerguer-se salvo em Cristo Jesus. Mergulhar com Cristo dentro do inferno pessoal é sair dele convertido. A experiência de Jonas é o mergulho do egoísta, que pensa que o amor de Deus é exclusividade seu. Há pessoas que pensam e vivem assim, cheios de direitos adquiridos, legitimamente religiosos, e cuidando para não tê-los contestados. Mas não experimentaram o amor, pois amor é compartilhamento,  porque nem Deus guarda para Si mesmo o amor que tem (e é o único que tem no estado real, puro e verdadeiro, aliás, Deus não tem amor: Ele é amor - 1 João 4:8). Se assim não fosse, não seria Deus. 

             Um livro como esse de Jonas tem um gênio como autor. Terá forjado a história? Fraudador genial. Terá discorrido por fatos históricos? Ora, terá sido, então, a própria sequência dos fatos que deixaram transparecer o dilema do profeta, que decidiu não retornar do medo, da fuga, e decidiu pagar para ver, ao contrário de Amazias, para checar até onde se vai com teimosia no enfrentamento com Deus. Fico com esta opção, da historicidade, sim, mas e a modernidade, a ciência da visão do 'século das luzes', o que ela tem quando joga seu foco nesse livrinho, vai me dar nota zero nesse quesito.

               Deus ou Darwin: deixa a ciência descobrir, fica ao encargo dela, como pôde o profeta respirar em regiões abissais do mar, dentro do ventre daquele peixe. Que peixe? Com a palavra, Darwin, de novo. Pelo que se sabe, ficamos mergulhados em 'água' no ventre de nossa mãe até que, na 34ª ou 35ª semana, o pulmão esteja pronto para receber o ar que respiramos. Jonas retornou, não ao ventre de sua mãe, mas entrou no ventre do peixe. Ele não esperava que fosse assim. Esperava o suicídio. Mas o mesmo Deus que realiza, em Cristo, a nossa conversão, é capaz desse outro milagre, muito mais simples e menos absurdo de compreender, que foi fazer Jonas respirar por três dias e três noites.

             Será Deus capaz de assim proceder? O Deus dos autores da Bíblia, quem sabe, seja. O Deus do século das luzes, quem sabe, não. Que Deus queremos? Mais absurdo é reconhecer o mergulho que converte o homem, para que este mesmo tenha Deus nele habitando. Este é o absurdo maior a ser ou não confirmado. No mais, o Deus que isso pode, por menos, deparou esse peixe que engoliu Jonas. O que interessa é deixar-se mergulhar com Deus, o nome disto é batismo, até onde nos conduz, para de lá sairmos, para sempre, com Ele e a Ele ligados, o nome disto é conversão, em absoluta e eterna comunhão, o nome disto é igreja.

                     Cid Mauro Oliveira e família. 


               

Nenhum comentário:

Postar um comentário