O conceito de ecumenismo, tão caro e imprescindível no contexto atual da discussão da tolerância religiosa, requer, sim, definições claras, no seu aporte acadêmico, seriedade e descrição metodológica.
Mas como qualquer ciência ou procedimento acadêmico, caso sua aplicabilidade se distancie da realidade ou o seu serviço não atenda ao propósito real de sua função, qual seja, nivelar por igual todas as religiões e propor diálogo sem prepotência de posicionamento, será discurso, intenção e prática estéril.
Por sua própria experiência e finalidade, pelo menos ecumenismo e diálogo inter-religioso vão ocorrer em dois níveis: o institucional e o individual. Por institucional, indicamos aquele definido pela instituição religiosa, de modo oficial e por representantes autorizados.
Por individual, definimos o diálogo praticado pelo adepto, seja por iniciativa própria, seja no circuito próximo de companheiros de jornada, dentro ou fora de seu grupo religioso, de maneira empírica, informal, por laços de convivência social ou familiar, amizade, enfim, ao nível do adepto leigo de qualquer religião.
Essa postura leiga poderá ter ou não orientação e respaldo da liderança religiosa de seu grupo, sendo que, ao leigo, avanços e recuos serão proporcionados, em função dessa tensão estabelecida, resultado desse diálogo intra-relioso, isto é, no contexto de cada religião, condicionado à visão ecumênica dela.
No Acre, a base do processo que gerou o que, posteriormente, denominou-se Instituto Ecumênico Fé e Política, está ligada à experiência de um de seus fundadores, Manoel Pacífico, católico, que certa vez, como ele conta, procurou um grupo de fiéis que se reunia num dos bairros periféricos de Rio Branco, Acre.
Reuniu-se com eles, participou de sua liturgia de orações, compartilhamento e fraternidade, sempre supondo que pertenciam, hipoteticamente, a uma paróquia vizinha. Pacífico descreve que, numa aula posterior que, como professor, ministrava, sem que previamente soubesse, um de seu alunos comentou, audivelmente, terem estado juntos, ele e Pacífico, seu professor, na reunião do grupo de um Padrinho do daime.
Pacífico compartilha, quando descreve essa experiência, que foi gratificante ter descoberto, inopinadamente, que uma reunião religiosa que tanto se assemelhava ao contexto de sua fé católica era, na verdade, de um grupo do daime ali no bairro da Vila Ivonete, lá pelo anos 70.
Está é uma das maneiras de se descrever a mística do ecumenismo. Estar junto, sem barreiras, adormecidas as diferenças, à margem da vigilância institucional, experimentando amor fraternal, para somente depois descobrir que as diferenças fazem parte da identidade, mas não podem se constituir em barreiras.
Manoel Pacífico nunca deixa de descrever essa experiência, quando menciona ecumenismo, tanto quando compartilha esse efeito em sua vida pessoal, como quando expressa a influência dela na posterior sugestão e proposta efetiva de criação do Instituto Ecumênico Fé e Política.
Vai se unir ao seu companheiro de militância política, Nilson Mourão, também católico, porém que vão estabelecer intencional cumplicidade com dois pastores protestantes, Afonso Geber e Cid Mauro. E logo vamos avaliar que falta gente nesse grupo porque, com diferença pouca, sem diversidade ampla, não se processa diálogo, seja ecumênico ou inter-religioso.
A Cartilha Ecumênica constitui-se num marco a mais dessa mística. Porque, embora mínima em seu conteúdo, no sentido de ser um esboço das confissões religiosas nela constantes, em número acanhado de 5 (cinco), a saber, Daime, Matrizes Africanas, Protestantes, Espíritas e Católicos, o marco da aproximação entre elas, sua abordagem igual e divulgação na rede de educação sugere a prática e o aprendizado de uma postura plural.
Evidente é que, para cada grupo representado, para focar nos cinco citados, presentes na Cartilha, a postura ecumênica de suas respectivas instituições varia, em função de sua estrutura interna. Espíritas, por exemplo, trazem consigo uma postura de respeito para com todas as religiões, já a partir de sua matriz doutrinária.
Evangélicos (ou protestantes) de modo geral são avessos ao ecumenismo, por preconceito com o termo, sem ao menos tentar entender a proposta. Veja bem, aqui se indica a maioria das estruturas denominacinais, sem mencionar a postura de faculdades de teologia mais avançadas, assim como subdivisões dos grupos históricos e quantidade significativa de lideranças pastorais e acadêmicas que entendem e praticam essa proposta.
Daimistas, embora na própria Cartilha apresentem-se por três lideranças de três diferentes correntes, também havendo subgrupos delas na cidade, de si já promovem diálogo por meio de uma Câmara Ayahuasqueira e, por tradição e orientação de suas lideranças, exercem diálogo, praticam o respeito e, efetivamente, orientam seus fiéis dentro de uma proposta ecumênica e inter-religiosa.
Matrizes africanas, tendo em comum seus princípios e unidos numa história de autoafirmação e resistência, além das sutis diferenças entre Umbanda e Cadomblé, em função da triste história de discriminação histórica sofrida, não praticam e repugnam a prática da perseguição religiosa, do preconceito ou da discriminação.
E quanto a católicos, de estrutura milenar complexa, com corajosos ajustes, como representam historicamente seus concílios, com destaque para o Vaticano II, oficialmente definem os parâmetros do ecumenismo e diálogo inter-religioso que praticam, porém quanto à prática e vivência experimentada no Instituto Ecumênico, vez por outra observamos uma defasagem entre a prática e a provável concordância da Igreja.
Porque ecumenismo é assim, vanguarda e risco. Porque amor é vanguarda e risco. O Nazareno, para ficar no exemplo que nos é comum, ele próprio foi vanguarda e risco. E prova cabal de amor. Podemos até discutir o que Ele passou a representar da cruz para diante. Porque, embora por injustiça, tortura e assassinato terem-no cortado da terra, como prevenira Isaías, ele foi amor e doação, vanguarda e risco, portanto, plenamente ecumênico.
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