quarta-feira, 20 de abril de 2022

 KARL BARTH: UMA INTRODUÇÃO Á SUA CARREIRA E AOS PRINCIPAIS TEMAS DE SUA TEOLOGIA - Franklin Ferreira

       Este ensaio tem como alvo oferecer uma introdução à vida e a alguns dos principais tópicos do pensamento de Karl Barth, talvez um dos teólogos mais importantes do século XX, um dos fundadores da chamada teologia neo-ortodoxa.

   No decorrer do mesmo será oferecido um breve panorama das várias etapas da peregrinação teológica de Barth, e uma avaliação de seu pensamento, tendo como base a fé reformada, como exposta nas confissões clássicas, com especial atenção a seus principais temas teológicos (o Deus Triúno, a Palavra de Deus, a concentração cristológica, a reconciliação e a predestinação), a partir, especialmente, de sua Die Kirchliche Dogmatik [Dogmática Eclesiástica].

1. FORMAÇÃO TEOLÓGICA

Karl Barth nasceu em Basiléia, Suíça, em 10 de maio de 1886. Era filho de Fritz Barth, um ministro reformado e professor de Novo Testamento e História da Igreja na Universidade de Berna, na Suíça, e Anna Sartorius. Ele recebeu sua educação inicial como membro da Igreja Reformada Suíça por seu pastor, Robert Aeschbacher. Essa educação deixou marcas profundas em sua mente, as quais podem ser notadas em toda a sua produção teológica. Por toda Die Kirchliche Dogmatik [Dogmática Eclesiástica] ressoam as frases do Catecismo de Heidelberg. Estes estudos levaram-no a se decidir por estudar teologia. Estudou nas universidades de Bern, Berlin, Tübingen e Marburg, tendo recebido seu bacharelado em 1909. Sua monografia foi sobre “O Descensus Christi ad inferos nos três primeiros séculos”. Suas principais influências acadêmicas foram Adolf von Harnack (1851-1930), Hermann Gunkel (1862-1932), Adolf Schlatter (1862-1938) e Willhem Herrmann (1846-1922).

    Concluídos seus estudos, foi convidado a ser pastor assistente da paróquia reformada suíço-alemã de Genebra (ele pregava de tempos em tempos no mesmo grande salão em que Calvino havia falado, três séculos e meio antes), e, em 1911, iniciou o pastorado numa pequena igreja reformada no interior da Suíça, em Safenwill (a única igreja numa pequena cidade de 2.000 habitantes), no cantão da Aargau, onde ficou até 1921. Ele deparou a realidade rural e com os conflitos entre operários e patrões, que ocorriam na única fábrica existente na região e da qual dependia toda a comunidade. Barth passou, então, a envolver-se com conflitos e questões sociais. Por essa época tornou-se socialista cristão, recebendo influências de Hermann Kutter (1869-1931) e Leonhard Ragaz (1868-1945). Participou de ações políticas e ajudou a organizar um sindicato. Em 1915, filiou-se ao Partido Social-Democrata. Mas, com o início da I Guerra Mundial, Barth viu sua fé liberal abalada, assim como seus ideais socialistas.

2. O DER RÖMERBRIEF

   Barth percebeu que a teologia liberal de nada serviu em sua tarefa de pregar ao povo de Safenwil. Durante esses anos conheceu Eduard Thurneysen (1888-1977), pastor em Leutwil, um amigo que o acompanharia por toda a vida. Em 1914, ele e Thurneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thurneysen estudou Dostoievsky, e Barth estudou Kierkegaard. Nesta época, ganhou importância para ele os escritos de Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564). Ele também visitou o pregador pietista Christoph Blumhardt (1843-1919), na casa de retiro espiritual de Bad-Boll, em Wurtemberg, e foi convencido de forma irresistível da realidade da vitoriosa ressurreição de Cristo.

  Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou a Carta aos Romanos [Der Römerbrief] – que teria uma segunda edição totalmente reformulada em 1922.

Neste livro, Barth formulou vigoroso protesto não apenas contra a teologia contemporânea, mas contra toda a tradição que se vinha formando desde Schleiermacher e que fundamentava o cristianismo na experiência humana. A Carta aos Romanos foi também um protesto contra aquelas escolas que tinham transformado a teologia em ciência da religião e tinham apresentado a análise histórico-crítica da Bíblia como a única interpretação possível. Barth publicou a segunda edição da obra poucos anos depois, e esta edição, completamente revisada, pode ser considerada o início da nova escola que posteriormente se tornou conhecida como a escola dialética. Como fez ver claramente na Carta aos Romanos, Barth pretendia substituir a interpretação meramente filológica e histórica com uma exposição ‘dialética’ mais profunda do próprio material bíblico. Encontrou exemplos principalmente nos clássicos da tradição cristã, como, por exemplo, em Lutero e Calvino. A interpretação da Bíblia de Barth, entretanto, não é mera cópia da obra dos reformadores; a dialética que encontrou na Bíblia não é, como acontece com Lutero, o contraste entre a ira e a graça de Deus, entre o pecado do homem e a justiça providenciada por Deus; é antes o contraste fundamental entre eternidade e tempo, entre Deus como Deus e o homem como homem. A aplicação deste conceito fundamental, via de regra, resultou na rejeição do humano, fazendo assim lugar para a revelação divina, para o ‘totalmente outro’, que é revelado pela palavra de Deus aos que em espírito de humildade mostram-se receptivos às ações divinas e à mensagem da igreja.

    A Carta aos Romanos é considerada o texto mais representativo da teologia dialética. Aqui ele enfatizou a transcendência de Deus, Deus como “absolutamente outro”, a “distinção qualitativa infinita” entre Deus e o homem. A teologia passou a ser o estudo não de filosofia ou experiência religiosa, mas da Palavra de Deus. Para Barth, “a Bíblia [veio a ser] não meramente uma coletânea de documentos antigos a serem examinados criticamente, mas, sim, uma testemunha de Deus”. Argumentava que essas grandes verdades não podem ser construídas a partir da experiência ou da razão, mas devem ser recebidas da revelação de Deus, numa atitude de obediência. O que estava em curso era uma revolução no método teológico, uma teologia “do alto”, para substituir a antiga teologia “de baixo”, centralizada no ser humano. Barth ficou surpreso com a reação a seu livro.

Pareço mais um rapaz que, subindo ao campanário da igreja paroquial, puxa uma corda ao acaso e, sem querer, coloca em movimento o sino maior: trêmulo e amedrontado, percebe que acordou não apenas sua casa, mas também a aldeia inteira.

3. DIE KIRCHLICHE DOGMATIK

Em 1922, foi convidado para ser preletor de teologia reformada na Universidade de Göttingen, onde ajudou a desenvolver a teologia dialética junto com Eduard Thurneysen, Rudolf Bultmann (1884-1976), Friedrich Gogarten (1887-1967) e Emil Brunner (1886-1966). Uma de suas principais tarefas foi preparar palestras acerca da teologia dos reformadores. Dessas meditações, emergiu uma verdadeira renascença no estudo de Calvino (no qual Peter Barth, irmão de Karl, desempenhou um papel importante) e uma nova avaliação da pertinência de Calvino para nossos tempos perturbados.

Entre 1926 e 1929 foi professor de Dogmática e Teologia do Novo Testamento na universidade de Münster e em 1930 se tornou catedrático de Teologia Sistemática na Universidade de Bonn. Por esta época, Fräulein Charlote “Lollo” von Kirschbaum, membro da igreja luterana, começou a trabalhar como sua assistente, auxiliando-o com seu grande conhecimento em grego e hebraico.

    Com Fides quaerens intellectum (1931) – uma interpretação pessoal e vigorosa do Proslogium de Anselmo de Canterbury – Barth elaborou a teologia da Palavra, o que significou um rompimento com seus amigos Brunner, Gogarten e Bultmann.

Nessa obra, Barth estudou melhor a natureza e função da teologia. Ao contrário de muitas interpretações de Anselmo, Barth argumentou que o argumento ontológico de Anselmo em favor da existência de Deus não era uma tentativa de provar Deus independente da fé, mas sim de entender com a mente aquilo em que já se acreditava através da fé. (continua)


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